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POMBAL - SEU PASSADO FAZ A HISTÓRIA II.

Prof. Vieira (Foto)
FRANCISCO VIEIRA*
Eis-me aqui novamente. Estou de volta para continuar mergulhando na profundidade do baú das recordações e como já foi dito trazer à tona reminiscências de um passado bem distante. Continuando nessa faxina em busca de coisas do passado me vieram à lembrança as feiras-livres de Pombal nas décadas de 50 e 60.
Mal raiava o dia a população começava os primeiros movimentos dando sinais visíveis de mais uma feira livre. Antes mesmo dos primeiros raios solares os feirantes começavam a chegar, vindos de lugares diversos rompendo o silêncio da madrugada. Vinham em caminhões, caminhotes, jeeps, carroças, a pé ou até montados a cavalo ou burro. Na verdade eram fazendeiros ou simples agricultores que ostentavam com orgulho animais de estimação que lhes serviam de montaria por isso, sempre bem arreados, cujos arreios bem engraxados reluziam como ouro e brilhavam mais que o pão doce da padaria de Seu Napoleão.
A feira se concentrava no centro da cidade e se estendia aos bairros. No mercado público era oferecida uma rica variedade de produtos que iam desde as frutas – ainda livres dos agrotóxicos - que se misturavam as comidas típicas onde não se resistia ao cheiro incontrolável do café de “Mãe Fina” e “Maria Guerra”, torrado no caco, adocicado com rapadura e servido no bule. Disputando o mesmo espaço Seu Otacílio vendia gelada que os matutos saboreavam com pão. A freguesia era atraída pelo tinir das garrafas numa variedade de sons anunciando a sua presença. O produto era preparado na cara do freguês que assistia despercebido a falta de higiene ao introduzir seu braço junto com a colher ao mexer a mistura. Talvez a colher fosse curta para tanto.
Em sua volta, casas comerciais se espalhavam nos diferentes ramos de negócio, oferecendo vantagens para conquistar o freguês mais desconfiado. Aí, se destacavam: Irmãos Josias (João e Afonso), Irmãos Assis (Candú e Posidônio), Os Freitas, todos no ramo de cereais em grosso. Havia também Zé Cazuza (tintas e ferragens), Zuza Nicácio. Tinha ainda Antonio Vieira – mercearia onde se encontrava de tudo e mais um pouco e seu irmão João Vieira no ramo de peças para automóveis e combustíveis. A ele cabe o luxo de ter instalado a primeira bomba de gasolina de Pombal. E, não podia esquecer a Padaria Vitória de Seu Napoleão, com a inconfundível bolacha peteca. O cheiro era a sua maior propaganda. Como esquecer: Casas Bandeira, Camisaria Ideal e A Calçadeira, apresentando os últimos lançamentos da moda em tecidos, confecções e calçados. Faziam de tudo para concorrer com as Lojas Paulistas ou Casas Pernambucanas que ofereciam produtos populares pelo “Crediário Tentação”, anunciados por Clemildo Brunet para atrair a freguesia, enquanto “Expedito Doido”, como era chamado – hoje deficiente - dançava na calçada todos os gêneros musicais ali tocados.
Em torno do mercado filas de barracas de “cafezeiras” disputavam espaço com os comerciantes de Patos que se instalavam oferecendo grande variedade de produtos. Uma verdadeira “bagaceira”. Todo tipo de parafernália ou “burundanga” Ali se encontrava, desde canecos, baldes de zinco e lamparinas até baladeiras ou atiradeiras de borracha e pedras de amolar. Sem dúvida um “empório sertanejo”. Enquanto isso, na porta, o cartaz do Cine Lux exibia o filme do dia. Hoje - Duas Sessões: “O Dólar Furado” ou “Coração de Luto”. Era casa cheia. Ao mesmo tempo um carro de som anunciava festa com os Águias no Pombal Ideal Clube ou AABB ou convidava para assistir no domingo no Estádio Vicente de Paula Leite o jogo entre São Cristóvão F. C x Esporte Clube de Patos. Dava gosto ver Chico Sales romper defesas, Agnelo e Natal fazer “goals de bicicleta” e Nego Adelson parar literalmente no ar.
Paralelo a tudo isso, no Bar Centenário, funcionários do Banco do Brasil – primeiro banco instalado em Pombal – se reuniam para deliciar uma cerveja gelada, enquanto JUBINHA comandava em sua volta a venda de produtos artesanais feitos em barro – especialidade e sobrevivência da família. Eram potes, panelas e até cavalinhos, bois e bonecas, além de cofrinhos onde se juntava moedas com data prevista para ser aberto. Pior é que a ânsia não resistia à espera. Ai, por qualquer motivo se dava a abertura do cofre e o gasto imediato dos poucos metais ali guardados.
Nessa época, mesmo criança, já sentia o peso da responsabilidade auxiliando aos meus pais no comércio. Eles tentaram em vão me familiarizar com a arte de comprar e vender, o que nunca aprendi, contrariando o ditado de que “todo filho de gato, gatinho é”.
