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AS ALMAS PENADAS DO RIACHO DO BODE

Ignácio Tavares de Araujo**

Ignácio Tavares
O Riacho do Bode nasce na região leste da cidade e toma a direção oeste até desemborcar no Piancó. É um riacho de muitas estórias desde os tempos de antão. Às suas margens nasceram vários pés de oiticica que fazem as noites mais sombrias para aqueles que buscam os sítios localizados na região norte do município de Pombal.

Cada um dos passantes da área tinha uma estória para contar. Certa vez, Aurélio, morador do Sítio Ramada atrasou-se um pouco, em razão disso perdeu a comitiva que seguia a mesma direção. Ficou sozinho pra enfrentar a caminhada. Partiu confiante de que em breve estaria chegando em casa.

Ao se aproximar das duas oiticicas, antes de tomar a estrada que dava para Lagôa das Éguas, a burra freou de repente e refugou a continuar. Aurélio disse que esporou o animal e nada. Desesperado com a situação pensou: o que é que vou fazer agora com essa danasca emperrada sem querer sair daqui?

Alguma coisa estranha pareceu a sua frente. Dada a escuridão não foi possível identificar o que era a tal coisa. Começou a se arrepiar. De repente uma mulher toda de branco, que estava por trás do tronco da oiticica passou em sua frente. O pior de tudo isso é que a burra desembestou em direção a cidade e não teve mais como dominá-la. Resultado: se quis ir pra casa teve que tomar a estrada de rodagem até chegar à ponte do areal para poder pegar novamente a estrada da ramada, com uma diferença de quase dois quilômetros.

Sendo sabedor dessa estória Joatão deu outra versão ao acontecimento que deixou Aurélio em polvorosa. Como sempre Joatão gostava de sair de casa para as pescarias por volta de nove horas da noite. Com ele, seguia o seu famoso cachorro Caçada, considerado o animal mais inteligente da região. No ombro carregava a inseparável espingarda de dois canos e duas varas de anzol. No embornal levava as iscas, um cobertor para os momentos de frio e um candeeiro para iluminar o ambiente e caso de necessidade.

Segundo Joatão, ao se aproximar das mesmas oiticicas aonde a burra de Aurélio refugou passar, sentiu que a sua frente havia uma marmota, que não sabia bem o que era. Quando chamou por Caçada, disse que só viu o vulto dele, que correu em desabada de volta para casa. Imaginou: pronto agora estou sozinho.

Não vou passar em baixo dessas oiticicas enquanto não descobrir que mistério é esse. Se essa alma está pensando que sou Aurélio, está enganada. Tirou a espingarda de dois canos do ombro, escorou-se numa estaca da cerca e ficou a observar.

De repente sai uma mulher detrás do tronco da oiticica. Armou o gatilho da espingarda e disse: se essa alma dè um passo em frente eu toco fogo nela. Lá vinha a alma em sua direção. Suas pernas ficaram bambas de tanto tremer. Criou coragem e perguntou: quem é você? Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Nada de resposta. Então, apontou a espingarda, porem, que quando ia apertar o gatilho, a alma falou: seu Joatão, pelo amor de Deus não atire em mim! Conheci a pessoa pela voz. Era gente graúda da sociedade e tinha mais, era uma pessoa do meu conhecimento. Continuou: era uma importante criatura que estava a esperar uma pessoa para um encontro amoroso. Alguém perguntou: quem era então essa criatura Joatão? Ah, meu amigo, eu jurei por todos os santos que jamais revelaria o nome dessa pessoa para ninguém.

Hoje, somos bons amigos. Às vezes quando a gente se encontra no meio da rua, bem baixinho, só pra nós dois, trato do assunto e a gente ri a vontade. Esta é uma das estórias cabeludas de Joatão, entre tantos outras que frequentemente costumava contar. Quem se divertia bastante com essa estória era o saudoso amigo Pedoca de Déca.

