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TODO DOIDO TEM PASSAGEM LIVRE...

Professor Vieira (foto)
Profº Francisco Vieira* “É MELHOR SER CORNO DO QUE PREFEITO...” Esta é uma das façanhas de Mané Doido nas ruas de Pombal. E completava a frase. “... Prefeito é por quatro anos e cormo é a vida toda”. Seu palco preferido era a Cel. José Fernandes, antiga rua do rio. Era o centro comercial onde se concentrava maior número de gente. Ali estava seu público. O percurso começava no posto de Silvino Moura, próximo da linha férrea e numa reta se estendia até a residência do Sr. Norvino Soares, defronte a Escola João da Mata. Eu me sentia privilegiado, pois assistia a tudo da mercearia de meu pai onde me escondia de suas investidas. Era passagem obrigatória. Um vai e vem sem fim. Coisa de doido mesmo. Coisa de quem procurava em vão um objeto perdido. Os remanescentes da época ainda lembram. Lá estava ele, descalço e maltrapilho, carregando consigo um amontoado de jornais que fingia ler. Caminhava apressado e a passadas largas. Falava em voz alta para impor a autoridade de uma pessoa rica, valente, forte e poderosa. Na santa inocência ele era o próprio poder. Tinha de imediato uma resposta para qualquer indagação ou ofensa. Como se sabe, todo doido tem sua mania, senão vejamos. Certa vez alguém lhe repreendera por estar comendo um pão na rua. De imediato respondeu: “e eu vou alugar uma casa para comer um pão”. A maior de todas as suas proezas vale à pena narrar. Aconteceu num dos raros momentos de sua lucidez, evidentemente depois da fase lunar. Havia um grupo de meninos que brincava de “preso”, com Mané, todas as noites na Praça do Centenário. Incomodados com o barulho os moradores da rua do rio buscando providências comunicaram o incidente a Ten. Caxias – o nome exprime rigor, austeridade – delegado muito temido que encontrou a solução mais viável. Determinou: prenda o doido e o problema estará resolvido. A solução não poderia ser outra, pois o pau só quebra do lado mais fraco. Havia no grupo de “filhos de papai” e prendê-los seria delicado para não dizer uma afronta. Poderia lhe custar à remoção. Na mesma noite, um soldado de porte franzino que estava à espreita, abraçou Mané subitamente pelas costas dizendo a frase padrão “teje preso”. Mané, mesmo de costas, puxa o soldado pelos braços que gira sobre sua cabeça caindo fortemente no chão. Vendo que se tratava realmente de um soldado foi grande a surpresa. E, exclamou: “É DE VERA”, isto é, de verdade. Aí disparou na carreira deixando o soldadinho todo quebrado no chão. De todos, Mane foi o principal, pois conviveu mais tempo e teve uma participação mais ativa. Mas, houve outros que também fizeram histórias, deixaram marcas. Aí me vem à lembrança AÇOITE. Natural de Patos onde havia estudado no seminário no ideal de ser padre. Dizem que enlouqueceu de tanto estudar. Impressionava por falar francês, latim e ter decorado discursos dos grandes políticos paraibanos da época, João Agripino, Rui Carneiro e Ernani Sátiro. De origem desconhecida havia também “Barrão”. Era o mais temido e pornográfico. Quando perturbado pronunciava nomes obscenos em voz alta e se auto-mutilava com mordidas e pancadas na cabeça com qualquer objeto. Aí de quem ele lhe acertasse uma pedra. Tinha também Expedito. Louco por relógio, sem sequer saber as horas. Tinha como mania colocar rapadura em um pote e esperar que desmanchasse em garapa e dançar nas antigas Lojas Paulista. E, Nonato. Também não posso esquecer. Era a inocência em pessoa. Andava sempre limpo e bem vestido. Sua psicomania estava ligada a igreja. Sabia todas as orações e cantava todos os hinos. Mas, em contrapartida, soletrava com perfeição palavras obscenas. Era calmo, tranqüilo e obediente. Vejamos: Nonato, veja se estou na