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NEOCORONELISMO

Por Severino Coelho Viana*
O termo coronel adveio da Guarda Nacional que foi criada no dia 18 de agosto de 1831. Os chefes locais destacados ocupavam nela os postos mais elevados, comprando a patente, no caso de coronel. Com a Proclamação da República extinguiu a Guarda Nacional, porém persistiu a denominação de “coronel”, com seus costumes, táticas, mazelas, vícios de toda natureza, originando-se, particularmente, no Nordeste, o sistema de práticas políticas engendrado no coronelismo.
A figura do coronel era controladora do poder político, econômico e social, que agia por ambições pessoais, em função da lealdade familiar, além das relações de compadrio, juntando-se aos cabos eleitorais e chefes locais, que por sua vez erigia a cultura antiquada do mandonismo. A hierarquia estadual conferia “carta branca” aos chefes locais, com poderes de nomeação de funcionários estaduais do lugar para ter controle dos assuntos relativos aos municípios, que se ramificavam para um “controle de classes auxiliares”, tais como, jagunço, advogado da família, médico da família, comerciantes urbanos, oficiais militares, padres etc.
Os coronéis nordestinos, na sua maioria, exerciam um domínio político despótico sobre os que dele dependiam economicamente e sobre a clientela de apaniguados. Utilizavam-se do dinheiro à mira da carabina, além das emboscadas por trás das moitas e nas encruzilhadas das veredas na caatinga.
O poder político do coronel era medido pela força eleitoral, isto é, a quantidade de votos que dispunha o chefe local. Com esta força eleitoral emana-lhe o prestígio político. Este poder político era determinante em decorrência do assistencialismo-paternalista e do clientelismo, que estes se dão com o uso exacerbado da máquina administrativa, e, então, começam a aparecer crendices mirabolantes: “o pai da pobreza”, “o bondoso”, “o generoso”, “o caridoso”, “o mais sabido”, “o médico milagreiro”, “o amigo dos pobres”, que redundavam na oferta de favores pessoais pela chefia local, com uma forma política centrada na visão do favor, da proteção e da gratidão.
O coronelismo desenfreado vigorou da Primeira República à Revolução de 1930, que por não ter sido erradicado totalmente, as suas raízes perduram até os nossos dias, apenas com uma folhagem amarelecida ou desbotada. Não vemos mais aquela figura tradicional do coronel: terno de linho branco, sapatos brancos bem engraxados, rutilando com o reflexo dos raios solares, chapéu de massa preto, bengala na mão, pistola de lado e punhal no quadril; barba asseada e bigode bem feito, cachimbo na boca esfumaçando, e, à tardinha, passeava galopando o cavalo rompante, com o seu habitual aceno de mão e a chegada festiva à casa do compadre.
O cenário que envolvia e promovia o coronelismo era o do mundo rural brasileiro, dominado pelo latifúndio, o engenho, a fazenda e a estância. Um universo próprio, interiorano, bem afastado das grandes cidades, isolado do mundo. As comunicações eram raras e difíceis, feitas por canoa, barco, balsa, carro de boi, charrete, ou na sela do cavalo, puxando os arreios da mula ou do jerico, cachorro ou cadela que virava pombo-correio. Na verdade, o coronel, personificação mais acabada do poder privado no Brasil, mandava num pequeno país no qual ele era um imperador com poder de vida e morte sobre os seus subalternos. Os moradores eram-lhe inteiramente obedientes e poucos ousavam desafiar a autoridade ou disputar o poder de mando, a não ser que pela redondeza um outro coronel o desafiasse e peitasse o poderio. Praticamente ao redor dele ninguém era instruído, os considerados alfabetizados apenas sabiam desenhar o nome no papel, o suficiente para que se tornassem eleitores fiéis dos candidatos propostos pelo coronel.
Dessa relação de cumplicidade política existente entre chefe e eleitor nasce uma estima pessoal, que desemboca no compadrio, onde os elementos considerados inferiores e dependentes submetiam-se ao senhor da terra pela proteção e persuasão. Se por um acaso houvesse alguma resistência de parte desses apadrinhados, estes eram expulsos da fazenda, perseguidos e assassinados impunemente. Muitas vezes a desforra alcançava toda a sua família para servir de exemplo aos outros afilhados que pensassem em uma atitude de rebeldia.
Materialmente o mundo dos coronéis era povoado pela escassez de tudo e pela pobreza absoluta de quase tudo pelo estado de miséria que os moradores viviam, pois esta é uma tentativa de explicação da enorme dependência que todos tinham ante o coronel. Ele era o poder de quase tudo na sua circunscrição territorial a quem era preciso recorrer nas mais diversas situações, sendo, portanto, que se aduzia que o coronel exigisse daqueles que se qualificavam como votantes, o compromisso da fidelidade cega. Na ausência quase que absoluta do Estado, era o coronel quem exercia as mais variadas funções, sendo simultaneamente o detentor do poder político, jurídico e legislativo do município que lhe cabia, fazendo com que sua autoridade cobrisse todos os espaços daquela geografia da solidão que era o seu feudo.
