banner

SE O PASSADO VOLTASSE...

FRANCISCO VIEIRA*
“Eu daria tudo que tivesse/ Prá voltar ao tempo de criança/ Eu não sei prá que a gente cresce/ Se não sai da mente essa lembrança...” Com estas palavras, o cantor Noite Ilustrada, interpretando a música “Tempo de Criança” de autoria do grande compositor Ataulfo Alves, com maestria, dar vazão aos sentimentos do autor que num momento de inspiração divina, própria dos poetas, revela o desejo de ser criança outra vez. Com certeza, esse desejo não é uma particularidade sua, mas a vontade de muitos. Se possível fosse voltar o tempo e retornar ao passado gostaria de ser também novamente criança. Com certeza iria reviver os bons momentos que marcaram minha vida. Certamente, iria reviver fatos e casos, tais como aconteceram e de certo evitaria alguns, logicamente aqueles desagradáveis. Evitaria com certeza os puxões de orelhas, chineladas, palmadas e todo tipo de castigo que merecidamente recebi Ou, quem sabe, também os viveria, porém, de modo diferente. Seria uma felicidade intensa. Emoções incontidas. Afinal, reviver a infância é outra vez ser criança.
Contudo, na impossibilidade de acontecer realmente, o faço na lembrança. Portanto, me transporto ao passado e revivo parte de minha infância e adolescência que foram muito bem vividos e tiveram como palco as ruas de meu querido Pombal – terra que eu amo e quero bem. Nesse oceano de recordações lembro-me primeiro dos amigos e seus apelidos, causa de brigas e intrigas que mal iniciavam tão logo voltava ao normal. Lembro-me inicialmente de Clemildo Brunet, Assis Caetano e João Costa. Clemildo, já manifestando sua vocação para a radiofonia, cujo talento o fez exímio profissional na área da comunicação tornando-se uma referência. Assis Caetano, pequeno, travesso, porém amigo. João Costa ou João de Chicó, como era conhecido, com quem brincávamos de circo, é hoje jornalista de renome.
É impossível esquecer Arereu e Joãozinho, ambos filhos de João Espalha. Arereu era cômico. Suas peripécias lembravam Oscarito. Enquanto isso, Joãozinho, era um líder nato. Atraia a todos pelas histórias de bang-bang que contava. Sua narrativa era perfeita. Imitava tudo: quer fosse o som das balas resvalando nos rochedos ou o pisar firme e forte do mocinho ao adentrar o bar ou ainda o pisotear dos cavalos em disparada onde destacava o do artista principal, que além de mais veloz era também o mais bonito. Geralmente era branco ou preto e sempre com uma estrela na testa. Parecia ser verídico. Transmitia suspense e emoção. Em suma, era exímio na arte de criar e interpretar. Lamentável é que ambos já se foram deixando grandes saudades. Com certeza, estão interpretando no teatro do céu. São atores de Deus.
Como posso esquecer Werneck Abrantes – Nequinho de Lelé – e Ghandy, seu irmão. Este último me fez torcedor do Botafogo. Nessa época todo botafoguense se orgulhava do time que contava com Garrincha – sua estrela maior – Nilton Santos, Quarentinha, Amarildo, Zagalo, Didi e outros. Os primeiros jogos ouvíamos num rádio em sua residência que, diga-se de passagem, era sempre cheia de meninos. Era o ponto de apoio e que, por incrível que pareça, não incomodava seus pais. Somente mesmo Seu Lelé e D. Elisa suportavam tamanha bagunça. E, por falar em Seu Lelé, lembro-me dos passeios que fazia às tardes com um carneiro de estimação chamado Belém e, como sempre, acompanhado de meninos que disputavam a montaria. Era realmente uma festa.
Lembro-me também de Biú – filho de Maurício Bandeira. Este não sabia perder por nada e por isso sempre terminava em briga. Coisa de menino mesmo. Tenho também na mais viva lembrança os filhos de Toinho Queiroga, principalmente, Francisquinho e André. Este último era apelidado por “Nego Tá”. Observem a linguagem informal utilizada quando íamos a sua procura em sua casa. Nego Tá, táqui, tá? Tá, tá não. Sem saber estávamos vulgarizando a língua portuguesa.
