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A FAMÍLIA "ESPALHA" E SEUS MENESTRÉIS...

Prof° Vieira (Foto)
POR FRANCISCO VIEIRA*

É comum o uso de apelidos entre as pessoas, alguns restritos a um só indivíduo, outros vão além da individualidade. Indo mais adiante, essa prática às vezes toma dimensão abrangente se estendendo a famílias inteiras. Nesse aspecto e a título de exemplo, podemos citar as famílias “Pandeiro” e “Maniçoba”, notadamente as maiores e mais tradicionais de Pombal, assim como outras de igual valia, cujos nomes venceram o tempo se estabelecendo como marcas registradas.

É certo que os caracteres biológicos assemelham seus indivíduos, mas cada família se destaca pelas suas habilidades, segundo a vontade divina, afinal, tudo provém de Deus. São dons passados de geração em geração que se manifestam no diversificado e infinito campo das artes, tais como: pintura, literatura, poesia, música, etc. É a certeza de que a força da herança nos assegura a perpetuação da espécie e a transmissão dos dons. Assim, numa exaltação a arte, enalteço a importância dos “Pereira de Mendonça” ou “Espalha”, ilustre família de nossa terra.

A origem do apelido remonta ao Séc. XX. É simples e hilariante. Senão vejamos: segundo Carmélia – filha de Chico Espalha – esta denominação deve-se ao fato de que seu avô paterno de nome Zé Espalha, além de ser um homem de mesa farta mostrava-se ainda hospitaleiro e cortês. Dado seu espírito receptivo costumava oferecer diariamente café a todos que visitavam sua residência nas proximidades da Rua do Fogo, para quem colocava assentos ou “espalhava”, na linguagem mais comum. Conta ainda que para atender a demanda o mesmo era feito em lata de querosene, tão grande era o contingente de pessoas que por ali passavam. A prática tornou-se uma constante de forma que os freqüentadores diziam em tom de brincadeira: vamos ao café que Zé já “espalhou” os bancos. Daí, a denominação “Espalha” foi dada a todos os seus descendentes e familiares se difundindo por toda região.

Por outro lado é sabido que a família tem grandes afinidades musicais manifestadas desde os primórdios. Segundo versão do grande pesquisador e historiador Verneck Abrantes, portanto, fonte fidedigna é que a família desde cedo já dava ares dos talentos artísticos que viriam mais tarde se tornar uma referência. Conta o historiador que em 1938, Mário de Andrade, então pessoa influente do Departamento de Cultura de São Paulo, mandara a Pombal uma caravana com a finalidade de pesquisar o nosso folclore tendo passado na cidade do dia 9 a 11 de abril de 1938, no exercício da missão. Na ocasião gravou Pedintes, Modas de Viola, Belarmino de França como repentista, Congos, Chula, Modinhas, etc. Enfim gravou um coco na voz de Francisco Pereira de Mendonça ou Chico Espalha, conforme encontra-se impresso na gravação. Com certeza a partir daí o nome “Espalha” teve origem com a difusão da música nos arredores de Pombal. Da expressão Chico ”espalha o ritmo”, “espalha a música”, deu-se a denominação da hoje conhecida “Família Espalha”.

A família é constituída de gente simples, humildes e pacatas. São pessoas devotadas ao trabalho como fonte de sobrevivência. São mansos e de fácil relacionamento com o semelhante sabendo cultivar grandes amizades. Em suma de boa índole, portanto, digna do respeito de todos.

Destaca-se, sobretudo, pelos dons artísticos direcionados a música, qualidade tão evidente que tornou a família um referencial no município e região na arte de tocar e cantar. Embora não exista privilegiados para Deus, com certeza, “Os Espalhas”, são agraciados pelos dons que receberam. É que Deus escolhe as pessoas para manifestar seus infinitos poderes.

A música está para os “Espalhas”, assim como o orvalho está para a planta. Existe grande afinidade entre ambos, uma relação íntima entre a família e a arte; e não há como negar. Essa tendência musical está nas entranhas, é um elemento a mais no sangue “espalha”. Perdoe-me a ousadia, mas desconheço algum dentre eles desprovido desse talento. Não há um sequer que não tenha o mínimo de afinidade com a arte. Senão um exímio violonista ou destacado cantor, com certeza notável percussionista. Quer numa orquestra, conjunto musical ou escolas de samba animando as campanhas políticas o talento da família está presente.

