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NO TEMPO DOS PARDAIS EM POMBAL.




Por Severino Coelho Viana*

Numa tardinha, depois de uma longa caminhada pela orla marítima, reanimando a energia corporal, sentado debaixo de um pé de coqueiro, no areal da praia de Tambaú, ouvindo o MP-3, de repente, sentimos uma surpresa emotiva, momento que um pequeno pardal sobrevoava sobre o ralo capim, cisca à procura de migalhas, revoa e novamente pisca as folhas do coqueiral, com seu chilrar saudando a ventania marítima, e, coincidentemente, neste instante, ouvíamos a composição musical de Sivuca e Paulinho Tapajós, cantada por Raimundo Fagner: “No Tempo dos Pardais”, então, fizemos uma viagem mental com o acompanhamento da sonoridade musical.
O pardal é uma ave pequenina, com seu bico curto e cônico, é uma espécie bastante familiar em todas as cidades. Existem mais de 60 espécies relacionadas na Europa, Ásia, África e América. O pardal instaurou-se no Brasil nos primeiros povoados há muito tempo e hoje vive bem tanto no campo quanto nas cidades.
Este foi um sonho real e acordado, como se tivéssemos passeando pela nossa querida Terra de nascimento - Pombal. Lembramo-nos com uma profunda nostalgia o nosso tempo de menino, os pardais que voavam sobre os pés de tamarindo da conhecida Praça do Centenário, quando aquele magote de menino, cada um com seu bornal, entre o revoar dos pardais e as peraltices da vida, enchia dos frutos de tamarindo derrubados com pedras certeiras ou então o balançar das galhas pelo moleque mais afoito. “De verde nos quintais, faz um tempo atrás”. Era um viver de liberdade que a nossa modernidade destruiu. “Havia frutos num pomar qualquer de se tirar do pé”.
À tardinha, esquecíamos a Praça do Centenário, voltávamos a nossa memória e revíamos as filmagens das andorinhas com seus voos rasantes, ora raspando as nossas cabeças ora retornando aos seus ninhos na cumeeira do Castelo Velho da Rua do Sol, ocasião que
O vento da orla soprava no meu rosto e as ondas do mar murmuravam como se tudo aquilo aumentasse mais ainda aquele sonho tão visível. A melodia musical deixava qualquer ser extasiado e me fez reviver o passado. Depois do jogo de peteca era a vez do banho apressado, trocar de roupa, vestir a farda e mandar-se para o colégio. Depois da aula no vetusto Colégio Estadual de Pombal, no retorno, era parada obrigatória no busto de Getúlio Vargas, quando se varavam a madrugada, dependendo do assunto em pauta. Naquele tempo, a paz estava presente mesmo nas ruas escuras, com seus postes de madeira e escassez de lâmpadas acesas. “Nos lampiões de gás sem os ladrões atrás, tempo que o medo se chamou jamais”.
O banco da praça era o ponto atrativo de fofoca e das novidades, discussão de filmes e de partida de futebol, a alfinetas na quartelada dos generais golpistas, comentários dos dias festivos e noites de presepadas. Se quiséssemos naquele banco de praça servia de dormitório, não havia sequer uma tentativa de assalto, salvo os comensais de pães que tiravam das janelas das casas e bebiam com água de coco do atual demolido Colégio Josué Bezerra. Que pena! Saudade do Padre Solon Dantas de França!
O tempo de pardais verdes, de verde nos quintais, hoje, já não existem mais quintais e o verde dos quintais somente as crianças sabem por que eles foram transformados em contos de fadas, pois os assaltos tomaram conta das ruas e avenidas, e a violência invadiu o lar, a floresta, o trânsito, com morte constante de pessoas humanas e do ecossistema natural.
Naqueles idos podíamos cruzar a cidade a pé nas madrugadas, marcar encontros nas praças, fazer festas e sarau com o pacote de LPs debaixo do braço para levar à casa do vizinho, ou então seresta ao som do violão plangente ou do gravador ousado. O convite era feito de boca, de janela a janela das casas. E naquele tempo ainda havia namoro sob a inspiração do luar. “Só sei que enquanto houver os corações, nem mesmo mil ladrões, podem roubar canções”.
A moda antiga deve ser remodelada, mas nunca eliminada de uma vez por todas, se todo o passado for totalmente esquecido os anseios do futuro não poderão ser projetados objetivamente. Por isso, não precisamos fazer uma análise profunda para percebermos as mudanças nas cidades interioranas, e estas mudanças se processaram com rapidez, de década a década. No aspecto físico não existe mais o visual de poucas casas e aglomerados de pessoas distribuídos por bairros. No sentido de comportamento definhou a civilidade e o modo de respeito recíproco, pois os assuntos reservados ditos nos recintos dos lares saíram para as bocas debochadas na esquina de qualquer rua, na mesa de qualquer bar, com realce na patota de conhecidos fofoqueiros.
A convivência humana diminuiu assustadoramente a forma de cordialidade, o viver pacato e ordeiro dos vizinhos que colocavam as cadeiras nas calçadas e as conversas que se prolongavam até altas horas da noite, tudo ficou resumido nas anedotas do passado, pois, o que permanece com muita evidência são os fuxicos ditos e remetidos pelo aparelho celular.
A violência não é somente verbal, mas física, além do temor a partir dos pequenos furtos aos assaltos estarrecedores que ocorrem no percurso da periferia ao centro da cidade.
Os tempos de pardais transformaram-se nos bandos de lobo insaciáveis à procura do patrimônio alheio. Onde está aquela pequena cidade com as janelas abertas à noite? O pânico tomou conta dos lares, o perfil pacato e receptivo das cidades do interior afundou-se no campo minado da violência urbana. Onde encontrar as praças cheias de criança brincando, aposentado jogando dominó e casais de namorados se beijando tranquilamente?
O medo fez erguer grades nas janelas, aumentar a altura do portão, comprar um cachorro pit bull e instalar uma cerca elétrica.
Recorde a música No Tempo dos Pardais e compare!?

Era uma vez
Um tempo de pardais
De verde nos quintais
Faz muito tempo atrás

Quando ainda havia fadas
Num bonde havia um anjo pra guiar
Outro pra dar lugar
Pra quem chegar sentar

De duvidar, de admirar
Havia frutos num pomar qualquer de se tirar do pé
No tempo em que os casais podiam mais
Se namorar

Nos lampiões de gás sem os ladrões atrás
Tempo em que o medo se chamou jamais
Veio um marquês de uma terra já perdida
E era uma vez se fez dono da vida

Mandou buscar cem dúzias de avenidas
Pra expulsar de vez as margaridas
Por não ter filhos, talvez por nem gostar
Ou talvez mania de mandar

Só sei que enquanto houver os corações
Nem mesmo mil ladrões
Podem roubar canções
E deixa estar, que há de voltar

O tempo dos pardais
Do verde dos quintais
Tempo em que o medo se chamou jamais.

João Pessoa, 19 de maio de 2010.
*Pombalense, Promotor de Justiça em João Pessoa PB.
NO TEMPO DOS PARDAIS EM POMBAL. NO TEMPO DOS PARDAIS EM POMBAL. Reviewed by Clemildo Brunet on 5/20/2010 05:56:00 AM Rating: 5

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