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ZÉ CAPITULA.

Paulo Abrantes (Foto)
POR PAULO ABRANTES DE OLIVEIRA*
Desde menino que escuto falar de seca. Nada assombra mais o nordestino que a seca, não tem terremoto seguido de tsunami, que o faça estremecer. A seca sim, é que o castiga desde os primórdios da colonização do Brasil. Seu primeiro registro histórico data de 1573. Continuará assim. A seca é fenômeno da natureza, cíclico, inevitável, e está ele relacionado, segundo os cientistas, à chamada zona de convergência intertropical que a cada ano muda de lugar. Dizer-se que a seca são desígnios de Deus, ou que Deus o permite, não parece afirmação verdadeira. Deus não quer sofrimento de ninguém, muito menos do pobre nordestino, tão religioso, piedoso e crente em coisas divinas.
A seca produz sérias mazelas sociais, como fome, desemprego, êxodo rural, cidades “inchadas”, gente debaixo de ponte, prostituição, marginalidade e violência. Quase dava fim às jóias da Coroa, e já encheu os bolsos de políticos desonestos.
Não há jeito. Resta ao nordestino, calejado de tanto sofrimento, aprender a conviver com o fenômeno. Lá em Pombal, minha terra, quando menino, a meta de prevenir-se para as grandes estiagens tornava-se imperativo na vida do sertanejo, seja construindo açudes, barragens e cisternas, seja guardando alimentos para si ou estocando ração para os animais. Hoje, com os modernos serviços de meteorologia, não há mais lugar para surpresas.
Para início de boa conversa com sertanejo, basta começar pelos inevitáveis assuntos, como transposição do rio São Francisco, calor, falta de chuva, seca, quebra de safra, etc. No palanque, então, os políticos sabem tirar proveito da miséria do nordestino. Deitam falação e dele recebem o ingênuo voto. O Canal da Redenção, Várzeas irrigadas de Sousa, por exemplo, até que suas obras sejam concluídas, nem sei quando, ainda dará muitos mandatos a políticos paraibanos. Quem viver, verá.
Pois bem. Água para o sertanejo é, afinal, coisa de primeira necessidade, bem de valor inestimável. Desperdiçá-la, nunca.
O assunto faz-me lembrar pitoresco episódio que aconteceu no fim da década de 50, em Pombal, quando ali funcionava a todo vapor uma Residência do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS. A cidade vivia a braços com o angustiante problema de falta d’água. O transporte do precioso líquido para o abastecimento da cidade era feito, de ordinário, em lombo de jumento. Daí, seus conhecidos e merecidos monumentos serem erguidos em homenagem aos jegues por esses brasis afora.
Seu Zé Capitula, conhecido cambiteiro d’água, morava nas proximidades do campo de futebol que então existia ao lado da Brasil Oiticica, naquela progressista cidade. Quando Pombal não tinha água saneada, no lombo do seu lote de jumentos, Zé Capitula vendia a melhor água para a cidade, porque tinha uma cacimba no leito do Rio Piancó, com uma tampa de tábua e passado o cadeado, onde só ele tinha acesso. As outras cacimbas, a céu aberto, bebiam o cachorro, jumento, cavalos, além de outros animais, sem contar os bichos de hábitos noturnos que vagueavam pelas margens do rio. Zé Capitula era uma pessoa singular, baixinho, vergado pela escoliose, taciturno, era de poucas palavras e tinha poucos amigos.
Vindo do trabalho, e meio cansado, Zé Capitula dera uma paradinha no terreiro de sua casa para apreciar a animada pelada daquela tarde de verão.
Gritaria, um pedido de passe de bola, dribles, chutes, gols. Enfim, era o entusiasmo da garotada na disputa da bola que rolava sem cessar.
Assim, depois de uma partida bem disputada, debaixo daquele sol quente do sertão, a garotada viu no espectador Zé Capitula a oportunidade de pedir um copo d’água. Primeiro foi um, depois outro, e aos poucos estavam os 22 jogadores dentro da casa de Zé Capitula, naquela interminável fila indiana, bebendo repetidos copos d’água. Logo se viu Zé Capitula arrependido e sem controle da algazarra. Um entra-e-sai danado. Cochichos, risadas, o piso da casa já todo molhado pelo resto d’água que caía devido à pressa dos meninos.
Zé Capitula falava e ninguém escutava, teve que providencialmente, acordar a sua enteada que, meio desarrumada, dormia no sofá da sala:
- Ajeita-te mulher, se não os meninos acabam com a água do pote!...
*Escritor pombalense e Engenheiro Civil.
ZÉ CAPITULA. ZÉ CAPITULA. Reviewed by Clemildo Brunet on 3/17/2010 10:13:00 AM Rating: 5

Um comentário

socorro pombal. PB disse...

Falar da sêca no nordeste, eu já estou acustumada com o tema, Mas quando chegou no Sr. Zé Capitula, me bateu profunda recordaçõeSempre pontual nos seus afazeres,. servia à todos com dedicação e respeito. Foi uma figura que marcou os bons tempos, Falando bons em relação a uma cidade em desenvolvimento, mas nos oferecia a liberdade de desfrutar a natureza. Paulo, quanta saudade! Mesmo nos faltando a regalia de uma cidade grande, quando fui morar no Rio de Janeiro, chorei com saudade de minha terra, da àgua do Sr. Capitula. Obrigado Paulo. seus artigos , me enchem de emoções e volto a minha terra, meu berço. minhas origens..
Um abraço de sua amiga de sempre..
Socorro Dias

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