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MANDONISMO.

Por Severino Coelho Viana*
Este nosso artigo é uma sequência natural do nosso artigo já publicado anteriormente, intitulado de “Neocoronelismo”, fazendo-se logo uma simples distinção entre coronelismo e mandonismo. Aquele foi reconhecido como uma espécie de sistema político tanto pelos historiadores, pelos sociólogos e pelos cientistas políticos; enquanto que este último termo tem um significado mais próximo à vontade pessoal e da pecha do administrador público, pois quem detem qualquer espécie de poder tende a invadir a do outro, se não for observado cuidadosamente o grau de atribuições que lhe é conferido, sendo desviado pela força do superego. Age assim por vontade própria deliberadamente ou por falta de conhecimento do sistema normativo vigente no nosso país. É tanto que existe a teoria da divisão dos poderes constituídos idealizada por Montesquieu. Quando se respeita às atribuições de cada poder dentro de cada nível resulta a convivência harmoniosa no âmbito da própria independência. Havendo invasão termina num sistema anárquico quando se capta perfeitamente o uso da força pela força.
Atualmente, está em profundo desuso a arcaica frase: “posso, quero e mando”. Todo o poder é limitado, o querer é legal e o mando tem um determinado alcance, não se pode tudo. Enfim, todos são submissos à lei. A lei é o norte de legalidade e legitimidade do poder, se assim não fosse, tudo caminharia para o mundo das arbitrariedades, faz tempo que o absolutismo foi sepultado, assim como a coroa já não brilha mais como antigamente.
O coronelismo é muito parecido com o mandonismo, aquele transfigurou como um sistema político organizado, este nasce de forma particular no ego de cada pessoa, que aliado ao poder econômico ou político termina elevando ao status de ditador impiedoso.
Este conceito de mandonismo tem substância de permanência, nunca se acaba porque ele é criado nas entranhas do instinto individual. Não é designado somente para as especificidades do coronelismo. O mandonismo não é um sistema, mas forma um complexo político que se assemelha ao coronelismo. Contudo, antes, designa uma característica da política brasileira, que existe desde os tempos remotos do Brasil Colônia, sobrevivendo ainda nos dias de hoje em certas regiões mais isoladas do país, apesar da evidência do estado democrático de direito.
O mandão, a potência do querer individual, o chefe absoluto, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele quem, em função do controle de algum recurso estratégico, buscado através do poder econômico, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política.
O mandonismo por sua vez serve basicamente para perseguir os grupos rivais, que periodicamente se apresentam com relações hostis entre os grupos, e não poderia deixar de ser, qualquer tipo de favor é negado ao grupo rival, quando faz algum tipo de favor é tido como uma humilhação ou promessa de adesão. No período do coronelismo do passado quando se chegava ao ano eleitoral começavam as artimanhas do vale-tudo. É neste período que os coronéis podiam angariar um contingenciamento de cabos eleitorais ou mesmo de outros coronéis para engrossar sua fileira. Os acordos podiam ser selados até pouco tempo antes das eleições, e assegurava certa segurança por um tempo maior, até que configurasse a adesão ao grupo que estava na situação, podiam ser poupados pelos grupos dominantes, mas se descumprisse o acordo firmado logo começava a perseguição, que não media consequências: de chicotada à morte traiçoeira.
O aparecimento do voto de cabresto, época que o voto era aberto e, depois passou a ser secreto, mas não tão secreto que não se descobrisse a vontade de consciência do eleitor a mando do coronel. O sistema eleitoral era falho que contribuía para a fraude eleitoral facilitando o mapeamento do resultado final do pleito que justamente coincidia com a vontade do coronel executado pelos apaniguados. Era um período que as regras não eram cumpridas e as autoridades judiciárias submissas ao mando do coronel ou indicadas por este que já fazia parte do esquemão que funcionava a nível estadual.
O voto de cabresto existia porque no período do coronelismo o voto era aberto, desta forma, o fazendeiro com seus capangas obrigavam os eleitores de seu “curral eleitoral” a votarem em seus candidatos. Mas como pode, no Século XXI, o eleitor temer pressão de patrão inescrupuloso, de político corrupto, se o voto é secreto? Ninguém vê o seu voto, só a sua consciência! Mas, ainda assim, temem represálias e votam sobre pressão como se tivesse sendo vigiado. O uso do celular é proibido no recinto da seção eleitoral para que o voto não seja filmado ou fotografado como prova de fidelidade. Então, ter medo do quê? Nos dias atuais, é difícil controlar o voto das pessoas. Mas com a modernidade se cria métodos mais “modernos” como os novos mecanismos de pressão: anotam-se as secções em que os eleitores de uma família ou localidade votam, para posteriormente conferir se a votação do candidato correspondeu ao que se esperava dos eleitores. Embora seja impossível se determinar "quem" votou em "quem", o método é eficaz entre a população mais pobre como instrumento de pressão psicológica. A compra do voto é muito praticada e se tornou uma ferramenta muito eficaz. As pessoas passam a dever obrigação, sentem obrigadas a honrar o compromisso com o candidato depois de terem recebido algo ou um simples favor. Felizmente nem tudo está perdido. Vale ressaltar que eleições passam por elevado nível de segurança, claro que não evita a fraude totalmente, e também existem candidatos sérios que vencem e venceram suas eleições honestamente! Provavelmente, esse número reduzido de candidato honesto manterá o sinal de um futuro em direção de um caminho melhor. Os outros vão ficando para trás!
O caráter do mandonista deve ser corrigido pessoalmente através de estudo ou de práticas civilizadas, caso contrário, se gosta de ser assim e assim o é, praticante de atos conforme a vontade tresloucada, quando só ver o fio aceso de seu próprio interesse, está a caminho do abismo da corrupção, e logo cria uma excrescência no rosto límpido do sistema democrático, que traz como lema o ideal da vontade majoritária.
Há uma sequência na vontade do mandão, primeiro gosta de mandar, segundo quer mandar mais do que pode e depois que alcançar o poder absoluto que raia às beiras da tirania e, justamente nisso, o pulo do trampolim se esparrama no chão tórrido porque se contrasta com o sonho de liberdade do cidadão. Este que é elemento principal no regime democrático, observando as atitudes do mandão, espera a chegada do seu poder decisório através de eleições limpas e responde exatamente como exige a vontade popular: assinala o envelope que lacra o sentido de oposto ao mandão, que se chama derrota!
O pior de tudo é quando a vontade do mandonista chega ao superego, quando o ego atinge este grau senta ao trono da tirania. E a tirania é a fonte de toda corrupção.
Isto nos faz recordar as lições de Platão, que já afirmava que durante o processo de obtenção do poder político absoluto, Platão mostrava como o tirano mudava as pessoas de qualidade que o ajudaram a chegar ao poder por pessoas corruptas e assassinas. O tirano também cria uma guarda pessoal que tortura e mata sob suas ordens ou de outras pessoas da hierarquia que ele mesmo criara. Finalmente, Platão aduzia como o tirano recorria a guerras para distrair a atenção do povo de sua ação nefasta com o objetivo de continuar a exercer o poder político. Como é tão atualizada a lição do filósofo?!.
Quem tem o poder nas mãos por si só já manda. Então, mande dentro do limites estabelecidos.
João Pessoa, 18 de março de 2010.
*Pombalense e Promotor de Justiça.
MANDONISMO. MANDONISMO. Reviewed by Clemildo Brunet on 3/20/2010 06:05:00 PM Rating: 5

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