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"SEVERINO DE SADY: O MÉDICO DOS POBRES"

por Eronildo Barbosa*
Meu amigo Wertevam Fernandes, destacado historiador da nossa terrinha, tem insistido comigo para escrever algumas linhas sobre pessoas com inteligência acima da média que conheci em Pombal, na década de setenta, inclusive citou Severino Sadi como sendo uma figura preparada intelectualmente o que justifica um artigo ou um trabalho mais de fôlego. Achei a tarefa legal e justa. Fui amigo de Severino.
Eu e Wertevam aprendemos muito com ele. Era a pessoa mais sábia que conhecíamos na cidade. Havia outros homens igualmente doutos como Boboia, Atêncio Vanderley, Solha, Horácio, entre outros, mas não eram do nosso relacionamento. Não tínhamos acesso a eles. Conheci Severino Sadi em 1970, na bodega que minha mãe, dona Zuila, tinha na Rua Odilon Lopes, na esquina com abrigo dos velhos. Ele ia diariamente lá para comprar uma garrafa de Pitu, sua cachaça preferida, e duas carteiras de cigarro continental, sem filtro. Nessa época ele era professor do ginásio Diocesano e uma espécie de médico dos pobres, embora não tenha terminado o curso de medicina que fazia em Recife. Parou no quarto ano, alegando perseguição política, pelo menos era essa a informação que dava quando perguntado. O comentário na cidade era outro. Falava-se que ele parou de estudar porque seu pai, Sadi Vanderley, rico fazendeiro, deixou de custear suas despesas por não concordar com sua rebeldia.
Todas as manhãs ele recebia pacientes pobres que vinham a sua casa, localizada próxima da atual prefeitura, entre as residências de Manoel Cazé e Severino Damascena, na esperança de encontrar um alivio para suas doenças. No sábado, dia de feira, a clientela era maior. Eram homens, mulheres e crianças que entravam e saiam da sua casa, muitos, inclusive levando um remédio na mão, tipo amostra grátis que os vendedores de fármacos tinham doado no dia anterior. As pessoas vinham da zona rural com a recomendação de procurá-lo. A fama de bom “médico” corria solta pelo interior. Não havia cobrança pela consulta, mas, na maioria das vezes, o paciente deixava algum trocado. Certa feita, uma mulher se consultou e, na saída, inadvertidamente, entregou algum dinheiro e disse que era para ele tomar umas pingas. De pronto ele devolveu o dinheiro, bravo, dizendo que o recurso da pinga já tinha. Essa mulher nunca mais voltou. Era comum alguém chegar às farmácias da cidade com uma receita prescrita por ele, vazada numa péssima caligrafia, geralmente em uma velha folha de caderno. Alguns médicos não gostavam que ele clinicasse. Estavam certos. A legislação não permite, mas, o que fazer com os pobres que precisavam de apoio médico e não encontravam no hospital da cidade. É preciso saber que, na década de setenta, Pombal tinha poucos médicos. Tanto é verdade que o famoso Zé Enfermeiro era “autorizado” a fazer pequenas cirurgias e partos. Severino Sadi era solteiro e muito alegre para os padrões da cidade na década de setenta.
Tinha refinamento intelectual e não escondia sua condição de ateu. Falava bem, pelo menos para a gente que não tinha conhecimento ainda de língua estrangeira, o inglês e alguma coisa do francês. Conhecia de política nacional e internacional, de futebol, cinema, música, entre outras habilidades. Era amante dos livros. Todos os dias, à tarde, quem passasse em frente a sua casa o via deitado numa rede, com o rádio ligado na Rádio Globo, lendo o jornal Diário de Pernambuco.
Na parte da tarde não clinicava, aproveitava para receber os amigos e contar suas façanhas que, hoje, acho que eram bem inflacionadas. Os assuntos principais eram política e futebol. Era apaixonado pelo Fluminense. Wertevam também. Por conta dessa coincidência, pelo amor profundo ao clube das laranjeiras, ao que parece, ele se ofereceu, gratuitamente, a Wertevam e ao autor, para dar aulas de defesa pessoal. Criou até uma “academia” no muro da sua casa, feita de areia, para apoiar os exercícios. As aulas não prosperaram. O nosso negócio era jogar futebol.
Por volta de 1975 a vida de Severino Sadi começou a ficar muito difícil. A família rompeu as relações com ele. Também já não ministrava mais aula. A dependência alcoólica aumentou e provocou a fuga dos pacientes. Já não tinha dinheiro nem para custear despesas básicas. Bianor Arruda, seu parente, era quem o socorria com alimentação. Nesse mesmo ano, se não estou enganado, seu pai morreu deixando uma fazenda como herança, mas ele não era administrador, arrendou-a para Bianor Arruda e passou a viver dessa modesta renda.
No final de 1977 fui embora de Pombal. Perdi o contato com ele. Soube depois que morreu, provavelmente em 1983 ou 1984. Nosso conector maior, José Tavares, que liga Pombal com o mundo, vai disponibilizar essa informação para os amigos que curtem esse espaço. Severino Sadi foi um homem bom e muito inteligente. Pena que não tenha conseguido explorar toda sua capacidade. A cachaça e a vida completamente desregrada não permitiram que ele alçasse vôos mais altos. Agora, quando escrevo esse texto, lembro-me de uma bonita imagem: Severino Sadi vibrando com Wertevam, no dia 22 de agosto de 1973, após o jogo com o Flamengo em que o Fluminense sagrou-se campeão carioca de 1973. Tinha até pó de arroz pra dar o clima. Como eu torço pelo Santos, de fininho, fui pra casa.
*Professor Universitário
"SEVERINO DE SADY: O MÉDICO DOS POBRES" "SEVERINO DE SADY: O MÉDICO DOS POBRES" Reviewed by Clemildo Brunet on 5/03/2009 07:50:00 AM Rating: 5

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