Outro acontecimento foi contado por Vital pescador, o pai de Zé Corró. Vital costumava dizer que o Riacho do Bode era um coito de almas penadas. Dizia ainda que nenhum pescador tem coragem de passar sozinho naquela região, nas primeiras horas de escuridão. Eu mesmo já perdi duas alpercatas e uma cabaça cheia de peixe de uma carreira que levei. Continuou: eu vinha do Poço da Panela, depois de uma boa pescaria. Para encurtar o caminho vim pela estrada que fica no pé da serra do sítio Bom Jesus, que vai dá no Riacho do Bode. Ao caminhar riacho acima, comecei a ver coisas estranhas. Fiquei cismado, mas, dei continuidade a minha caminhada.

De vez em quando uma pessoa soprava nos meus ouvidos. Parei olhei para um canto e para outro não vi ninguém. A essa altura já pensava em correr, mas, a cabaça cheia de peixes, que trazia na cabeça, impedia porque pesava muito. Num dado momento, não foi apenas uma pessoa a soprar nos meus ouvidos, foram duas. Aí meu amigo não teve jeito, desfiz-me das alpercatas, joguei a cabaça com os peixes fora e pernas pra que te quero. Em pouco tempo estava na porta de casa.

Maria, sua esposa levantou-se ao ouvir o seu chamado com a voz ofegante. Maria estranhou a situação e perguntou: ô xente, que cansasso é este homem de Deus? Cadê a cabaça com os peixes? Respondeu vital: ora, ora, deixei lá no Riacho do Bode. Por que Vital? Perguntou Maria. Vou lhe contar ligeiramente: duas almas me perseguiram e tive que jogar fora a cabaça cheia de peixe para poder chegar em casa vivo. Insatisfeita Maria perguntou: por que você não fez uma reza forte? Vital responde: e deu tempo? Ah Maria, você queria que eu caísse duro de medo lá no Riacho do Bode? Cruz credo! Retrucou Maria: sabe o que é isso? Se você não sabe, eu sei, viu? É porque você não gosta de rezar. De cabeça baixa, Vital respondeu: você tem toda razão!! Juro por todos os Santos que na semana que entra vou me confessar com Padre Valeriano. Tenho a crença de que sem pecados as almas vão ficar com medo de mim, invés d’eu ter medo delas.

Vital continuou a pescar, mas sem passar pelo Riacho do Bode, mesmo a plena luz do dia. Há estórias e estórias sobre as assombrações no Riacho do Bode, tanto quanto as estórias que contam sobre assombrações que atormentam os passantes que trilham pelos caminhos das oiticicas do Riacho do João Rodrigues.

Conclusão: quem tem medo de almas, evite esses lugares, principalmente depois da meia noite.

**Escritor, filho da terrinha.
AS ALMAS PENADAS DO RIACHO DO BODE AS ALMAS PENADAS DO RIACHO DO BODE Reviewed by Clemildo Brunet on 8/24/2010 05:54:00 AM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Belo texto texto! e é por isso que eu estou organizando um livro em parceria com Ignácio Araújo com textos como este. São 50 textos da nossa lavra que servirá para consolidar a memória da nossa terrinha, como diz Ignácio “antes que eu esqueça”. Esse nosso trabalho, com textos publicados no blog de Clemildo e na Liberdade96 é mais uma tentativa de registrar as histórias e estorias, com nomes de pessoas e lugares e fatos da nossa cidade.
É uma ode de amor a terra dos nossos ancestrais. O Pombalense que viveu os anos 50, 60 e 70 e trás na sua pele tatuado o mapa de uma época cheia de fatos românticos e engraçados; os que ainda vivem na cidade e, principalmente os que foram em busca de melhores dias e nunca mais voltaram a terrina, mas, mesmo longe não esquece a velha Pombal, são estes pombalenses o destinatário do nosso trabalho.
São fatos que aconteceram “EM ALGUM LUGAR CHAMADO POMBAL”,

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