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NO TERCEIRO BATENTE DA COLUNA DA HORA.

CONTADA POR JERDIVAN NÓBREGA DE ARAÚJO* (Foto) Tudo o que eu queria da vida não era uma saudade, nenhuma ilusão perdida nem mesmo uma cerveja gelada. Sequer queria de volta meus verdes anos. Posso me contentar com menos... Eu queria me vê, sentado nos batentes da Coluna da Hora à sombra dos quatro relógios, cada um marcando a hora da sua vontade e nenhuma das horas concordando com a sirene da Brasil Oiticica. Eu queria agora poder olhar a minha frente e ver o passeio do Bar Centenário no sabor gostoso de um sorvete de morango lá na sorveteria de Bernardo. Ouvir os recados de Clemildo Brunet na Difusora Lord Amplificador e oferecer uma música a uma paixão que eu deixei escapar nas ruas de Pombal. Como é perverso o implacável tempo. As pessoas que meus olhos miravam não existem mais. A paisagem que meus olhos fotografaram e agora se revelam em relances não existem mais. O meu mundo é uma paisagem vista da janela. D'alguma janela de cor azul, entre aberta, numa casa da Rua de baixo, quando ainda havia a porta de baixo e a porta de cima. ― Ao sair feche a porta de cima, também. Gritava mãe Lourdes lá na Rua do Comércio. Eu queria poder levar um último recado á mãe Lourdes. Eu diria da falta que ela nos faz. Um moleque sentado no terceiro batente da Coluna da Hora não tinha ainda o tempo lhes cobrando o balanço das horas. Tempo que os relógios hoje me cobram, como fiscal das minhas ações. A minha esquerda, posso avistar a Barraca P e Cicero de Zé de Lau; a oficina de Mestre Álvaro e o Rotary Club, na prosa sem fim de Dr. Nelson e Jovem Assis. Via também, ali na esquina do Mercado Público, o meu pai sentado em um tamborete proseando com Eduardo Lacerda, Edvaldo relojoeiro e Benedito Leonel ― na parede da memória esse é o quadro que dói mais ―, enquanto ria de um bêbado que era seguido por malvadas crianças. Eram tantos os bêbados, loucos e vagabundos que perambulavam pelo centro da cidade. Os loucos da minha cidade tinham nomes e personalidades de loucos se é que isto existe. Eles, nas limitações das suas loucuras, serviam as famílias tradicionais, que os adotavam, as vezes por caridade outras por um parentesco distante e que muitas das vezes era escondido pela sua condição de trapos das ruas de Pombal. Nonato doido levava os recados de madrinha Nena. Nedina defendia "padrim" Toinho e Mané do Chicote levava os embrulhos de seu Félix até a Rua de Baixo. Tantas sombras que passam a minha frente: Chico Leque, Catita, Cachorra Véia , Antônio Ajado, Arrupiado , Acabraiado , Amor de Zé de Bú , Xí , Antonio Pinga , Beba, Butijinha, Biró de Beradeiro Cobra Verde, Chica de Jotão, Chica Pavi , Chico Ló, Chicota, Canudo, Cota, Cotinha, Curinha, Catingueira Antônio de Cota e Cabrinha. ― O meu povo tinha nomes esquisitos. Cícero de BemBem vendia os melhores peixes durante o dia e roubava galinhas e perus durante á noite. A minha direita a Igreja do Rosário. Ultimamente tenho olhado para ela como se fosse um imenso picolé a derreter no calor de Pombal. Padre Andrade desce a rua Nova cambaleando dentro da sua batina preta. Parece que nunca vai chegar ao destino. Dosinha me perguntou por Bobóia, que acaba de entrar no Cassino do Galego. Dali só sai quando perder o último centavo. Fonhonhon me conta uma história sem fim e Janduy da Banca do Bicho dá o palpite do dia: ― Vai ser veado, diz ele, com a certeza e a experiência de um profissional. Chico de Geraldo entra na casa de Severino Sadi enquanto Fonfon procura desesperadamente por Bezita. Fagundes, que vem caminhando trazendo de volta o cartaz do filme que foi exposto durante todo o dia no Mercado Central. ― Durango Kid de novo Fagundes? Não teremos outra opção: à noite estaremos todos de frente ao Cine Lux, se não para assistir ao filme, pelo menos para trocar livros de Faroestes, ouvir musicas e paquerar. "Eu faço samba e amor até madrugada por isso durmo até mais tarde.." O novo LP de Chico Buarque já faz parte da discografia sempre bem atualizada do Lord Amplificador. A grande Castanhola do João da Mata e o Flanboayan de seu Mizim, vermelho em flor, são espetáculos aos meus olhos sempre tão tristes. Não devo esquecer do Cruzeiro que me tira a visão dos miseráveis a espera de julgamento na velha e quente cadeia. A Coluna da Hora é o meu observatório do tempo. Não consigo ver o futuro dessa cidade. Apenas o passado trazendo ás suas ruas o meu povo e as minhas histórias. Quanta gente com nomes esquisitos passa por aqui. Zé Bonitinho, Raimundo Piaba, Pachota, Pecado, Papel, Pandeirinho, Pacote Ribinha, Sabonete, Saburá , Seu Lau , Soró do Mercado , Semba, Sófon, Mosquito, Vandeca, Febrim, Famoso, Fitita de Zé Canuto, Gago da Banda , Gerinha, Geraldinho de Chagueira, Godô, Guerrinha, Gera Mãe de Sofôn. Amanhã me sentarei de frente para Matriz. Quero observar as pessoas que descem a rua Nova. Quero contemplar as torres da Igreja Matriz que a um século contempla minha cidade. Quem sabe eu possa encontrar o irmão que partiu. O que é que e a vida afinal? "Era só isso que eu queria da vida uma cerveja um ilusão atrevida que mim dissesse uma verdade chinesa com a intenção de um beijo doce na boca a tarde cai a noite levanta a magia quem sabe a agente vai se ver outro dia..."
*ESCRITOR POMBALENSE.
NO TERCEIRO BATENTE DA COLUNA DA HORA. NO TERCEIRO BATENTE DA COLUNA DA HORA. Reviewed by Unknown on 8/18/2007 05:28:00 AM Rating: 5

