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MÃE LOÚRDES

Por Jerdivan Nóbrega de Araujo*
Às vezes as lembranças da nossa infância pulam na tela do computador em textos já feitos e acabados, esperando apenas que os nossos dedos catem as letras, transformando-os plausíveis à todos. "De onde ela vem?! De que matéria bruta/ Vem essa luz que sobre as nebulosas/Cal de incógnitas criptas misteriosas/ Como as estalactites duma gruta?" Não ousaria responder ao poeta... Agora mesmo veio-me a lembrança de uma cheia do Rio Piancó, ano de 1967. Tinha eu seis verdes anos... Como me lembraria de tão distante passado? Talvez paisagem formada por chuva, casas caindo, rio cheio e pessoas lutando para salvar seus poucos pertences, sejam apenas argumentos ou cenário para que viesse a minha mente a lembrança de uma mulher que teve grande influência na minha formação como pessoa: A minha avó paterna mãe Loúrdes.
Mãe Loúrdes, e meus irmãos e primos hão de concorda comigo, foi a personificação da mulher nordestina, para quem o destino aprontou as mais travessas peças e armadilhas, porém, com fé e coragem ela chegou ao final da jornada, podendo olhar para trás e dizer: venci! E venceu mesmo: Órfã ainda jovem viu a luta da sua mãe, viúva também muito jovem, para, sozinha, criar os filhos sem perder um que seja para o mundo.
Se o mesmo destino de Ana, nossa bisavó, foi o que herdou mãe Loúrdes, foi também nesse exemplo de luta e persistência que ela se mirou, após a morte do nosso Avô José Tavares, para tocar a vida para frente e levar a caminhos certos seus sete filhos, dentre eles, Félix, o meu pai. A todos foi dada a chance e a oportunidade dos estudos e da educação e, sem não muito esforço, mandar o filho mais novo a completar seus estudos na capital, o que só era possível, naquela época, as famílias mais ricas.
Para tanto, foi no cabo da enxada, cortando mato, atravessando o rio a nado no tempo de cheia, plantando o próprio sustento ou a beira do forno de lenha, fazendo sequilhos de goma sob encomenda, já que nenhuma pensão ou herança material deixou nosso avô, que mãe Loúrdes construiu a sua família, deixando para filhos, netos e bisneto o seu legado maior que é sempre acreditar que, no final, tudo vai dá certo. Porém, é preciso construir este final. Não me lembro de um dia, quando criança, que meu pai não me levasse logo pela manhã, para "tomar a bênção a mãe Loúrdes".
Mãe Loúrdes da historias, do bom humor e dos cânticos quando orava. Mãe Loúrdes que não abria mão de dar o primeiro banho dos netos, e que eu fiz questão que também desse o primeiro banho e a primeira mamadeira a minha primeira filha. Por onde anda aquela foto??? Acho que era o ano de 1969, vinha eu descendo a Rua Nova e dei de cara com ela. Pegou-me pelos braços levou até o Hospital Sinhá Carneiro para tomar a bênção a Padre Oriel em seu leito de morte. Nos meus oito anos não sabia o que sei hoje. Se soubesse não teria ido de cara amarrada.
Chovia muito. A casa de João Rapadura já era escombros, a casa de dona Poncher, sogra de Valderi, estava também ilhada. Dona Raimunda, mãe de Joaquim ainda resistia não querendo abandonar os seus bens. A Rua de Baixo era um cenário triste de destruição pela chuva da noite anterior e agora pela cheia do velho Piancó, e eu, com seis anos de idade, queimando-me em febre, era levado, sem muito esforço pela minha magreza, nos braços de mãe Loúrdes que não quis que eu caminhasse pelas águas sujas e contaminadas que invadira a nossa casa. Por que me veio à mente este cenário. Acredito que apenas para buscar a imagem da minha avó. A imagem de mãe Loúrdes cuja personalidade moldou toda uma geração de filhos, netos e bisnetos.
*Escritor Pombalense.
MÃE LOÚRDES MÃE LOÚRDES Reviewed by Clemildo Brunet on 5/20/2009 07:43:00 AM Rating: 5

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