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GENIVAL SEVERO - "O PAGADOR DE PROMESSAS"

Maciel Gonzaga*
“O Pagador de Promessas” é um filme brasileiro lançado em 1962, do gênero drama, escrito e dirigido por Anselmo Duarte e baseado na peça teatral homônima do escritor Dias Gomes. No filme, Zé do Burro é um homem humilde que enfrenta a intransigência da Igreja ao tentar cumprir a promessa feita em um terreiro de Candomblé de carregar uma pesada cruz por um longo percurso. Zé faz uma promessa à uma mãe-de-santo: se seu burro se recuperar, irá doar sua terra aos pobres e carregará uma cruz desde sua casa até a Igreja de Santa Bárbara em Salvador, onde a oferecerá ao padre local. Assim que seu burro se recupera, Zé dá início à sua jornada.
O filme se inicia com Zé, seguido fielmente pela esposa Rosa, chegando à catedral de madrugada. O padre local recusa a cruz de Zé após ouvir dele a razão pela qual a carregou e as circunstâncias "pagãs” em que a promessa foi feita. Todos em Salvador tentam se aproveitar do inocente e ingênuo Zé. Os praticantes de Candomblé querem usá-lo como líder contra a discriminação que sofrem da Igreja Católica, os jornais sensacionalistas transformam sua promessa de dar a terra aos pobres em grito pela reforma agrária. A polícia é chamada para prevenir a entrada de Zé na Igreja, e ele acaba assassinado em um confronto violento entre policiais e manifestantes a seu favor. Na última cena do filme, os manifestantes colocam o corpo morto de Zé em cima da cruz e entram à força na Catedral.
Pois bem! Em meio a todo este cenário, em meados dos anos 60 o filme é exibido por mais de uma semana no Cine Lux, em Pombal. Uma sensação de público! Um certo dia, o adolescente estudante Genival Severo de Queiroga chega ao Colégio Diocesano de Pombal logo pela manhã e
Genival Severo (Foto)
trama uma de suas muitas traquinagens. Pega alguns paus de andaimes e improvisa uma cruz. Põe nas costas e sai caminhando pelas galerias do colégio – a exemplo do personagem do filme – no momento que todos os alunos se encontravam em sala de aula, sendo açoitado por um chicote de salsa nas mãos de Manasés. Houve um verdadeiro pandemônio. Não ficou um só aluno em classe. Todos correram para ver a presepada. Até mesmo os professores. Aos poucos, alguns mais afoitos passam a seguir o novo “Pagador de Promessas” em procissão. Genival se empolga com o feito e dá sinais de se retorcer de dor a cada chicotada recebida. Eu vi, estava lá também...
De repente, surge na sacada do primeiro andar do Colégio Diocesano o enérgico diretor Padre Luiz Gualberto de Andrade. E sem acreditar no que estava vendo, ficou enraivecido. Não pelo fato em si, pois sabia se tratar de uma brincadeira de adolescentes, mas pela apologia ao filme que contestava a Igreja Católica. Enquanto o Padre Gualberto desce rápido do primeiro andar e se dirige ao encontro do “ato teatral”, a molecada antevendo o prenúncio do que poderia ocorrer se dispersa rapidamente. Genival Severo fica sozinho com a sua Cruz, mas segue a sua trajetória. O encontro com Padre Gualberto foi uma sena inesquecível. O querido educador trêmulo, enraivecido, revoltado, quase sem condições de falar, disse apenas estas palavras: “Suspenso por 15 dias!”.
Mais de 40 anos depois, na minha recente passagem por Pombal, tive a oportunidade de avaliar esse episódio com Genival Severo, sob os olhas atônitos de Clemildo Brunet.
Chegamos à conclusão de que “O Pagador de Promessas”, na visão de Dias Gomes, um comunista convicto, ao escrever a peça em 1959, buscava retratar a miscigenação religiosa brasileira, com a preocupação maior de destacar a sincera ingenuidade e devoção do povo, em oposição a burocratização imposta pelo próprio sistema católico em sua organização interior. Concordamos em gênero, número e grau que, nos moldes do "protagonismo" trágico, o herói da peça tinha um único e inabalável desígnio, o de honrar uma promessa. A justiça desse acordo firmado com um poder celeste não podia ser contestada por um poder temporal. E mais: ficou patente a incapacidade das autoridades que representam o Estado – no episódio, a polícia – de lidar com questões multiculturais, transformando um caso de diferença cultural em um caso policial.
Concluímos em conjunto se tratar de uma obra de estatura excepcional e concordamos com o dizer de Décio de Almeida Prado que se refere a ela como "um instante de graça" por ter seu autor atingido um ápice, "aquela obra que congrega numa estrutura perfeita todos os seus dons mais pessoais". Talvez, por isso, “O Pagador de Promessas” foi o primeiro (e até agora o único) filme brasileiro a ser premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o que fez o diretor Anselmo Duarte e a equipe do filme serem recebidos com um desfile público em carro aberto, ao desembarcar no Brasil após o recebimento do prêmio em Cannes. Um tema de grande complexidade ideológica e social.
*Jornalista, Advogado e Professor. Natal – RN.
GENIVAL SEVERO - "O PAGADOR DE PROMESSAS" GENIVAL SEVERO - "O PAGADOR DE PROMESSAS" Reviewed by Clemildo Brunet on 4/17/2010 07:45:00 PM Rating: 5

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