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FESTA DO ROSÁRIO E O PARQUE MAIA: SONHO DE TODO MENINO I E II

Jerdivan Nóbrega de Araújo*
Jovem Assis era meu Padrinho de Crisma. Na verdade ele teve um namoro com uma das minhas tias e, como tudo indicava descambar para casamento, os dois foram convidados por meus pais para esta tarefa. Um das exigências da Igreja era que os padrinhos formassem um casal, afinal, padrinhos precisam acompanhar o crescimento do afilhado, de preferência juntos. O destino, no entanto, não fora consultado e havia traçado outro caminho para eles. Minha madrinha só veio a se casar vinte anos depois, e com um outro homem, já o meu padrinho morreu, acho que 30 anos depois e aos 60 anos, ainda solteiro. Dizem que ele nunca se casou para não ter que dividir seus bens, resultado de heranças de família. Há no entanto, outras versões.
Nos anos 60 Pombal era uma cidade pequena, e era comum as pessoas se encontrarem nas ruas, igrejas, comércio e outros locais públicos. Eu era do tipo que, ao encontrar um tio ou padrinho dez vezes por dia, dez vezes eu tomava a bênção. A intenção era aventurar uns Cinquenta centavos de cruzeiro, que era guardava em um “minhaeiro” para gastar com os brinquedos do Parque Maia. As crianças da Rua de Baixo passavam meses sonhando com as luzes coloridas do Parque Maia. Com Tonhinho da bodega surtia certo efeito: vez por outra um pão com creme ou um punhado de bolacha peteca ou de tarecos caiam em minhas mãos, mas, moedas nunca. Porém, Tonhinho da Bodega era padrinho do meu irmão mais velho e não meu. Com Jovem Assis, se eu tomasse a bênção a ele quatro vezes por dia, e isto acontecia, as quatro vezes ele dizia a mesma coisa: “Deus te abençoe. Dinheiro só na Festa do Rosário para você rodar na Roda Gigante”. Razão por eu acredita na primeira versão, quando se fala do motivo dele ter morrido solteiro.
Chegada a Festa do Rosário, mês também do meu aniversário, ele ia lá em casa e me dava uma moeda de Cinquenta Cruzeiros. Isso aconteceu, da minha mais remota idade, até meus 12 anos. Houve vezes que ele mandava a moeda por meu pai, com a recomendação seguinte: “É pelo aniversário e para ele brincar na Roda Gigante do Parque Maia, que já está na cidade”. Não me lembro de outra recomendação. Entre os quatro irmãos, eu era o mais novo e também o único com dinheiro para brincar no Parque Maia, o que fazia de mim uma criança bastante assediada, palavra que na época não existia no nosso vocabulário.
Chegado o mês de Outubro os caminhões com os equipamentos do Parque Maia adentravam triunfante na cidade Pombal. A noticia corria rápida pela cidade, de forma que o descarregamento dos caminhões já era uma atração para nós moleques, que deixávamos as estripulias no Rio Piancó em segundo plano e íamos assistir, do descarregamento dos equipamentos até a armação do último brinquedo.
Das noites seguintes até o ultimo dia da Festa do Rosário, não havia nada mais importante na cidade. O colorido das duas Rodas Gigantes, as Canôas ainda com tração humana, o trem elétrico e o apoteótico Carrossel, com seus cavalinhos, patos, Carruagem de Cinderela e outros atrativos, eram os motivos de passarmos os doze meses seguintes angariando fundos, seja de que forma fosse, para fazer parte daquela história. Afinal, minguem queria ficar de ouvinte das muitas histórias do Parque Maia que seriam contadas nas rodas de amigos. Quem brincou, quantas vezes e em quê, era o que diferenciava a participação de cada moleque na Festa do Rosário.
Para os adolescentes, rapaz e moças com hormônios a flor da pele, era a oportunidade da primeira namorada, que poderia vir através dos recados das difusoras do Parque Maia. Para os adultos era a cachaça na parte “baixa” e jogatina nos bingos, roletas e dados de Dodge, Mané Paletó e Dom Xicote. Mas, para nós moleques, não havia outra coisa senão os brinquedos do Parque Maia, daí cada centavo ser tratado como um tesouro, guardado por doze meses á espera daquele momento, daí a nossa busca constante pela soma de mais e mais moedas
PARTE II
O aparelho doméstico dos sonhos de todo morador da Rua de Baixo, nos idos dos anos sessenta era o Rádio. De forma que este desejado aparelho era tratado com as merecidas honras, ocupando na sala um lugar de destaque. O da nossa casa era um “ABC Canarinho, a Voz de Ouro”, em baquelite , na cor verde claro, que tinha até “roupa” para protegê-lo da poeira. Lembro-me que o nosso rádio “vestia” uma capa feita em tecido branco. Na parte frontal haviam bordados, caprichosamente feitos a mão, onde se lia o nome “Rádio” e mais a frente um Canário Amarelo a cantarolar em um galho. Do seu bico saiam notas musicais para que não houvesse dúvida da marca, uma vez que o ABC era ponta de linha, funcionava a pilha e só era vendido nas Casas Bandeiras. As Loja Paulistas vendiam o Philco que era grande e só funcionava a energia.
