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OS SERESTEIROS: UMA BREVE HISTÓRIA

Reminiscências 03 Por Ignácio Tavares.
A serenata funcionava como um forte apelo romântico/sentimental quando se buscava reanimar os namoros interrompidos. Servia ainda para declarar uma paixão enrustida, guardada a sete chaves, não revelada por absoluta timidez. Era também um modo de fazer galanteios, em plena madrugada, àquela jovem indiferente aos acenos de uma proposta de namoro, entre outras coisas mais.
A tradição oral registra que, aqui na terrinha, o hábito de fazer serenata vem dos velhos seresteiros de então. Eram jovens apaixonados que, de violões em punho, quebravam o silencio da madrugada ao som de primas e bordões, acordes e canções dolentes que faziam amolecer o mais duros dos corações. Caminhavam pelas ruas de chão batido ao clarão de lampiões de gás, a cantarolar canções de amor ao gosto da Sinhá Mocinha, que, recolhida em sua alcova punha-se a jogar bilhetinhos românticos pelas brechas das janelas.
Os bardos seresteiros, movidos pela paixão, entregavam-se ao sereno da noite para demonstrar quão grande era o amor que nutriam por suas respectivas namoradas. Eram jovens notívagos, românticos, vivendo as delicias da vida que a juventude lhes proporcionava. Cantavam modinhas e valsas apaixonadas ao gosto da época. Entre os mais conhecidos, pelo menos em nomes, destacam-se: Zé Venâncio, Júlio Benigno, os irmãos Déca e Anísio Medeiros, Ruy e Chico Carneiro, Nô Formiga, China, Chico Espalha, Custódio Santana, entre outros.
Ao encerrar o ciclo dos velhos seresteiros, um pouco mais a frente, já nos anos quarenta e parte dos anos cinqüenta, outros cantores da madrugada entraram em cena seguindo a mesma linha melódica dos cancioneiros dos anos trinta. Refiro-me aos irmãos Doutor e Severino Espalha, seus sobrinhos Bideca e Chico de Doura, ainda, Adamastor, Pixica, Joaquim Cândido, Manoel de Donária e tantos outros. Conheci essas fascinantes criaturas. Cheguei até a participar de alguns saraus com a presença desses monstros sagrados da seresta nossa de cada madrugada.
(Foto ilustrativa)
A terceira geração de seresteiros surgiu no final dos anos cinqüenta ao começo dos anos sessenta. Fomos a geração dos anos dourados. Ao ingressarmos no clube dos cantores da madrugada, contamos com a ajuda de um grande mestre, de saudosa memória, remanescente da geração anterior. Refiro-me a Chico de Doura que já não está mais entre nós. Exímio violonista que foi não se furtava, quando necessário, a nos ensinar as batidas do violão quando nos propúnhamos acompanhar um colega que gostava de cantar músicas e letras antigas. Sempre que saíamos pela madrugada estava Chico de Doura ao nosso lado, atento para tudo que fazíamos no manuseio do violão. Grande Chico, grande mestre, descanse em paz na casa do amor sem fim.
Em pouco tempo conseguimos vida própria, à exemplo dos outros grupos que partilhavam as madrugadas com os mesmos objetivos, qual seja, cantar para a mulher amada ou para uma jovem indecisa a uma proposta de namoro. Havia vários grupos de seresteiros, mas, dois, se destacaram. Um grupo reunia Pedoca de Déca, Silas, Ignácio Tavares, Ubirajara de Neo Barbeiro, Tarcisio Formiga, Sebastião Nery (nego Nero), Raimundo de dona Paulina, Xixico, Zé Avelino Vilar e tantos outros. O outro grupo era o de Zé Cleôncio, Sales de Biró Marques, Arnaldo Medeiros, entre outros que me fogem a memória.