Recordo-me da mesma forma de Pretinho. Este por ser meu irmão e sendo mais novo não tinha como me enfrentar. Por isso, não tendo alternativa, agia como toda criança ofendida pronunciando palavrões, atingindo a dignidade minha mãe como se esta também não fosse a dele. Imagine o que ele dizia. E, o que é pior, tinha uma pontaria certeira, tornando-se temível atirador de pedras chegando a ferir a cabeça de muitos. Lembro-me bem de algumas vítimas, como: Ghandy, João Costa, Zé Piloto, Rapazinho. Eles que o digam. Quanto as brincadeiras eram as mais variadas possíveis. Além do futebol, às vezes com bola de meia, havia ainda: garrafão ou guerra, bode berrô, peinha queimada, bang-bang, toca e ainda jogos de castanha, peão ou bola de gude. Alguns jogos eram apostados e pagos com notas feitas de carteiras de cigarros. Os tipos mais raros tinham mais valor. Era uma variedade de brincadeiras. Todas divertidas, por isso, importantes.
É realmente impossível não lembrar dos caminhões de madeira muito bem confeccionados por Seu Zé Dias. De posse desses carros, todos carregados de caixas de fósforos vazias ou algo semelhante, íamos em frota até o alto do cruzeiro, local distante que denominávamos de Indonésia, sem nenhuma explicação. Talvez fosse pela estranheza do nome ou por achar bonito o que hoje sabemos ser um país situado entre o sudeste da Ásia e Austrália, onde se encontra o maior arquipélago do mundo, as Ilhas de Sonda. Portanto, um país transcontinental que fora colônia holandesa.
Nesse emaranhado de fatos não posso esquecer os banhos nas águas do Rio Piancó, na maioria das vezes escondido dos pais e acompanhados de canga pés, cambalhotas e saltos variados, enfim, de aventuras que só aos meninos são possíveis. É que, além de possuírem uma energia irresistível eles não têm noção das conseqüências. E à tarde dos domingos a imperdível sessão de matinê no Cine Luz, detentor do melhor som e projeção da Paraíba. Incrível, não? Lá, sob a constante e temerosa vigilância de Galdino Mouta, assistíamos fitas de faroeste, comédias, aventuras de Tarzan e as inesquecíveis pornô-xanxadas com Oscarito, Ankito, Grande-Otelo,Zé Trindade, Carequinha e Fred. Além disso, ainda torcíamos por um final feliz no romance protagonizado por Cill Farney e Eliane ao tempo em que desejávamos a derrota aos vilões Renato Restier, Wilson Grey e outros. Não havia festa maior. Igual mesmo só apreciar a chegada do circo na rua de baixo e do Parque Maia no Largo do Centenário de onde corríamos todos para nos livrar das investidas do proprietário no combate às nossas travessuras.
Seria imperdoável não lembrar as tardes de domingo no Estádio Vicente de Paula Leite e assistir o imbatível São Cristovão e anos depois o Pombal Esporte Clube. Nada mais gratificante do que apreciar as jogadas de Agnelo, Carlos César, Chico Sales, Tuzinho, Zaqueu, Carrinho, Natal Queiroga, Nenzinho, Mago Zequinha, João Rapadura e Nego Adelson – este um goleiro por excelência. Foi o melhor goleiro amador já visto na região que sendo de pouca estatura compensava essa deficiência por ser arrojado, ágil e de grande elasticidade. Como se diz na linguagem do futebol: era um gato.
E, quando se fala em Nego Adelson, nos lembramos de um fato no mínimo inusitado e hilariante. É que o local de sua concentração era a cadeia pública. Havia, pois um acordo entre o presidente do time e o delegado que o prendia. Portanto, para evitar que bebesse era recolhido à cadeia na sexta-feira onde ficava com todas as mordomias, tais como: comida, cigarro, música e tudo mais que se fizesse necessário e possível de onde saia minutos antes da partida, pois do contrário estaria embriago, por conseguinte, sem condições de jogar. Só mesmo em Pombal essas coisas acontecem. É por isso e outras coisas mais que nossa terra é a melhor do mundo. Seria ingratidão maior não fazer referência a Hermelinda Rocha, minha primeira professora. Que caligrafia linda era a sua. Aliás, ainda é, pois para a nossa felicidade ainda está viva. Com ela aprendi as primeiras letras e recebi as primeiras lições. Interessante é que anos depois ela foi minha aluna nos Estudos Adicionais. Como é a vida, sempre cheia de surpresas. No rol dos professores lembro-me de Dr. Arlindo, que embora sendo advogado, etenizou-se como professor. Houve ainda Marinha e Erotides Santana, Osa Rodrigues, Ivonildes Bandeira, Carmita, Maria José Bezerra – rigorosa, porém eficiente.
