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VOLTAR À NATUREZA

Paulo Abrantes em sua casa de campo

 Paulo Abrantes de Oliveira*

Ontem, estive na casa de campo, em Sapé, chovia muito e sentíamos um frio sibilando na noite, que jamais supúnhamos pudesse fazer em outro lugar. O céu, entrecortado de trovões e relâmpagos refletia clarões de fogo por toda parte. Eu que tive uma curta e saudável experiência rural, mas trago bem viva na lembrança daqueles tempos de inverno forte em Pombal, quando eu ia para Gado Bravo, fazenda de meu avô paterno, lá pelos meados da década de 60, quando o riacho cheio sussurrava ao longe, partindo em desabalada correnteza e os vultos espessos dos pés de cajás se curvavam á força do vento, cujos barulhos conferiam á paisagem algo de mal-assombrado. Chegar até lá, de Rural Willys, para passar as férias com meu primo Tozinho, era puro encantamento.

Se a casa era boa ou ruim, pouco nos interessava, sei que se espiava o mato pelas duas janelas da frente, tinha uma pequena varanda acolhedora o suficiente para abrigar a família e amigos, para contar segredos, guardar sonhos, amores, ódios e afilições. Eu e Tozinho éramos pequenos demais, a cabeça repleta de visões. O pensamento fértil e a imaginação latejando insistentemente corriam mais que o cavalo de Padim João, meu avô. Ali, deitadas, mansas e impassíveis diante dos acontecimentos, só ficavam mesmo as duas vacas de Padim João, amoitadas debaixo da latada, do lado esquerdo da casa. Para eu e Tozinho, pouco ou quase nada de paz nos interessava. O interesse estava no que se movia, no fragor das águas do riacho cheio que descia fragoroso em desabalada correnteza, ecoando um estalar de troncos e ramos partidos, que mais parecia um dilúvio arrastando tudo que estivesse á sua frente, espalhando pânico e medo nos moradores do casarão velho da fazenda, que para nós dois, com menos de dez anos, tudo adquiria uma dimensão que provavelmente não tinha.

As roças, os currais de gados e riachos eram nossos lugares preferidos, tamanho era o prazer de sentir o encanto da natureza, exalando o cheiro bom do velame e da alfazema braba. À noite, na sala, tio Chico sabia contar histórias e contava-as com uma precisão visionária incrível. Todos achegavam mais perto dele para escutá-las. Eram sombrias, sonolentas, cheias de assombrações que íamos para a cama com a sensação de quem assistira a um filme de terror. Apesar do terror que nos impregnava até os ossos, o ambiente rural nada tinha de ameaçador. O sono batia logo e o pouco que sabíamos da horripilante estória, ia se dilacerando na noite - e á medida que se aprofundava íamos vendo pouco e pouco se distanciar o episódio que viera dos lábios murchos e gretados de Tio Chico numa noite de tempestade em que os relâmpagos pareciam dilatar ainda mais as pupilas do terror.

As manhãs sempre explodiam cheias de frescor e os dias corriam preguiçosos como rios de planície, que nem sentíamos as férias acabarem.

Eu subia invariavelmente, na cajazeira e ficava olhando Tozinho correr atrás de cajás maduros na correnteza do riacho que descia fragoroso brilhando ao sol. No quintal, o correr do tempo se marcava pelo canto dos passarinhos e do cantar estridente dos galos no terreiro.

O certo é que sentimos a falta do campo na cidade grande, ele está presente no consciente daqueles que um dia teve um convívio rural. Hoje, há muitos, que buscam as grandes cidades, por razões que justificam: estão se mudando a procura de emprego; de escola superior para educar seus filhos, de novas companhias para fugir da solidão. O fato é que a nostalgia do campo está presente em muitos de nós. Muitos cantam sua volta á natureza, porque o campo é um lugar mágico, saudável, de ar puro, cheio de autenticidade e de pessoas com características simples e sinceras. Voltar à natureza é o quanto sinto ao chegar a esta casa de campo, por mais simples que seja a morada, é uma dádiva que Deus me deu para tê-la e senti-la com o mesmo encanto de uma propriedade rural no nosso sertão.
Granja S. Lucas de Paulo e Ana Rosa

* É engenheiro e escritor.
VOLTAR À NATUREZA VOLTAR À NATUREZA Reviewed by Clemildo Brunet on 8/21/2010 02:40:00 PM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Paulo, esse cheiro de caja , araça, goiaba e outras frutas ainda ta em nós. A o roça de Ana "Outra Banda", ou "Araçá" fez parte da nossa vida. Bom mesmo era atravessar o rio a nado ou na Canoa de Mestre Alvaro que era filho de Ana.Acho que os filhos de Pombal de hoje jamais vão nos entender. Jamais vão saber o que é cheiro de chuva de terra molhada. Bom que ainda temos memria para escrever estas histórias antes que o tempo apague de nós. Belo texto, belos dias foram os nossos. JERDIVAN

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