Bom mesmo, era vez por outra uma fuga, mesmo sujeito as represálias de meus pais, para observar as novidades da feira. Tudo me atraia: sanfoneiros, emboladores de côco, violeiros, mágicos, o carro dos bichos e até jogadores de cartas, que combinado com o “tapia”, trapaceava tomando o dinheiro dos menos informados. Do outro lado, camelôs, aos olhos cegos da fiscalização vendiam medicamentos – santos remédios - garantindo a cura de todas as doenças. Contudo, merecia confiança as garrafadas de Seu Mané Barbudo, profundo conhecedor de botânica, religião e história. Uma enciclopédia ambulante.
Enquanto isso, o Cego Roseno percorria sozinho e sem um guia as ruas de Pombal vendendo bolo e cavalinhos de goma. Pasmem: identificava todas as ruas e residências por onde passava. Por mais incrível que pareça é a mais pura verdade. Ao mesmo tempo se via o mudo de João Martins vendendo revistas e trazendo a notícia “quente”. Era notícia de última hora de O Cruzeiro e Manchete e divertindo a meninada com as revistas de quadrinho Bolinha e Luluzinha. Tudo corria bem, até que “João de Biró” lhe jogasse uma manga ou laranja podre que atirada com a canhota tinha a certeza de nunca errar. Infeliz daquele que lhe servisse de alvo. O mudo quase falava. Impossível, mas, gesticulando dizia: “vou dizer a Biró”.
Quando tudo caminhava “nos conformes”, a tranqüilidade era quebrada com mais uma briga. Era mais um assassinato, mais uma morte por vingança. Briga de família ou rixa antiga. Acerto de contas marcado para o primeiro encontro. Era a predominância da lei do mais forte onde se lavava a honra com o sangue do semelhante. Acontecia na feira ou no baixo meretrício, onde os matutos iam comprovar a masculinidade, satisfazer seus instintos e matar os desejos sexuais acumulados durante dias. Aí, nessas ocasiões, João Lindolfo manifestava toda sua ironia e deboche ao ser indagado: seu João mataram um? Prontamente respondia: mataram, mas foi de tiro e já deixaram outro amarrado. Era a garantia de mais um crime, prática muito abundante no sertão.
Bem próximo, na Rua, Estreita, onde havia cassinos de jogos de azar ocorria a Feira da Troca. A troca era exclusividade. Gente de várias partes trocava objetos variados: bicicletas, rádios, radiolas e outros. Vez por outra, a polícia fazia a ronda prendendo alguém com produtos roubados.
Final de tarde. Fim de feira. Os ambulantes desarmavam suas barracas e contavam o “apurado”. Satisfeitos ou não pensavam na próxima feira. Afinal, a vida continua e com ela a esperança de um novo dia. Feirantes tomavam o transporte de volta pra casa. Alguns, embriagados, provocavam brigas, reclamavam do carro que partira ou procurava a feira perdida. Com certeza, faria tal qual um folião que arrependido, numa quarta-feira de cinzas, perguntaria a si mesmo sem, contudo, encontrar resposta: “o que é que eu vou dizer quando chegar em casa”? Bem, ressalvados os casos omissos, pecado pelo qual me penitencio, era assim o desenrolar das feiras-livres de Pombal.
Os fatos aqui narrados são fragmentos de uma história construída ao longo de anos a fio e da qual somos os protagonistas. É tal qual um filme de longa metragem de cujas encenações somos atores coadjuvantes.
Assim como o tempo, a história é dinâmica. Conta-la é uma constância, como constante é a sua trajetória. Portanto, uma nova trégua para rompê-la depois à luz de velhos acontecimentos que se juntarão aos fatos novos, reafirmação de que em POMBAL – SEU PASSADO FAZ A HISTÓRIA.
Pombal, 06 de agosto de 2009.
*Professor, Ex Secretário de Administração e Ex-Diretor da Escola Estadual João da Mata.
POMBAL - SEU PASSADO FAZ A HISTÓRIA II. POMBAL - SEU PASSADO FAZ A HISTÓRIA II. Reviewed by Clemildo Brunet on 8/08/2009 08:04:00 AM Rating: 5

Um comentário

Cessa Lacerda disse...

Prezado amigo e compadre Vieira.
Li, reli e apreciei o que você lançou no texto I e II "POMBAL-SEU PASSADO FAZ HISTÓRIA". Antes de tudo quero dizer que não é por acaso que se faz um escritor, faz-se por capacidade, eloquência e amor.Você está entre os eloquentes escritores da nossa terra,e, isto nos imprime orgulho.Quanto é belo a sabedoria que nos permite uma variedade de conceitos abrangentes a humanidade que preenche o tempo em fazer aquilo que é produtivo e que agrada a todos, a exemplo dos seus textos que não só informam mas, faz relembrar passados felizes que vivemos ou conhecemos. Parabéns pela reminiscência encantadora. Continue lançando belos e susgestivos textos que serão com certeza compilados em livros no futuro. Aguardaremos novos lances.Abraços de admiração.

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