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SANFONA DO POVO

ONALDO QUEIROGA*
“Quem roubou minha sanfona foi Mané, / foi Rufino, foi Romão. / Quem roubou minha sanfona foi Mané, foi Batista ou Bastião. Quem roubou minha sanfona, oi, / traz de volta, seu ladrão. / Olha aqui, esta sanfona, / sempre foi a minha dona / e tem valor de estimação. / Quem roubou minha sanfona, / eu bem sei, / foi alguém sem coração. / Nesse dia eu não cantei, / quase chorei, / foi tão grande a emoção. / Quem roubou minha sanfona, / peço não faça de novo, / pois esta sanfona bela / que eu estou cantando nela / é a sanfona do povo.”
A música “Sanfona do Povo” é uma obra-prima de autoria de Dona Helena Gonzaga e Luiz Guimarães. A canção retrata fato verídico, ocorrido por volta dos anos de 1950, quando Luiz Gonzaga teve sua sanfona branca subtraída por alguém cuja identidade é até hoje desconhecida. Em bela tarde, no Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga chegou à Rádio Nacional, juntamente com o sobrinho Joquinha Gonzaga e outros companheiros de caminhada musical, dentre eles o conhecido “Xaxado” (ou “Salário-Mínimo”), como era conhecido o famoso anão que o acompanhava, tocando triângulo. Ao se ver na Rádio, justamente para participar de gravação de programa ao vivo, Luiz desceu do carro e subiu para o camarim.
Conversa vai, conversa vem, o “Lua” percebeu que já estava se aproximando a hora da apresentação. E foi aí que notou a falta do instrumento — sua sanfona branca. Olhou para o “Xaxado” e logo determinou que ele fosse buscá-la no carro. Instantes depois, retornou o “Xaxado”, carregando a caixa da sanfona, mas com fisionomia assustada. Vidrou os olhos em Gonzaga e disse: “Roubaram a sanfona! Ela sumiu! Não estava na caixa, nem no carro”.
Momento difícil, aquele. O Luiz Gonzaga desceu, procurou por todo o carro, mas não encontrou o instrumento. Triste e desorientado, foi para o palco da Rádio Nacional. Pela primeira, vez o Rei do Baião se apresentou sem sanfona. Cabisbaixo, chorou muito, sentindo a falta do amor maior, a razão de sua vida. Um “ladrão sem coração” levara para sempre a sanfona branca do Luiz, a “sanfona do povo”. Sim, a sanfona do povo nordestino, aquela que, ao peito do cantador, do menestrel do sol, inspirou e fez jorrar de uma alma matuta o retrato e a defesa de seu torrão natal, dos pássaros, dos retirantes, das cheias, da seca, das belas praias do litoral do Nordeste.
Por muito tempo, Luiz Gonzaga ainda buscou reencontrar seu instrumento. Por isso, sempre que chegava a um local e avistava um sanfoneiro dedilhando sanfona branca, caprichava o olhar no acordeom, alimentando o sonho de deparar-se com sua própria sanfona branca.
Joquinha Gonzaga nos revelou que, muito tempo depois, quando se achavam, um dia, de passagem por Cajazeiras, cidade do Alto Sertão paraibano, ele e Luiz Gonzaga saíram do hotel e, ao passarem por uma praça local, visualizaram um trio de forró. Ao peito do sanfoneiro, uma sanfona branca... Luiz desceu do carro, então, aproximou-se e logo reconheceu: era mesmo a sua sanfona, aquela que havia sido levada tempos atrás, no Rio de Janeiro. Já bastante surrada, a sanfona ainda tocava o coração dos sertanejos. Luiz não disse nada ao sanfoneiro, pois, segundo Joquinha, sabia que o autor da subtração não fora ele.
Com esse ato, Luiz Gonzaga cedia mais uma sanfona sua, dentre as mais de trezentas que ofertou a sanfoneiros, durante sua trajetória de vida. Viva o Rei do Baião!
*Pombalense, Juiz de Direito em João Pessoa – PB.
SANFONA DO POVO SANFONA DO POVO Reviewed by Clemildo Brunet on 5/19/2009 04:14:00 PM Rating: 5

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