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NO TEMPO DA RUA DA CRUZ


Jerdivan Nóbrega de Araujo*

Quando o silencio da madrugada era rompido pela voz de Pixico acompanhado pela viola de Bideca, janelas se abriam para que os acordes passeassem suave por todos os quartos, salas e cozinhas das casas melhores situadas da nossa cidade.
Uma voz e um dedilhado de viola que descia da Rua da Cruz para o deleite das classes melhores localizadas, era o único elo entre duas classes sociais completamente antagônicas.
Rua da Cruz da voz de ouro de Pixico e também das maiores ceramistas da região. Eram artistas como dona Lica, mãe de Dora de Filemon, Negra Gera, como carinhosamente a gente a chamava, mãe de Negro Paulo e Sofom, casada com Zé Bezerra, Zulmira, casada com Biuzão, aquele que toda noite dormia em pé em frente ao Cine Lux, na primeira sessão noturna, acordando somente ao termino da segunda sessão, sempre no mesmo local, esquina da casa de Dr. Avelino Queiroga
Maria, esposa de Bembém, Regina e suas meninas, que além de ceramistas, cultuavam o folclore de imagens infantis moldadas no barro tais com bois, vacas, jumentos, caboclos e caboclas, bonecas e animais em profusão de cores, tudo que vivenciava o imaginário infantil.
Jubinha e esposa, também dois ceramistas de mãos•cheias, sem falar dona Biu, esposa de Zè de Rosa, Grande pescador, pai de Corró e Gesci.
Nesse núcleo de produção várias famílias da Rua da Cruz se dedicaram a fabricação de mercadorias de uso doméstico. O objetivo era servir a população através da disponibilidade de uma diversidade de vasilhames utilitários, usados no dia-a-dia nas atividades domésticas do nosso povo. Eram potes, panelas, pratos, copos, aguidares, xícaras, chaleiras e até filtros de água, todos manufaturados pelas mãos habilidosas dos moradores da Rua da Cruz.
A produção que era comercializada aos sábados, encantava os turistas quando em visita a cidade.
A Rua da Cruz abrigava ainda um dos mais importantes grupos folclóricos da cidade: O Reizado.
Era daquela comunidade Chico Espalha, seu Bembém, Papagaio de Euclides, que era doador de sangue universal, e nunca usava camisa, "bode velho", Fael, Maria de Benigna com seus porres, Severino de Adília, grande padeiro, "doutô Espalha", grande violonista músico dos bons, como todos os Espalhas, Reizinho da Cal, Zé de Souza do depósito de madeira, Zé Branco da bodega, Joda, figura impar no carteado, Tié, Zé de Bú, Mané das broas, Júlio Barbosa, Leônidas da padaria, (depois vendida a seu Oliveira), Chico Mascena, Zé Herculano, Mané de Bomba, os cachaceiros Valério e Estelita, Zé Canhin, Miquiquio, Zuruê, Nêgo Indio, Nêgo Tanga, Cachorra Velha, Tuzin de Jubinha, e tantos outros que fizeram a história da Rua da Cruz.
Lugar de profissionais das mais diversas especialidades: eram pintores de parede, pedreiros, ceramistas, pescadores, flandeleiros como os imãos Lau e Otavio, desgotadores de fossas, pegadores de passarinhos, caçadores, carpinteiros e agricultores.
Bons tempos da Rua da Cruz de casas humildes e espaças, construídas em taipas e sapé com seus terreiros de chão batido e sem iluminação pública, “escritas na frente que era um lar”, onde à noite as estrelas desciam para alegrar as histórias contadas a luz de lamparinas, embalando os sonhos dos jovens e adultos que lutavam pela sobrevivência carregando a sua cruz sem perder a alegria de viver.
*Escritor pombalense
NO TEMPO DA RUA DA CRUZ NO TEMPO DA RUA DA CRUZ Reviewed by Clemildo Brunet on 7/20/2010 06:21:00 AM Rating: 5

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