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VIVER É SOFRER

Por Severino Coelho Viana*
A vida terrena não passa de uma missão a ser cumprida, é uma tarefa árdua, onde vivemos no mundo das incompreensões. Isto se dá pelo seu próprio estado de transitoriedade. É tão provável que seja uma missão, pois ninguém sabe o prazo que foi determinado, cada um ao seu tempo caminha pela estrada poeirenta da existência humana. Estamos falando da missão cumprida de nossa comadre e amiga de reserva do nosso coração, Lucelena Gouveia Fernandes, carinhosamente conhecida por Leninha, quando fizemos as nossas despedidas derradeiras, às 17 horas, do dia 06/maio/2009, no Parque das Acácias, na cidade de João Pessoa.
Naquele momento final de comoção, sentíamos o coração de uma mãe dilacerado que mergulhou num profundo transe e de um sentimento abalado de um pai, quando ambos davam o adeus e que se separavam da filha querida, cuja dor da perda, somente encontrava o conforto nos desígnios de Deus. Apesar da circunstância dolorida, o local e horário, por uma força inexplicável da natureza, transmitia-nos uma situação de calmaria. Era o verde natural das plantas sopradas por um vento de mansidão, entoava um canto harmonioso das aves que beliscavam as folhas das árvores frondosas circundantes que combinam com o solo da relva planejada. As avenidas do campo santo formadas pelas lápides pareciam uma cidade ornamental que não havia comunicação entre os seus moradores. Cada um havia se recolhido ao reservatório de sua última morada.
Os sussurros lamentosos e os olhos entristecidos provinham dos humanos quando dezenas de pombalenses se fizeram presentes, num reencontro nada plausível que se dava num banquete de adeus e saudade, onde o licor servido eram as lágrimas dos nossos olhos. Naquela hora de oração derradeira, eu, pessoalmente, estava presente à cerimônia, mas fiz uma viagem mental à cidade de Pombal, minha Terra Natal, que no itinerário desta viagem e a situação que se apresentava, entoava silenciosamente a música: “Canção da América”, de Milton Nascimento, e via uma fileira de amigos fazendo coro neste gesto de solidariedade.
Um piano acompanhava cadencialmente o ritmo da canção. E eu viajava ao mundo das recordações: lembrava a vivacidade e o entusiasmo de Leninha, no tempo do velho Colégio Estadual de Pombal, no auge de sua juventude, carregada de sonhos e buscava grandes realizações. Aquela menina-moça que caminhava nas galerias vestida de blusa branca, saia preta plissada, sapato preto e meias brancas e a tiracolo no ombro. Ninguém adivinharia os traços de uma vida. No ritmo da música fazia rebuscar os primeiros lances e acenos de namoro com o nosso amigo, Wertevan Fernandes. Logo, daquele namorico de dois adolescentes terminou em casamento, brotando desta união o primeiro filho Turgésio. E daí começou o percurso da formação de uma família que se ajustava às situações irremediáveis e ás turbulências do viver: de alegria ou de tristeza, de contentamento ou de lástima, de desistência ou de desafio, de sorriso ou de tristeza, de vitória ou de derrota, tudo fazia parte na escalada da montanha íngreme da vida.
No balanço deste viver, nós acompanhamos a sua luta de peregrinação em prol da vida contra um inimigo que estava solto no campo de batalha. Foi um verdadeiro sacrifício pela causa empenhada, eram visitas permanentes a clínicas, médicos, hospitais e laboratórios, apelando pela sua cura aos remédios homeopáticos. Não perdia o seu apego pela vida, qualquer mensagem de conforto servia de remédio aliviador, que se mesclavam com as preces, louvores e mensagens alvissareiras que lhe trouxessem ânimo para o seu combate até que chegou à batalha final. No sonho desta viagem, eu acordava ante o pesadelo da vida real. Parecia não ser verdade, porém sabia e sentia meus pés ao solo.
Olhávamos em direção ao nosso compadre e amigo, Wertevan, com o seu semblante decaído, falava com a voz entrecortada, os olhos nadando nas lágrimas e percebíamos que de sua face havia sumido o humor que lhe era característico e cedia lugar a um olhar de pura reflexão. Este olhar circulava sorrateiramente observando todos os seus amigos que se fizeram presentes. Certamente, no íntimo de seu coração dizia: __ Leninha, olhe seus amigos. O nosso banquete de felicidade terminou em lágrimas.
A melodia já fazia um efeito de devaneio na nossa mente, ouvíamos que os acordes chegavam ao final. Avistávamos por outro lado os dois irmãos abraçados, Turgésio e Artur, em silêncio, não resmungavam uma só sílaba, provavelmente, cada um quisesse dizer: __ Ela está indo...!
O seu filho mais novo, Werto Júnior, pela sua tenra idade, talvez não compreendesse aquele cenário, ou, quem sabe, pelo muito de anjo que é aureolado, soubesse e compreendesse mais do que os adultos presentes, pelo simples fato de ser um dos membros da corte angelical, era confortado pela sua própria inocência e talvez tentasse dizer a todos nós: __Tou calmo! Minha mãe mudou-se para a minha morada! O som da melodia continuava e a tecla do piano ressoou com nitidez.
Agora era a minha vez, como eu me despedi? Se tantas vezes na vida as nossas despedidas passageiras foram de sorrisos e abraços. E agora? Eu ia me despedi sozinho e não recebia nenhuma resposta. Somente o silêncio falou no meu coração:
Amigo é coisa para se guardar No lado esquerdo do peito Mesmo que o tempo e a distância digam "não" Mesmo esquecendo a canção O que importa é ouvir A voz que vem do coração.
João Pessoa, 06 maio de 2009.
*Escritor e Promotor Público em João Pessoa - PB
VIVER É SOFRER VIVER É SOFRER Reviewed by Clemildo Brunet on 5/07/2009 07:50:00 PM Rating: 5

Um comentário

Anônimo disse...

Surpreso e triste fiquei ao abrir o blog do amigo Clemildo e ver o texto escrito pelo amigo Dr. Severino Coelho, sobre a passagem da amiga e colega Leninha. Estendo meus pesames e pesares a toda a familia e amigos que tiveram oportunidade de conviver com pessoa tão bela espiritualmente.

Caro amigo Dr. Severino Coelho. Parabenizo pelo belo texto escrito sobre a nossa amiga de adolescência Leninha, que partiu para o encontro com o pai celeste; tive a oportunidade de conhece-la e ser colega de colégio em Pombal, e como você descreveu, este ser humano foi uma pessoa de muita paz, educação e que ao lado do amigo Wertevan, criou sua familia nos ensinamentos do senhor, mostrando o caminho da virtude, da moral e fazendo com que todos que tiveram oportunidade de conviver com ela pudesse admira-la por ser esta pessoa, simples e que com a sua educação conseguia aplausos de todos. Leninha,segue ao encontro do pai celeste, Wertevan e seus filhos que deus possa proporcionar a vocês uma vida de felicidades, mesmo estando no coração uma grande lacuna pela falta da presença humana de sua esposa e mãe. Que o conforto de Deus esteja convosco. Amem.

Francisco Fernandes da Silva Júnior
(Júnior da Farmacia/|Jr de Bibia)
Patos PB, 13/05/2009.

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