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NO TEMPO DO BAR CURINHA

Reminiscências 04
Por Ignácio Tavares*
Quando a família de Curinha veio morar em João Pessoa, o velho amigo preferiu ficar em Pombal, pois a sua paixão por Lea falou mais forte. Esta foi a grande razão que o impediu seguir os passos da família, rumo a capital do Estado. Permaneceu na mesma casa onde a sua família morou por longos anos. Uma casa modesta situada à Rua do Comércio, onde hoje funciona o Bar do Ovo. Foi também neste local que Curinha resolveu se estabelecer no ramo de bebidas e tira-gosto.
Curinha tinha uma legião de amigos que passaram a freqüentar o seu estabelecimento comercial a fim de degustar um bom tira-gosto, regado uma cachacinha ao gosto de cada um. Quando o cliente queria comer os gostosos petiscos sempre ficava atento, pois, o Mestre Cura, com o seu fogão mágico transformava em tira-gosto todo e qualquer ente vivo que lhe caísse às mãos. Sem dúvida o peixe era o atrativo da casa, portanto, sempre estava presente no cardápio de cada dia, assim como agalinha, guiné, entre outros viventes de origem desconhecida.
Os guinés? Como os conseguia, então? Ora, não havia problema. Bem próximo a sua casa, Dona Guiomar tinha uma criação dessa ave, cujo plantel, era mais ou menos em torno de 45 animais. O mestre Cura, os capturava um a um de forma bastante engenhosa. As aves dormiam em dois pés de pinhas que existiam no muro da casa. Na calada da noite Curinha saia com uma vara e cuidadosamente estendia ao alcance dos pés de pinhas. Instintivamente a ave passava do poleiro pra vara. Assim, com certo esmero, o bicho era puxado e quando chegava próximo ao muro, o bote era fatal, pois, a pobre ave não tinha tempo sequer para disparar o seu barulhento alarme. Mesmo assim às vezes faltava tira-gosto.
Numa certa noite, estávamos sentados no alpendre da casa jogando conversa fora e a tomar umas e outras. Éramos eu, Bebé de Antônio Gomes, Chico Sales, João Rapadura, Luiz Camilo, Arnaldo Ugulino, entre outros. No momento o único tira-gosto que existia era limão. Isso, por volta de uma hora da madrugada. Acontece que Bebé saiu pra fazer necessidade fisiológica, no outro lado do postinho, ao lado da Casa de Curinha. De repente apareceu um vulto humano e escondeu alguma coisa no canto do muro. Essa mesma pessoa partiu em direção a casa onde a gente se encontrava. Quando a figura afastou-se Bebé foi ver o que ali estava escondido. Um belo achado; duas galinhas.
Justamente o que estávamos a precisar, naquele momento, para preparar o tira-gosto. Bebé pegou as penosas e entrou pela lateral da casa sem que ninguém o visse. Deixou as galinhas lá na cozinha, foi lá pra fora, onde a gente se encontrava. Para sua surpresa deu de cara com Cícero de Bem-Bem, que, com certeza era o vulto que havia visto. Ou melhor, era o ¨dono¨ das duas galinhas. É importante ressaltar que á especialidade de Cícero era roubar galinhas. Bebé chamou Curinha e falou sobre o achado e de imediato o Mestre Cura recolheu-se a cozinha e começou a preparar o tira-gosto, que, naquele momento estava a nos faltar.
Cícero pegou um copo serviu-se e viu que o tira-gosto era limão. Demorou um pouco e falou: ¨se vocês me pagarem trago já, já, duas penosas pra gente comer aqui¨. Bebé se antecipou e falou: ¨dou-lhe dez cruzeiros pelas duas galinhas¨. Ora, Cícero, lépido e fagueiro, saiu em disparada e ao chegar ao local, qual foi à decepção, pois não encontrou mais as duas galinhas que ali havia postas. Voltou desconfiado e falou: ¨um ladrão safado me roubou¨. Em pouco tempo a galinha em fervura começou a exalar aquele cheiro próprio de guisado. Cícero sacou logo que se tratava das suas galinhas e fez a seguinte proposta: ¨dou vinte cruzeiros se vocês me disserem como foi que conseguiram roubar minhas galinhas¨. Alguém falou: ¨ladrão que rouba ladrão¨..., muitos risos.
Noutra ocasião, nesta não me fiz presente, soube através de amigos, Curinha ofereceu um tira-gosto que agradou a todos que se faziam presentes. O tira-gosto era tão gostoso que derrubaram dois tubos e ninguém ficou bêbado. Passados alguns minutos, João Rapadura perguntou: ¨ Ô Curinha que tira-gosto é esse que nós comemos¨? O mestre Cura ao exibir um leve sorriso, falou: ¨Vocês acabaram de comer o gato de Zulima¨. Arrematou: ¨esse gato infeliz vivia por aqui a me atanazar, levei pra o taxo, transformei-o em tira-gosto¨. Todos se entreolharam, mas já era tarde, até mesmo pra jogar fora bichano que comeram. Ninguém reclamava das artimanhas de Curinha.
O Bar-Curinha continuavaa ser freqüentado, não obstante o freguês, vez por outra, degustar tira-gosto de cobra, preás, camaleões, tejus, cágados, entre outros bichos de identidade desconhecida, sem ao menos saber o que estava a comer. Êta Curinha velho de guerra! O tempo jamais lhe mudará, porisso a sua marca, o seu modo se ser, será sempre o mesmo. Lembra-se que, Eu, Você e João Rapadura formávamos um trio inseparável? E ainda, nos dias apropriados, vivíamos a vagar pelas oiticicas, ingazeiras da beira do rio, a comer peixe assado, pescado por Biró meu cunhado, regado a uma boa pinga? Que saudades velho amigo Cura.
No meu modo de pensar você, com certeza, é um poeta existencialista, que não se revelou, perdido nas quebradas do sertão. Digo isso, afirmo e reafirmo, porque o Mestre Cura sempre ignorou¨etiquetas formais¨ típicas dos códigos protocolares das sociedades burguesas. Nunca o vi cantar qualquer coisa. Se alguma vez cantou, foi muito escondido, isso, talvez, pra conquistar o coração de Lea. Nunca foi de estardalhaços, nem tampouco de riso fácil. Até hoje, quando fala, fala somente o necessário.
O seu modo de enxergar o mundo, seu indiferentismo ao consumismo desvairado, em voga no tempo presente, e ainda; o seu modo de ser amigo nos revela um grande espírito humano travestido de homem simples. Salve o mestre Cura, meu dileto amigo de todas as horas e de todos os tempos. Um forte abraço.
João Pessoa, 08 de Junho de 2009
*Escritor filho da terrinha.
NO TEMPO DO BAR CURINHA NO TEMPO DO BAR CURINHA Reviewed by Clemildo Brunet on 6/08/2009 07:41:00 AM Rating: 5

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