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O BOIADEIRO

Severino C. Viana
Por Severino Coelho Viana*

A expressão viva do cantor ou do repentista que lamenta as tristezas e enaltece as alegrias nas caatingas e nos cerrados do sertão nordestino, cuja inspiração é identificada como dom Divino. O aboio, por si só, é o cântico mágico pela criatividade.

Historicamente, a força propulsora da economia do Brasil Colônia que residiu muitos anos nos engenhos produtores de álcool e de açúcar, nas conhecidas moagens. Utilizando-se a força animal, por excelência, o boi, equivalente nos dias de hoje ao indispensável motor elétrico.

Para cuidar das boiadas e de outros animais do pasto, nasceu dessa atividade um tipo característico, conhecido pelo nome de Carreiros ou Boiadeiros.

O Boiadeiro é, antes de tudo, um homem forte, plagiando Euclides da Cunha, másculo, jovial, ingênuo, respeitador, valente, namorador, sincero, companheiro, resistente, trabalhador e muito festeiro, além de dançarino e tomador de pinga. Suas propriedades se restringem ao cavalo de sua predileção, a sua rede tarimba de capim seco, um céu cheio de estrelas e uma viola dependurada na parede da casa de taipa ou pendurada nas costas que carrega os lamentos de sua vida e testemunho plangente dos ardores e dos cantares.

Freguês acatado dos alambiques de todas as religiões, sua “prova” é disputada e, de acordo com seu gosto, garante a fama da cachaça local. Sua exclamação “arre égua” complementada pelo tom arraigado: “esta é boa!”, é selo de qualidade, daí passa para a mistura de mel e gotas de limão e, lambendo os beiços, esperto despede: “Adeus, meu camarada, até de repente, até outro dia, até outra hora...”

É contumaz tocador de viola, compulsivo dançador, cantador, súbito nos repentes, sem contar com chistes e provocações certeiras, maliciosas, mas sem dano maior à responsabilidade de quem quer que seja. Sua prenda maior, além da “menina do sobrado”, é ser amigo de todos, bornal sempre aberto a qualquer camarada que precise da rapadura, do jabá, da farinha e do imprescindível cigarro de palha.

Não se ilude com a posse das boiadas, das fazendas e estâncias do patrãozinho terreno. Hoje, num passe miraculoso, sai da campina astral e manifesta-se nos milhares de Terreiros, levando para todos: energia e orgulho pátrio. Mas também vê com tristeza que os “bóias-frias”, os “sem-terra” explorados, espoliados são parte de sua família, são manadas de almas à mercê dos latifúndios, multinacionais impiedosos, na gana do imperialismo dos bens produtivos de terra, bem comum de todos os brasileiros.

Os Boiadeiros são entidades que representam a natureza desbravadora, romântica, simples e persistente do homem do sertão, “o caboclo sertanejo”. São os Vaqueiros, Boiadeiros, Laçadores, Peões, Tocadores de Viola. O mestiço Brasileiro, filho de branco com índio, índio com negro e negro com branco e assim vai. Os Boiadeiros representam a própria essência da miscigenação do povo brasileiro: nossos costumes, crendices, superstições e fé. Ao amanhecer o dia, o Boiadeiro arrumava seu cavalo e levava seu gado para o pasto, somente voltava com o cair da tarde, trazendo o gado de volta para o curral.

Nas caminhadas tocava seu berrante e sua viola cantando sempre uma modinha para sua amada, que ficava na janela do sobrado, pois os grandes donos das fazendas não permitiam a mistura de empregados com a patroa. É tal e qual se poderia presenciar do homem rude do campo.

Durante o dia debaixo do calor intenso do sol, ele segue tocando a boiada, marcando seu gado e território. À noite, voltando para casa, o churrasco com os amigos e a família, um bom papo, ponteado por um gole de aguardente e um bom palheiro, e nas festas muita alegria, nas danças e comemorações. Sofreram preconceitos, como os “sem raça”, sem definição de sua origem.

