banner

BEM-TE-VI CANTADOR.

Paulo Abrantes de Oliveira*

Andava envolvido com a festa de entrega da Medalha de Clemildo e, não ligava que quase todas as manhãs, um arisco e desconfiado bem-te-vi vinha despertar-me com seu estridente e invariável canto. Já fazia tempo que não aparecia por aqui. Voando sobranceiro, vem pousar na copa de meu pé de goiaba ou no último andar do prédio ao lado, posado na antena de televisão, dando para avistá-lo da janela do quarto.
Ali, bem protegido e firme, solta seu canto benfazejo nas explosões das manhãs tropicais, como se a saudação matinal fosse também um canto de esperança, num mundo de tantas desigualdades, angústias e desencontros.
- Beem-te-vii!
Lá fora, o canto sonoro. Cá dentro, o coro de “cancãos” na formidável e costumeira alvorada. Todos saudando a natureza, o belo espetáculo do amanhecer.
A sinfonia encoraja a todos e nos faz esquecer as canseiras do dia-a-dia, a labuta fatigante em busca da sobrevivência.
Cantos alvissareiros, cantos de alegria, cantos de boas novas, cantos de vitória da seleção brasileira. De dias melhores para o povo brasileiro. Para o assalariado, em particular, que anda sufocado. Para o trabalhador sofrido, às voltas com o pesadelo do desemprego. Todos com seus desafios e obstáculos a enfrentar.
As lendas infantis, contadas na roça, ajudaram a excluir o bem-te-vi e a fogo-apagou da pontaria das balieiras. Lendas relacionadas a José e Maria, levando o menino Jesus, na fuga para o Egito.
O frágil passarinho, cantando altaneiro, leva-me aos primaveris anos vividos sob a sombra gostosa das ingazeiras e dos pés de cajás florados, lá na roça de Ana, em Pombal. Na reflexão nostálgica, vejo-o saltitando de copa em copa de centenárias árvores, que enfeitavam as margens do rio Piancó. Ou pousando nas franjas da serra do Moleque e bicando águas cristalinas que jorravam de fontes perenes do riacho Gado Bravo. Hoje, quando vejo o inverno fraco, nem sei se as fontes secaram ou deixaram de borbulhar. Não sei se as enchentes do riacho Gado Bravo ainda fascinam a meninada travessa dali, como nos tempos de meu primo Tozinho.
Seja lá como for, cumprida a missão de alegrar as manhãs, o abençoado bem-te-vi alça vôo e se lança livre no céu, em plena e franca liberdade de voar. Para outras missões, para outros brindes matinais.
* Engenheiro Civil
BEM-TE-VI CANTADOR. BEM-TE-VI CANTADOR. Reviewed by Clemildo Brunet on 6/19/2010 02:26:00 PM Rating: 5

Nenhum comentário

Recent Posts

Fashion