A tendência musical da família vem desde os primórdios. As primeiras manifestações vocacionais surgiram através de Chico, Severino, China e Dr. Espalha. Eles foram os precursores que deram origem ao que se transformou numa paixão e tradição familiar. Foram eles que levados pelos mesmos sentimentos românticos e agrupados pelos mesmos ideais formaram os primeiros grupos de seresteiros de Pombal. Anos depois, como que preservando a tradição surgiram outros como: Leonardo, Dedé, Cícero, Chico de João Espalha, todos sob a batuta dos mestres Bideca e Chico de Doura, hoje tocando e cantando no conservatório do céu.

Quem não lembra com saudade desses tempos dourados. Vez por outra nos deparávamos com o grupo reunido em rodas de samba. Quer fosse em bares, casa de amigos ou serestas, era sempre uma festa. Era a oportunidade de presenciar grandes músicos e se deleitar ao som de violões cadentes muito bem dedilhados e músicas bem interpretadas. Era a união perfeita; o sincronismo do útil com o agradável.

De forma bem particular tenho bem vivas na memória as noitadas na residência de “Seu João Espalha”, que também se destacou como tocador de realejo de sopro e bumba na filarmônica municipal e orquestras carnavalescas. Esses encontros musicais aconteciam quando Chico, seu filho, vinha a passeio trazendo as novidades do Rio de Janeiro. Ali não só tocavam e bebiam como jogavam conversa fora. O bom é que lá eu tinha entrada franca, pois era amigo de infância de seus filhos Joãozinho e Arereu – ambos de saudosa memória – e me sentia privilegiado por isso. Era a família “in concert”, onde inclusive as mulheres também mostravam suas habilidades provando que Deus não faz discriminação. Aí se destacava Zoraíde, a quem eu tributo uma das vozes femininas mais bonitas que já ouvi. Costumo dizer que era uma Ângela Maria menor.

O grupo tinha público garantido. Era impossível resistir ou passar despercebido diante de tão agradável tentação. Apreciar por alguns minutos podia se transformar em horas. É que a música em sua linguagem universal, principalmente quando bem executada, envolve a todos. Sua ação desmaterializa o homem que faz sua alma submissa a imaginação. Ninguém questiona o poder da música e seus efeitos sobre a humanidade.

A música não é apenas uma diversão, é mais que uma arte. Ela consiste num conjunto sincronizado de ritmos, harmonia e melodia, capazes de gerar sentimentos contraditórios como: calma e ansiedade, paz e medo, rir e chorar, alegria e tristeza, enfim, alterar o comportamento humano. É que a música trabalha com a sensibilidade unindo os sentimentos e as pessoas, portanto, arte por excelência, cujos efeitos são tão antigos quanto a história da humanidade. Segundo I Samuel: Capítulo 16, versículo 23, consta que Davi tocava harpa para aliviar a depressão decorrente dos ataques de fúria do rei Saul.

É evidente que a “Família Espalha” é parte integrante de Pombal e sem ela nossa história seria outra, no mínimo sem brilho. Sem ela o escuro das noites seria sinistro. O silêncio das madrugadas um calar sombrio, pois faltaria o amor e encantamento traduzido pelos acordes de um violão plangente dedilhado por Bideca e sua turma em serenatas regadas de canções eternas e melodias inesquecíveis.

Antes, porém, que a modernidade destrua velhos costumes; que os valores afetivos se intimidem diante da predominância econômica afastando o sentido de família, fica este registro como tributo. Meu intuito é exaltar nossa história e torná-la perpétua, senão duradoura e acessível às novas gerações.

A “Família Espalha”, pelas qualidades e habilidades artísticas se constitui um bem patrimonial da nossa cultura, Preservá-lo é nosso dever. Silenciar seria omitir e omissão é pecado, crime e injustiça. O silêncio seria a mortificação da cultura gerindo a ignorância dos fatos e inexistência da história. Quanto alento para os nossos corações! Quão bela e fascinante é a inspiração! Que vaidade para nossa terra. Quão prodigiosa é A “FAMÍLIA ESPALHA E SEUS MENESTRÉIS..

Pombal, 30 de janeiro de 2011.
*Professor, ex-Diretor da Escola Estadual "João da Mata", Ex-Secretário de Administração do Município de Pombal.
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