4 comentários

socorro pombal. PB disse...

Mais uma vez, às lágrimas, rolam em minha face... Talvez o nosso amigo, não lembra do nosso Rseno cego, que vendia seus pasteis pela ruas da nossa Pombal. e o que mais marcou>>> Conhecia todas às ruas pelo nome, e a voz das pessôas. Foi um verdadeiro marco da época.. Lúzia Carne Assada, como chamavam os maldosos..Tomara conta da casa da mãe pobre. com um capricho extraordinário..tenho lembranças muito vivas desta pessôas que simbolizaram uma época.. Um abraço amigo de sua fã e amiga Socorro Dias Almeida..

Anônimo disse...

De Maria Helena filha de filhos de Pombal
Jerdivan,
Como vale a pena ler suas croncas. Que om que nós filhso de Pombal temos voce com esta memoria e este dom que Des lhe deu apra contar nossas história. Ja virou rotina, no almoço de domingo eu elr seus tetos apa meus velhinhos que choram feito menino e riem feito criança. esse texto eu li, sem exageiro, dez vezes seguidas apra painho e mainha. Leio textos seus todos os domingos. Agora eles querem te conecer. que faço?? obrigado por vc existir

Anônimo disse...

lindo renovador e emocionante. Senti saudade da minha infancia nas ruas de Pombal.

Anônimo disse...

Meu caro Jerdivan,
Estou há dezenas de anos longe de Pombal, no entanto estou sempre perto através de seus escritos. Que orgulho sinto da minha terrinha por ter gerado filhos que a amam tanto, como deixas transparecer em seu texto. Repasso sempre os textos a colegas que não conseguem entender por que essa terra é tão querida. Respondo: se vocês tivessem nascido lá.......
Um cordial abraço, conterrâneo!
Antonio Dantas Maniçoba

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