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"CRÉU": ASSIM JÁ É DEMAIS!

MACIEL GONZAGA*(Foto) O conceito de "qualidade", ou a definição do que seria bom ou mau no que se referia à música, era, nos séculos XVI a XVIII, bastante objetivo e claro. Falava-se em música boa e má usando-se parâmetros muito bem determinados e que iam além da beleza do produto final, da intenção de quem o produzira e, até mesmo, da finalidade da obra. No período do barroco, "boa música" estava associada ao princípio da ordem e do número. Falava-se em "harmonia sonora", uma arte baseada em regras bem determinadas. O princípio da ordem, musical ou não, era divino. O princípio do caos, musical ou não, era satânico. Satanás era, aliás, o principal desestruturador da ordem divina. A música que recebia aceitação e aprovação como "boa" era aquela possível de ser racional e intelectualmente decodificada. Devia "falar ao intelecto". Quando isto acontecia, então se podia falar em uma verdadeira Ars, ou seja, em Arte no sentido mais restrito da palavra. A Ars Musica baseava-se no princípio da ordem e do número. Se não o fosse, era objetivamente má. As raízes desta concepção vão até a Idade Média, ou ainda mais longe. Não só a música, como também outras formas de expressão artística, pareciam tentar refletir essa dualidade quase maniqueísta do bem e do mal, do bom e do ruim. Por causa da sua estrutura ordenada numericamente, a música era apropriada para refletir e até mesmo para representar o cosmos, o universo, a criação divina, que, da mesma forma, estavam ordenados a partir do número. Já no tratado anônimo de música, surgido antes do ano 900, Musica Enchiriadis, encontra-se o princípio: "Na formação da melodia, o que é gracioso e gentil será determinado pelo número, aos quais os tons se condicionam. O que a música oferece [...], tudo é formado a partir do número. Os tons passam rapidamente, mas os números [...], esses permanecem". Em 1538 escreveu Lutero em seu "Encomion musices": "Nada há sem [...] o número sonoro". Quase dois séculos mais tarde, em 1707, na época de J. S. Bach, Andreas Werckmeister escreveu: "As proporções musicais são coisas perfeitas que o intelecto pode compreender. Por isso são agradáveis. Mas o que o intelecto não compreende o que confunde e perturba, isso o ser humano abomina". Eis aí, em todos esses registros, de diferentes períodos históricos, a definição de boa música e de música má. Segundo os entendidos da arte sonora, o brasileiro, ao longo de sua história, tem sido um povo musical por natureza. De Villa-Lobos a Pixinguinha e tantos outros criadores geniais, o denominador comum tem sido a feliz e boa mistura de movimentos eruditos e populares, indígenas e africanos, europeus e americanos, tradicionais e de vanguarda. A boa música praticamente já não existe mais. Os músicos de outros países não mais procuram imitar nosso estilo. Não temos mais critérios objetivos que nos ajudem a falar de um tipo de música brasileira. Não sei o que aconteceu com a criatividade dos artistas brasileiros, que na maioria lançaram discos ainda em long-play, com musicas de boa qualidade, há quinze ou vinte anos, e hoje, apesar das facilidades da tecnologia que permite a gravação de alta qualidade por baixo custo, não conseguiram mais criar um repertório de músicas de qualidade para lançar em CD. Quando dei os meus primeiros passos no Rádio Pombalense, na “A Voz da Cidade”, sob o comando desse intrépido Clemildo Brunet, tomei gosto pela boa música. Fui aluno de Zeilto Trajano, no “Almoço à Brasileira”, um programa levado ao ar no horário do almoço, que só veiculava música de boa qualidade. Os tempos passaram e quis o Supremo Criador que eu pudesse dar a minha parcela de contribuição como compositor musical e busquei inspiração em dois grandes nomes da música nordestina: Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. No entanto, após o movimento do Pagode e do Forró Cearense, com exceção de alguns poucos artistas, a música brasileira, principalmente a popular, vem perdendo qualidade e sendo descaracterizada do contexto tradicional da boa música brasileira. Se fosse vivo, que diria Luiz Gonzaga? Infelizmente, o mundo está globalizado, os tempos são outros e a massificação está em larga escala. As músicas de hoje têm um fundo eminentemente comercial, são de apelo fácil. Na verdade, o Rádio tem uma parcela considerável de culpa nessa história toda. O número elevado de execuções faz com que uma música de baixa qualidade, a exemplo de CRÉU (A Dança do Créu), de um tal de “MC Créu”, seja considerada, de forma errônea, um sucesso. Esta música está tocando em todas as rádios do país inúmeras vezes por dia. É de baixa qualidade, apenas de fácil assimilação. Data vênia, lamentavelmente, o Brasil já não é mais “referência musical”. Ouvir “CRÉU” para mim é o final dos tempos! *JORNALISTA,ADVOGADO E PROFESSOR.
"CRÉU": ASSIM JÁ É DEMAIS! <strong>"CRÉU": ASSIM JÁ É DEMAIS!</strong> Reviewed by Unknown on 4/23/2008 09:27:00 PM Rating: 5

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