E, recordo-me também dos presos na antiga Cadeia Pública, hoje Casa da Cultura. Era na maioria pessoas condenadas por homicídio, sempre praticados em favor da honra e da moral. Atraído por suas histórias que embora parecidas, todas tiveram o mesmo fim – a morte. Aí, conversávamos horas a fio. Enquanto eu ficava na parte externa, eles se apoiavam nas largas janelas do presídio de maior segurança do estado ao tempo em que observavam as belezas naturais da Praça do Centenário e o vai- e- vem dos transeuntes que lhes cumprimentavam. Surgia aí, uma admiração que se misturava a curiosidade e ao medo. Não sabia distinguir o herói e o bandido. Hoje sei que bandido mesmo não havia nenhum. Da mesma forma lembro-me de Mané Maluco ou Mané Pelé ou ainda Mané do Churrasco. Era a mesma pessoa. É que seus apelidos foram mudando no decorrer do tempo. Era uma pessoa simples, humilde e mansa. Nunca se registrou uma briga sua. Em matéria de futebol era uma enciclopédia viva. Sabia de tudo e mais um pouco, principalmente, quando se tratava do Santos F. C – seu time do coração – ou de Pelé – o seu ídolo.
Em se tratando de amigos de infância foram muitos, tantos que seria impossível enumerá-los. Além dos já mencionados refiro-me ainda a Mundinho e Fitita (filhos de Zé Canuto), Branco e Preto, que eram irmãos – o primeiro era terrível - porém jogava um bom futebol. Havia ainda, Geraldo Achiles – a travessura em pessoa – chamado de doido. Manuel Galego, Ricardo (filho de Aureliano Ramalho), Toneco de D. Preta, Jair – falecido por afogamento no poço da panela – Lalú (filho de Manoel Moisés da Chave de Ouro), Morerinha e Elrizinho (filhos de Elri Medeiros) Urel, Jesus, Toinho Ugulino e os primos Neném, Domingos e José Saulo. Com certeza havia outros que não foram citados aos quais peço perdão por tê-los omitido. Se os fiz o esquecimento é culpado. Tenham todos a certeza da minha amizade.
Como criança, naturalmente em fase de formação é evidente que se espelhe nos pais de quem recebi orientações para o resto da vida. Assim, foi que, Antonio Vieira e Galvinha me transmitiram boas e necessárias lições para a minha formação. Foram muitos os seus ensinamentos. Muitos deles foram impostos à custa de castigos. Aprendi inicialmente que o trabalho honesto é a base para a cidadania. Que educado na fé cristã devemos amar a Deus, respeitar as leis e as autoridades. Comprovadamente bem casados mostraram que a união é a base para a construção de uma família sólida e estruturada. Que o casamento, quando fundamentado no amor permanece como um eterno noivado, confirmando assim o pensamento de Theodor Komer. Que os vínculos afetivos construídos no relacionamento familiar influem na formação dos valores éticos da criança ou de um jovem. É, pois, a partir da família, que ela conhece o mundo. É na convivência com os pais, irmãos, colegas e amigos que tudo começa. Assim posto, é evidente que sua moralidade será exercida segundo seu cotidiano familiar. Aos meus pais toda minha reverência, respeito e gratidão.
Bem, detalhar minha infância seria narrar uma história infindável que muito significa e representa, contudo, prefiro ser comedido para não ter que pedir desculpas depois. Por outro lado, como um ser sentimental a saudade me invade, a emoção vem à tona me esvairando em lágrimas. Portanto, vou parar para não tornar-me carrasco de mim mesmo. Além do mais eu me amo e quero guardar esses momentos como relíquias, tanto que, se possível fosse, faria tal qual escreveu Ataulfo Alves: “eu daria tudo que tivesse/Prá voltar ao tempo de criança...”
*PROFESSOR
SE O PASSADO VOLTASSE... SE O PASSADO VOLTASSE... Reviewed by Clemildo Brunet on 12/16/2008 08:20:00 AM Rating: 5

Nenhum comentário

Recent Posts

Fashion