Logo pela manhã Diasa, pai dos Radialistas Otarcilio e Zé Hilton Trajano, passava de casa em casa, onde já era freguesia certa, anotando o Bicho que viria correr ás Quatorze horas e quarenta minutos, hora esta em que todos os rádios da Rua de Baixo estavam sintonizados na Rádio Alto Piranhas de Cajazeiras. O locutor “cantava” em código o resultado do Bicho do dia: “M de maria, A de Antônio, C de Carlos... e por ai vai. Só os mais letrados tinham o código anotado em cadernos, assim, descifravam o resultado final.
Era comum logo pela manhã os amantes do Jogo de Bicho que passavam para tomar cachaça nas sombras das ingazeiras do Rio Piancó, anunciarem aos gritos os seus sonhos, fazendo previsões de resultados. Numa desta feita, Biró de Onofre gritou para seu Godô: “Hoje é Pavão nem que a vaca voe.” Ao final daquela tarde Diasa passou na casa de Godô e entregou para ele um pacote de dinheiro. Naquela época não havia risco de sair nas ruas contando dinheiro. Diasa ou Clóvis, outro anotador de Bicho, fazia questão de paga em domicilio aos felizardos acertadores do Bicho, assim ainda caia-lhe uma gorjeta.
No mês seguinte eu recebi a minha moeda de Jovem Assis e pedi ao meu pai que apostasse no Pavão. A intensão era multiplicar o meu presente e assim brincar mais nos parques da Festa do Rosário. Meu pai não gostou da idéia. Segundo ele, jogo era coisa de gente grande e eu não tinha nada que andar por ai apostando. Naquela tarde Diasa foi até a nossa casa e entregou um pacote de dinheiro nas mãos do meu pai. Acho que deu vaca. Eu teria brincado as sete noites no Parque Maia, pensei! Ou será que deu Pavão?
Vida ruim de menino pobre, já com doze anos, viciado nas Matinês de Tarzan do Cine Lux e nos brinquedos da Festa do Rosário que aproximava-se. O sonho de rodar no Carrossel de luzes coloridas, de me arriscar na “montanha russa” que veio pela primeira vez à Pombal ou de jogar uma moeda entre as pernas da boneca "Terezão", e ouvi-la cantar "Baile da Gabriela" e "Como tem Zé na Paraíba"; acertar um tiro no umbigo do Pelé para fazê-lo chutar a bola e assim ganhar um prêmio...tanta coisa a fazer! Pedi ao meu pai que fizesse um carrinho de mão para eu pegar feira. A incumbência de fazer ficou por conta de mestre Lauro, que era Carpinteiro e tinha uma marcenaria no prédio que foi do meu avô, vizinho ao Edifício Maringá. A marcenaria também era um lugar dos desocupados jogar conversa fora, enquanto mestre Lauro trabalhava.
Quinha, filho de Zuza Nicácio dono do Imperador das Novidades, local onde realizavam-se, nos anos sessenta, bingos de utilidades doméstica, observava o trabalho de mestre Lauro, quando ele percebeu que estava escrito na caixa que mestre Lauro desmanchava para fazer o carrinho, a seguinte frase – Maçã: made in argentine – Pergentine, 15 unidades -. Ele enfiou a mão no bolso, pegou uma moeda e falou: “Caba de Félix, vá ali no Barraco de Zé de Lau e jogue tudo no Jacaré. Se acertar, a metade é seu para você rodar na Roda Gigante até vomitar.” Olhei para o meu pai, como não houve censura da sua parte, o que não era comum em se tratando de jogo de azar, fiz o mandado.
Naquela mesma tarde meu pai me informou o resultado do bicho. Sai nas carreias, encontrei Quinha no Bazar Imperial, muito bem sentado. Cobrei a minha parte do prêmio, como ele havia prometido na naquela manhã. Ele se negou a dividir o prêmio que, por direito, também era meu e, assim meu sonho Parque Maia acabou mais uma vez. Naquele ano Jovem Assis não mandou o dinheiro do Parque Maia. Também não mandou nos anos que se seguiram.
Se um dia eu voltar à Pombal eu vou fazer duas coisas: Cobrar de Quinha a minha parte no Jacaré, e depois, se ainda existir o Parque Maia, vou roda na Roda Gigante até vomitar, como disse Quinha de Zuza Nicácio. Melhor, não. Acho que não tem a mesma graça.
*Escritor Pombalense.
FESTA DO ROSÁRIO E O PARQUE MAIA: SONHO DE TODO MENINO I E II FESTA DO ROSÁRIO  E O PARQUE MAIA: SONHO DE TODO MENINO I E II Reviewed by Clemildo Brunet on 7/19/2009 05:59:00 PM Rating: 5

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