esquina. Após verificar dizia: “ta não”. Então, veja se já cheguei. Atendia tantas e quantas vezes fosse solicitado. Houve ainda “Zé Capitula”, que orgulhosamente exibia seus apetrechos. Eram relógios, anéis, pulseiras e colares feitos de arame por ele mesmo. Peças de péssima qualidade e sem nenhum valor – exceto para ele. Mesmo assim ainda trabalhava. Transportava água do rio e vendia nas casas, pois não havia ainda saneamento na cidade. Sua cacimba era a mais bem cuidada, salvo quando defecavam dentro dela. Lembrei-me também de Clóvis. Também inocente e sem maldade. Era fascinado por jogo do bicho e metido a decifrador de sonhos, mesmo sem nenhuma lógica. Costumava mandar jogar os 25 bichos. Era acerto garantido. Do lado feminino lembro-me de Luzia – Carne Assada. Sempre bem vestida, bolsa e lenço faziam a própria moda. Cada peça do seu vestuário tinha uma cor. A diversidade de cores ia além do arco-íris. Vinda, não sabe de onde, tinha Martina. Séria, calada e sisuda. Não dava atenção a ninguém. Falava somente o necessário. Era hóspede dos meus avós maternos na rua Prof. Horácio Bandeira – rua do Açougue – onde sua presença era infalível no almoço. Serví-la era delicado, pois sua zanga era fácil. Minha tia lhe atendia muito bem. E, Dina. Ah, como posso esquecer, ela fazendo marcas no chão com os pés durante horas sem parar. Era a freguesa fiel de “Toinho da Bodega” na rua do comércio. Muito exigente fazia sua “feira” onde de tudo se colocava um pouco. Comentam que enlouqueceu devido o calor das buchadas quentes que conduzia na cabeça a mando de sua mãe. “A quentura derreteu seu juízo”. Era o que diziam. Bem, é doido que não acaba mais. Mas, basta de falar tanto. Vou parar para não ser contagiado e incluído no rol que já é enorme. Quem sabe, depois estaria eu falando de mim mesmo. Contudo, devo ainda citar: Chico Catabio, Doido da Paulista, Pildo, Gerinha, Maria Piolho e outros. Estes, embora em menor intensidade, tiveram também influência e participação na história de Pombal. É, evidente, cada um com suas “DOIDICES”. Portanto, omitir seria negar a própria história. Que esse artigo não seja visto como uma atitude sarcástica, mas, como uma forma de divulgação da nossa cultura que na amplitude do seu sentido inclui folclore e tradições. Enfim, cultura é tudo que revela particularidade: é a marca de um povo ou de uma região. Independente de qualquer outra coisa deve-se lembrar que todo doido tem passagem livre. Portanto, todos merecem o nosso respeito. *Educador e ex-Diretor da Escola Estadual João da Mata.
TODO DOIDO TEM PASSAGEM LIVRE... TODO DOIDO TEM PASSAGEM LIVRE... Reviewed by Unknown on 7/30/2008 12:19:00 PM Rating: 5

2 comentários

Anônimo disse...

Prof: Francisco Vieira> Enorme emoção sentí, ao lêr seu artigo sôbre essas importantes Personagem ,na nossa cidade. O nó na garganta, aperto no peito, o coração batendo forte. AS lágrimas nos olhos. Lembrando De Nonato, Lúzia. Nossa Gerinha, Sr Caítula, Meu Deus! Cresci, bebbendo àgua da cacimba Do Sr. Capitula Parabens Prof: esses personagens fazem parte do nosso Ccnário. Tenho muito mais , porem às lágrimas não me deixam digitar, M Muito obrigado.. Socorro Dias de Almeida

Anônimo disse...

Francisco Vieira


Mais uma vez eu viajei pelas ruas de Pombal nesse seu mais recente texto. Fiz um retrato imaginário de cada personagem descrito por você. Pois esse povo fez parte da minha infância nas ruas de Pombal. Já tive a oportunidade de gestar tintas com esse mesmo povo que você tao bem descreveu, porém, não com tanta competência. Aprendi com meu velho pai a respeitar cada um desses personagens. Nina a mulher do Padre ( pata choca),na rua do Comercio Nedina doida na rua de baixo e muitos outros. Valeu mesmo.

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