Vez por outra o nosso grupo recebia algumas figuras especiais que também gostavam da madrugada. Zé Avelino de Dete, Edrizio Roque, engrossavam às vezes as nossas fileiras. Vez por outra a gente tinha que enfrentar o senhor delegado que tentava impedir a presença de seresteiros pelas ruas da cidade. Realmente isso aconteceu e nos deixou preocupados.
O sargento Mota, responsável pelo policiamento noturno, proibiu, a realização de serenatas. A gente nunca levou a sério essas loucuras de Mota, por isso estávamos sempre a ser seguido por policiais, contudo, sem maiores problemas. Aconteceu certo dia, o Dr. Nias Gadelha, então Juiz de Direito da Comarca de Pombal, resolveu acabar de uma vez por toda com essa história. Aceitou fazer uma serenata com a gente.
Nias tocava saxofone e era chegado a uma boa noitada. Tudo bem. Encontramos-nos em lugar previamente marcado, com os violões e o alforje cheio bebidas e tira gosto. Fomos ensaiar em frente ao sobrado que pertenceu a Aníbal Herculado, situado à Rua Domingos Medeiros. Num dado momento, Nias estava a solar uma valsa, qual foi a nossa surpresa quando ouvimos uma voz de prisão. Um pelotão de seis soldados marchou em nossa direção tendo a frente o sargento Mota.
Ao aproximar-se falou em voz alta: ¨teja preso todo mundo¨! Fomos cercados, só que o sargento ficou surpreso quando viu o Dr. Nias. Sem entender nada falou: Ô xente! É o Senhor Dr. Nias? ¨Vixe Maria! Como o Senhor toca bem¨! ¨Estou todo arrepiado¨! Nias permaneceu em silêncio, nada falou. O sargento rodopiou, deu meia volta e se retirou com seus comandados. O certo é que Mota nunca mais proibiu serenata. Nias foi o nosso amigo de todas as horas que sempre reservou parte do seu tempo para vivermos alguns momentos de lazer e alegria.
Com efeito, sem proibições mergulhávamos noite adentro a cantarolar ¨boleros¨ ¨samba canção¨, ¨bossa nova¨, músicas da ¨jovem guarda¨, em vez das modinhas, valsas, muito em voga na época dos seresteiros que nos antecederam. As madrugadas nos pertenciam, principalmente nas noites enluaradas. Foi muito bom e divertido enquanto durou. Infelizmente, o ciclo das serestas terminou com a nossa geração.
A cidade cresceu, as opções de lazer multiplicaram-se, os seresteiros aposentaram os violões, a exceção por ocasião de festinhas íntimas, porem sem o brilho do toque das primas e bordões e dos acordes, ao longo das madrugadas. Tudo terminou para não mais voltar. Modernidade e romantismo não andam de mãos dadas.
Hoje, os namoros começam através de um simples e-mail e termina também através de um indiferente e-mail. Não existe mais o ritual da conquista, através do qual se pactuava o inicio de um namoro, que quase sempre resultava em casamento. Tudo está consumado, só nos resta gravar no jazigo do finado ¨bons tempo, o epitáfio seguinte: ¨Confesso que Vivi e fui Feliz¨. Aos amigos seresteiros que resistem a ação do tempo e ainda estão por aqui, um forte abraço.
João Pessoa, 19 de Abril de 2009
Ignácio Tavares
OS SERESTEIROS: UMA BREVE HISTÓRIA OS SERESTEIROS: UMA BREVE HISTÓRIA Reviewed by Clemildo Brunet on 4/19/2009 03:21:00 AM Rating: 5

Um comentário

Anônimo disse...

OI Inácio Tavares, como fiquei absorta no tempo lendo seu artigo Os Seresteiros. Que maravilha, recordar as coisas bôas é viver outra vêz.Quantas serenatas feitas às madrugada, na porta a minha casa. Meu pai muito bravo. sabia que a causa era eu. Reclamava e sorria. Tambem fui vítima de acabar um namoro, por causa de uma serenata, que eu não sabia nem quem tinha feito.. QUE TEMPO BOM , NÃO VOLTA MAIS, SAUDADE É QUE É QUE NOS RESTA. OBRIGADO MEU CONTERRÃNEO QUERIDO.. UM ABRAÇO DE SOCORRO DIAS.. LEMBRA?

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