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A CHEGADA DO REI.

POR FRANCISCO VIEIRA* Os fatos - felizes ou não – acontecem. Simultaneamente a vida passa enquanto as lembranças vão escrevendo uma história em nossa memória. Daí, a confirmação do pensamento de Goeth, quando assegurou que a vida é a infância da imortalidade. Entende-se, portanto, que os fatos permanecem vivos, por isso merecem ser contados.
É impossível precisar a data, pois era ainda criança. Salvo um lapso de memória era fins de 1954 ou início de 1955. Nessa época o progresso começava a despontar na região. Manifestando ares de benesses a 7ª arte - o cinema - havia chegado com a instalação do Cine Lux, graças ao espírito empreendedor do Sr. Chiquinho Formiga, seu primeiro proprietário. Nesse mesmo ano, o então Prefeito Chico Pereira iniciara o calçamento colocando os primeiros paralelepípedos no centro da cidade. Relativamente na mesma época o saudoso Mons. Vicente Freitas, Vigário Administrador da Paróquia de Nossa Senhora do Bom Sucesso, fundou o lamentavelmente extinto Ginásio Diocesano de Pombal, orgão educacional pertencente à Diocese de Cajazeiras e que funcionara inicialmente no também extinto sobrado de D. Jarda, na Praça Getúlio Vargas, centro da cidade, hoje local da Farmácia Nova.
A população girava entre 50 e 55 mil habitantes e quase não dispunha de lazer, salvo, quando se instalava algum circo na cidade e isso mesmo por um tempo breve. Considerando minha tenra idade, lembro-me de fato interessante da infância e que permanece vivo nos anais de minhas reminiscências. Lembro-me, pois, nesse dia a tranqüilidade da hospitaleira e não menos pacata “Terra de Maringá”, foi interrompida logo ao amanhecer com um carro de propagandas que anunciava a chegada do rei.
O rei ao qual me refiro não pertence à Dinastia dos Césares, protagonistas do maior e mais poderoso domínio monarquista da história da humanidade – O Império Romano. Não é Pelé, que na condição de Rei do Futebol encantou o mundo durante décadas com jogadas de gênio. Também não é um rei dos famosos contos de fadas que acalentam sonhos infantis com histórias fantasiosas embalando crianças para o sono dos inocentes. O rei a quem me reporto e reverencio não é ninguém menos que Luiz Gonzaga – O Rei do Baião - que cantou com maestria o Nordeste e o Brasil. Mais que um cantor ele foi um cantador, pois defendeu com arte e talento nossos costumes e tradições urbanizando o forró - ritmos da região até então desconhecidos. Na condição de rei fez do palco o seu trono e recebeu como recompensa o aplauso do povo.
Assim, acordava Pombal em clima de festa que logo cedo se manifestava ansiosa no desejo de receber o Rei do Baião. A rotina diária era quebrada por uma rural willys, tipo “marinete”, que percorria as ruas anunciando o grande e inédito show. O anúncio animava a população que se enchia de ansiedade. Afinal de contas não é todo dia que se recebe um rei em sua casa. Portanto, aquela visita era mais que privilégio, era um prêmio. Assim seguia a rural que trafegando em marcha lenta exibia fotos do renomado artista e tocava os principais sucessos como: Assum Preto, Boiadeiro e, principalmente, Asa Branca, seu maior sucesso que se tornou o carro chefe, uma referência. Enquanto isso, um locutor com “voz encanada” convidava a todos ao tempo em que jogava panfletos do cantor para o alto, o que era disputado até mesmo pelos adultos que se aglomeravam nas calçadas. Era como se alimentassem a esperança de ver o artista antes do show.
Como não podia ser de outra forma, o carro de propagandas era seguido pela meninada formando numeroso grupo que aumentava a cada rua. Era tal qual o cordão dos puxa-sacos que cada vez aumenta mais. E, como menino lá estava eu em meio à molecada. Eu era mais um e igual a todos. Era mais um que não resistindo acompanhara o cortejo, mesmo sem a autorização dos pais, por isso, sujeito as conseqüências. É evidente que isso foi motivo de preocupação para os meus genitores que entraram em desespero após procurar em vão por toda vizinhança. Finalmente fui encontrado, graças à informação de gente conhecida o que me custou bastante caro e dolorido.
A partir daí, tudo mudou. A festa que eu havia iniciado acabara antes do tempo se transformando em angústia e frustração. O castigo foi iminente. Se não bastassem os puxões de orelhas e palmadas uma sentença foi estabelecida. Enfim, como um juiz em pleno gozo de suas atribuições foi decretada a condenação: estava eu terminantemente proibido de assistir ao show. E, o que é pior, tal qual uma tortura chinesa, mesmo revoltado, assisti inconformado meus pais saírem muito bem trajados para ver a chegada do rei. E aqui vem um detalhe: cada um conduzia um assento, pois as cadeiras do Cine Lux embora estivessem compradas ainda não haviam chegado. Ainda mais, tive que suportar a intensa gozação de João Vieira ou Tio Vieirinha que numa maneira bem peculiar ironizava por ter apanhado e ainda e perdido o show. Calado suportava tudo, pois qualquer reação de minha parte implicaria em nova punição.
O fato embora simples não é vulgar. Ele é parte de uma vida, uma história. Os fatos mesmo breves e simples são imortais como a verdade. Ai se justifica: a infância é a melhor fase da vida. Dessa forma é impossível crer na existência de alguém capaz de não lembrar com nostalgia seu tempo de criança. Todos nós relembramos saudosos as brincadeiras, os jogos, as travessuras, as arriscadas aventuras, os colegas de escola, a primeira professora, a primeira paixão e, principalmente, os fatos que uma vez registrados na memória fizeram nossa história e serão lembrados por toda vida. Obviamente, as lembranças são construídas de fatos ao longo da vida, portanto, é reconhecida a importância do passado na construção do presente e do futuro.
O fato é no mínimo hilariante. Embora tenha conotação jocosa apresenta caráter marcante. É que desde os primeiros anos de vida os hábitos vão se formando, por isso, associados às tendências marcam e definem nosso destino.
Finalmente, é guardando os fatos que valorizamos os acontecimentos e defendemos nosso patrimônio histórico-cultural. Por tudo isso, é que mantenho viva e ativa na memória: A CHEGADA DO REI – que infelizmente eu não vi.
Pombal, 09 de dezembro de 2009.
*Professor, Ex-Diretor da Escola Estadual "João da Mata" e Ex-Secretário de Administração Municipal.
A CHEGADA DO REI. A CHEGADA DO REI. Reviewed by Clemildo Brunet on 12/10/2009 12:35:00 PM Rating: 5

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