Os estudiosos dividiram o coronelismo em três tipos; o tribal, o personalista e o colegiado. O tribal parece um patriarca de um clã, cujo poder se espalha por vários municípios e derivava dele pertencer a uma família tradicionalmente poderosa. O personalista deve tudo ao seu carisma pessoal, a ter certos atributos que lhe são impossíveis de transmitir por herança, geralmente desaparecendo com sua morte. Por último, aqueles que são mais estáveis, e que dirigiam os negócios políticos em comum acordo com outros coronéis sem que houvesse grandes desavenças entre eles. As bases do seu poder são: a) A terra. Num país de dimensões agrárias tão vastas, a riqueza dos indivíduos era medida pela extensão da propriedade. Logo era fundamental para a afirmação e continuidade do poder do coronel que este detivesse significativas extensões de terra. b) A família, ou a parentela, permitia ao coronel por meio de casamentos arranjados e assim ampliava o seu domínio, colocando gente de outro sangue e da sua confiança em todos os escalões do poder municipal e estadual. c) Os agregados. A imensa quantidade de parentes distantes, compadres, afilhados e demais protegidos do coronel, que ajudavam a estender o poder dele para fora da família núcleo (a gente do seu próprio sangue), permitindo que sua autoridade se espalhasse para regiões bem mais distantes do seu município.
O coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria natureza do tipo de dominação que ele exercitava, implicava na adoção de métodos coercitivos, ameaçadores, quando não criminosos. As linhas da violência dirigiam-se em dois sentidos, no horizontal quando o coronel travava uma disputa qualquer com um outro rival do seu mesmo porte político, e no vertical, quando ele desejava impingir alguma coisa aos de baixo porte ou que se negavam a aceitar a sua guarda. Para o exercício efetivo disso, ele contava com dois elementos básicos: o pistoleiro contratado para atuar a seu serviço, geralmente um capanga da sua confiança, ou um grupo de jagunços, um bando de caboclos dedicados ao ofício das armas que lhe serviam como uma milícia privada, que se destacavam pela virtude da coragem pessoal.
A história, a sociologia, a psicologia coletiva e a cultura geral asseveram, taxativamente, que o coronelismo como uma manifestação que parece desaparecida, morta, extinta. A realidade prova bem ao contrário, pois o coronelismo está vivo, vivinho da silva, que se encontra em qualquer esquina da política brasileira, nas pequenas cidades e nas metrópoles. Encontra-se em pleno vigor sob a forma resistente e multiforme do neocoronelismo. O que desapareceu, foi tão somente o estilo de exercer o comando quanto ao uso e à manipulação do poder local ou regional. O coronelismo está vivo - repetimos - sob a forma modernizada do neocoronelismo. O que realmente desapareceu foi apenas o estilo do antigo coronelismo.
O terno de linho branco para o uso diário não tem muita diferença para o paletó preto de tropical ou microfibra, é somente uma questão de gosto, assim como tomar Coca-cola por Fanta é uma questão de sabor, este sabor não muda a essência de ser refrigerante. O pensamento do novo coronel, que se apresenta com sorriso fútil de fachada democrático, está sublimado pela facilidade da era do processo tecnológico, que o fez deixar o trote do cavalo para passeio de Corola. E este processo evolutivo, não resta dúvida, aumentou o nível de consciência popular que por via de consequência não aceita mais uma total submissão. O poder de fogo do novo coronel não está restrito à cozinha do casarão de alpendre, mas nas salas reluzentes dos palácios governamentais. As barganhas políticas assumem um caráter mais sofisticado, à medida que passam a envolver não apenas pessoas privadas, mas também grupos comunitários, em torno da distribuição de recursos governamentais. A ideologia política pregada pelo programa partidário não passa de uma frase de enfeite literário e não ressoa uma ação em prol do bem coletivo. O poder local é manifestado pela vontade e o capricho de uma só família, que representa os "novos" que se alimentava das práticas políticas dos velhos, que carrega na mente a figura do totem, utilizando-se dos meios de clientelismo e do patrimonialismo, do apadrinhamento, nem que seja às custas do dinheiro público.
No momento político de nossa modernidade, que passa dos limites da tolerância, as barganhas eleitorais são das mais diversas e o valor do voto tomou outros ares, podemos notar que atualmente ele é trocado por consultas médicas, óculos, remédios, e, sobretudo por promessas de empregos e não longe disto a conquista da casa própria. Esta última que concede ao líder político a formação do novo curral eleitoral, pois o eleitor advindo basicamente do interior do país, onde de certa forma trabalhava nas terras de um grande proprietário ou mora nos casebres periféricos, é atraído para os centros urbanos com esperança de garantir um futuro melhor, com o peso da frustração e falta de emprego e dos meios de sobrevivência a solução mais prática é vender o voto no tempo de eleição, não lembrando que terminado o processo eleitoral a situação de calamidade volta ao seu assento anterior, justamente por falta de políticas públicas voltadas para o bem comum.
Outro traço de ação do novo coronel, o chamado coronelismo eletrônico consiste, portanto num mecanismo para manutenção dos novos coronéis no poder, por meio de um grande instrumento de comunicação, que é o radio e a televisão, gerando uma grande rivalidade entre os líderes políticos afamados pelo uso propagandístico de caráter pessoal por meio dessas concessões. Os chefes locais continuam mantendo uma relação de proximidade com os governos estaduais e estes com o governo federal, responsável pela concessão das RTVs, já barganhado por aprovação de matéria de interesse do governo federal. É o toma lá dá cá. A compra de voto hoje já não acontece da mesma forma como na República Velha, mas esta não deixou de existir, só que de uma forma mais velada e camuflada nas políticas eleitoreiras, ou seja, na doação de cestas básicas, leite, pão, remédio, e principalmente na barganha com empregos e a casa própria, acabando por fim influenciando o resultado de uma eleição.
João Pessoa, 18 de fevereiro de 2010.
*Escritor Pombalense e Promotor Público em João Pessoa - PB.
NEOCORONELISMO NEOCORONELISMO Reviewed by Clemildo Brunet on 2/18/2010 11:05:00 AM Rating: 5

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