Ganhando a terra do sertão com seu trabalho e luta, mas respeitando a natureza e aprendendo, um pouco com o índio: suas ervas, plantas e curas; e um pouco do negro: seus Orixás, mirongas e feitiços; e um pouco do branco: sua religião (posteriormente misturada com a do índio e a do negro) e sua língua, entre outras coisas da interação cultural. Dá mesma maneira que os Pretos-Velhos representam a humildade, os Boiadeiros representam a força de vontade, a liberdade e a determinação que existe no homem do campo e a sua necessidade de conviver com a natureza e os animais, sempre de maneira simples, mas com uma força e fé muito grande.

O caboclo boiadeiro está ligado com a imagem do peão boiadeiro - habilidoso, valente e de muita força física. Vem sempre gritando e agitando os braços como se possuísse na mão, um molho de corda grossa para laçar um novilho. Sua dança simboliza o peão sobre o cavalo a andar nas pastagens. Enquanto os “caboclos índios” são quase sempre sisudos e de poucas palavras, é possível encontrar alguns boiadeiros sorridentes e conversadores.

A VIOLA - Dimas Batista Patriota.

Velha viola de pinho, companheira!
De minh’alma, constante e enternecida,
Foste tu a intérprete primeira
Da primeira ilusão de minha vida.

Eu, contigo, cantando a noite inteira,
Tu, comigo, tocando divertida,
Sorrias, se eu louvava a brincadeira,
Choravas, se eu cantava a despedida.

Nas festas de São João, nas farinhadas,
Casamentos, novenas, vaquejadas,
Divertimos das serras aos baixios!

Perlustrando contigo pelo Norte,
Foste firme, fiel, feroz e forte,
No rojão dos ferrenhos desafios!

João Pessoa, 05 de janeiro de 2011.
*Promotor de Justiça e escritor.
O BOIADEIRO O BOIADEIRO Reviewed by Clemildo Brunet on 1/05/2011 11:12:00 AM Rating: 5

2 comentários

Anônimo disse...

Tenho sempre lido os textos, artigos, histórias, causos, relatos que são escritos por diversos amigos e postados no Blog do Nosso amigo Clemildo; todos são merecedores de aplausos, pois nos fala com uma linguagem clara, expressando os mais belos e tenros sentimentos do ser humano e com riqueza de detalhes descreve cada individuo de que o texto se propoe. Quero aplaudir o amigo por todos os textos já aqui postados, mas este; "O Boiadeiro", aumento o som dos aplausos, dou um abraço em nome de todos os guerreiros dos campos, verdadeiros homens que dedicaram suas vidas a cuidar do rebanho, cantar suas prosas, bebericar pelas suas andanças e viverem na simplicidade sem terem ambições. Como é bom poder ler e ver como a simplicidade dos homens era vivida anteriormente a esta evolução cibernetica, pois o progresso é benefico para evolução, mas as coisas simples que nos deixaram exemplos de bondade, simplicidade, permanecem em nossos corações, é prazeroso poder saber que conheci, vivi com as coisas do campo, mesmo tendo nascido na cidade, tive a oportunidade de ver vaqueijadas, boiadeiros, vaqueiros,agricultores arando a terra, um boi com o cultivador e o homem dirigindo. Mas a evolução, as maquinas a cada dia tomando o lugar do homem, pois os minutos, as horas, os dias, meses e anos, são contados em uma planilha de custos para empresas de todo ramo, elas vivem em busca de um maior faturamento econômico, o velho e avassalador capitalismo selvagem que é como um grande trator, derribando tudo que vem pela frente para que se lucre mais. Porisso que eu amo o campo, as coisas da natureza, o homem em si, seus valores mais simples e humanos, onde os sentimentos pueris dotados de pureza eram cultivados.
Parabéns Dr. Severino, deus continue te iluminando para que possa nos presentear com textos bem elaborados pelo seu conhecimento vivido e por suas pesquisas, pois deus concede inteligência ao homem para que ele possa distribui-la por meio da palavra escrita, falada.

adriano fernandes disse...

Gostaria de parabenizar o amigo professor Vieira pele belo artigo sobre a familhia Espalha. Tive o prazer de conhecer um dos membros desta conceituada familhia o saudoso Bideca,sereseteiro por oficío e boemio por natureza. A sua ausencia hoje sentida por todos que com eles conviveram me fazem refletir, "Belos tempos,Belos dias"

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