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MEU PRIMO TOZINHO.

Paulo Abrantes (Foto)
POR PAULO ABRANTES DE OLIVEIRA*
Há poucos meses quando visitei a minha terra, Pombal, lembrei-me de Antonio Leite (Tozinho), de saudosa memória, filho de meu tio Chico Gervásio, rapaz de boa aparência, simpático, de porte físico atraente que chamava a atenção das moças de Gado Bravo. Morava nessa fazenda levando vida simples de morador rural de sítio interiorano, onde todos se conhecem e se dão bem.
Já contei esta história, diversas vezes, mas de forma oral. Agora, volto a contá-la, movido sentimentalmente assistindo histórias do programa de TV “De volta à minha terra”, e mesmo porque, o episódio mostra a reação de certas pessoas diante do infortúnio do semelhante, também filho de Deus. Exemplo francamente reprovável, que servirá para reflexões sobre o complexo comportamento humano.
Até meados do século passado, São Paulo representava o vale da promissão para o nordestino que deixava sua terra e para lá viajava em busca de emprego. Acalentava falsa ilusão pelo grande Estado, atraído pelas notícias de suas riquezas, de sua terra fértil e do mercado de trabalho que sempre recrutava mais e mais mão-de-obra para impulsionar o seu esplêndido progresso. Deixava, aqui, a esposa, os filhos e o chão seco, tostado pelo inclemente sol quente. Deixava para trás o pungente drama da seca. Dizia o ilustre senador Ruy Carneiro: “Todo sertanejo deixa a sua terra chorando. Nunca sai cantando”.
Em chegando lá, o sertanejo nordestino ia juntando seu dinheiro a duras penas, comprava primeiro seu radinho de pilha, e ia já guardando na mente a idéia de um dia voltar à terra natal. Notícias de relâmpagos e trovoadas para o lado do Norte faziam-lhe apertar a saudade danada do rincão querido. Depois daí, não conseguia resistir e, mais dia, menos dia, empreendia a viagem de volta. Bastava ouvir as canções de Luiz Gonzaga e Elba Ramalho com o seu “De volta para o meu aconchego” para o choro afrouxar.
Tozinho foi um desses intrépidos e sonhadores nordestinos que tentou a vida na grande metrópole paulista. Levou consigo apenas as mãos calejadas pelo cabo de enxada e poucos conhecimentos de ajudante de pedreiro e de pintor de paredes, adquiridos ali mesmo em Pombal, e lá enfrentou o trabalho duro. Afinal, estava em São Paulo para trabalhar.
Como esperava, não lhe faltou serviço na construção civil. Enfrentava jornada sem limite de horário e sem descanso aos domingos e feriados.
Contratado, um dia pintava a mansão de rico paulistano. “Casa de Barão”, segundo suas próprias palavras.
Como de costume, deixara a marmita com a comida a um canto da casa, despreocupado. Mas, certo dia, o cão de raça largou-se da corrente e devorou a comida de Tozinho.
A reclamação, incontinenti, foi levada à esposa do proprietário da mansão. A madame, então, virou-se nos diabos. Batia portas, gritava com empregados. Verdadeiro inferno. De vez em quando, usava o telefone.
Tozinho, de estômago vazio, aguardava o desfecho de tudo aquilo. O que lhe interessava mesmo era a reposição de sua comida. Imaginava, daí, saborear comida de gente importante.
De tanto esperar, perdeu a paciência e o acanhamento. Passava da hora do almoço e ele estava com muita fome. Humildemente, dirigiu-se à madame sobre se a comida chegaria logo.
Dela recebeu a grosseira resposta de que quem chegaria logo seria o veterinário para tratar de seu cachorro.
Entendeu, então, Tozinho que comida de sertanejo trabalhador podia matar cachorro de madame rica. E que a vida de cão daqui é diferente da de São Paulo.
*Escritor pombalense, Eng° Civil.
MEU PRIMO TOZINHO. MEU PRIMO TOZINHO. Reviewed by Clemildo Brunet on 2/16/2010 06:14:00 AM Rating: 5

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