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AGRICULTURA NO SERTÃO: Mudar é preciso. Versão I

Ignácio Tavares
Por Ignácio Tavares*

Afirmar que a agricultura no sertão paraibano está à beira da extinção não é exagero. Os números de Patos e Cajazeiras indicam que em breve pouco restará da antiga e pujante agricultura sertaneja, isto é, se nos próximos anos nada for feito para reverter a tendência que ora se apresenta. Para melhor entender essa questão, foi demonstrado, no texto anterior, que o setor primário dos dois municípios, em questão, está a contribuir com apenas 1,4% na formação dos seus respectivos PIB, conforme os valores apurados em 2008.

Nos municípios de Pombal, Sousa e Catolé do Rocha, o setor primário faz-se mais presente na formação dos seus respectivos PIB, porem, numa magnitude inferior a 10%. Convém ressaltar que nas décadas de quarenta e cinqüenta do século passado, esta participação passava dos 45%. Nessa época a riqueza estava no campo, pois a agricultura era a maior fonte geradora de emprego e renda.

Em sendo este setor produtivo a maior fonte de riqueza, o patrimônio das famílias urbanas, expresso na propriedade de imóveis ou pequenas e médias unidades produtivas, bem como comerciais, pouco valiam frente a capacidade de geração de riqueza das propriedades rurais. Ser grande proprietário rural era sinônimo de riqueza e poder político. O poder rural se confundia com o poder político/urbano.

Foi o tempo da bonança. Os filhos dos proprietários mais abastados estudavam nos melhores colégios de João Pessoa, Recife, até mesmo do Rio de Janeiro. Os jovens retornavam médicos, engenheiros, advogados, entre outras formações liberais. Os doutores anelados, ao retornarem a terra natal, fortaleciam o poder político de suas famílias, muitos dos quais se tornavam fortes candidatos a assumirem o executivo municipal, quando não, outras atividades legislativas, nas esferas municipal, estadual até mesmo federal.

Esse tempo da bonança começou a degringolar a partir do fim dos anos sessenta, agravando-se nos anos setenta. Em razão da economia do setor rural fundamentar-se, quase exclusivamente na cultura do algodão, quando esta cultura perdeu o valor de mercado, o sistema produtivo rural faliu.

Da mesma forma a economia urbana entrou em estado falimentar por conta do desmantelamento da indústria de beneficiamento e comercialização do algodão. Houve desempregos em massa com graves conseqüências sociais. No campo a estrutura secular de organização da exploração da terra, fundamentada no regime de parceria, caiu por terra. Mais desemprego em massa.

Em razão da crise que se instalou na propriedade rural, milhares de parceiros moradores foram dispensados. O proprietário empobrecido não tinha como manter a reserva de mão de obra disponível na sua propriedade. Assim sendo, já no inicio dos anos oitenta o campo apresentava evidentes sinais de esvaziamento, restando apenas um pequeno contingente de mão de obra remanescente ocupada na pecuária, em regime de exploração extensiva, entre outras atividades de subsistência.

Com efeito, o custo de oportunidade da terra caiu a uma expressão mínima. Quero dizer: não havia, nem há outras oportunidades de investimentos na terra, com a mesma capacidade de geração de renda que o algodão. A terra desvalorizou-se, por conseguinte o proprietário viu reduzir-se a um valor mínimo, o seu mais valioso patrimônio: a propriedade rural. Este é o retrato real que caracteriza muito bem a crise que o setor agropecuário ainda hoje está a enfrentar, sem perspectivas de recuperação.

Há muito o governo tenta reverter esse quadro, porem, sem muito sucesso. Ao longo do tempo instituiu uma série de programas de incentivos a pequena e média produção de caráter familiar. Os assentamentos estão aí emperrados sem atingir os resultados esperados. A prova mais evidente de que as coisas não estão indo bem, é que a grande maioria dos pequenos e médios produtores, que tem acesso ao crédito destinado a produção familiar, ao terminar o ciclo de atividade anual, não têm sequer as mínimas condições de quitar os empréstimos tomados junto às agencias financeiras oficiais.

Como as coisas acontecem? O crédito rural podia ser o instrumento eficaz para desenvolver a pequena produção. Infelizmente as coisas não funcionam assim. O erro não está somente no gerenciamento dos recursos, mas na falta de acompanhamento e de permanente avaliação.

Vejamos: ao por em prática política de crédito pra agricultura familiar, o governo, via bancos oficiais, autoriza o repasse dos recursos segundo o cronograma de liberação. O Que acontece depois da liberação dos recursos pouco se sabe. Assim sendo, não há como se prever os riscos de insucessos dos produtores envolvidos nos programas de crédito familiar, em questão.

Noutras palavras, se não há acompanhamento cresce as possibilidades de desvio dos recursos segundo a sua finalidade. Quanto menor for a ocorrência de acompanhamento, maior será o risco de crescer a inadimplência. As coisas não funcionam bem por esta e outras razões. Até mesmo o conceito de propriedade familiar, tal qual como devia ser, condição necessária para liberação da carta de anuência, está distante dos propósitos para os quais o programa de crédito familiar foi criado.

Fora da esfera do credito outros problemas requerem soluções urgentes. Vejamos: não há propriedade familiar economicamente produtiva se não existir mercado para comercialização da produção a preços remunerativos. Os espaços de mercado são limitados quando se considera o universo dos pequenos e médios produtores rurais.

Ao tomar com exemplo o município de Pombal, observa-se a existência de cerca de 1.300 estabelecimentos agrícolas, dos quais, perto de 90% são pequenas e médias propriedades. Não é verdade que todas essas unidades produtivas estejam a produzir mercadorias agrícolas, mas, boa parte delas podia estar.

Muitas dessas unidades produtivas estão abandonadas. Os proprietários envelhecidos, aposentados, migraram pra cidade. Os filhos acompanharam ou então viajaram pra o sudeste na busca de oportunidades de empregos. Não é por acaso que a população de Pombal é a que menos cresce no sertão paraibano, isso por conta da fuga massiva de jovens, em idade produtiva e reprodutiva, pra outras regiões do país.

Retomemos a questão da pequena produção familiar. Esse fenômeno de esvaziamento do campo, não é um fato novo. No século XIX aconteceu nos países da Europa, nos Estados Unidos, exatamente, no momento da transição do sistema econômico de base agrícola para o novo sistema de base capitalista/industrial.

Esses países, para evitar a transferência em massa da população rural pra zona urbana, modelaram novas formas de exploração agrícola com base na propriedade familiar. Deu certo, porque houve um perfeita harmonia entre a produção do campo e as necessidades de consumo das populações urbanas.

Ao passar do tempo, o produtor rural, nesses países, não obstante a escassez de mão de obra no campo adaptou-se ao novo modo de produzir com o uso de técnicas e equipamentos adaptados a pequena e media produção.

Faz mais de quarenta anos que o Brasil está a viver esse momento. No sudeste e centro-oeste do país, o esvaziamento do campo impulsionou a modernização da exploração agrícola, que resultou na elevação da produtividade das grandes, pequenas e médias unidades de produção agrícola.

Este fenômeno, infelizmente não chegou ainda ao semi-árido nordestino, a não ser em alguns perímetros irrigados da região, entre outros casos esporádicos. Não tem essa de dizer que aqui as coisas não funcionam. Veja a fazenda Tamanduá, em Santa Terezinha, que é um exemplo bem claro de que, com organização, crédito, tecnologia e garantia de mercado as coisas funcionam e muito bem.

Convém salientar que, a evolução observada na agricultura do sudeste e centro-oeste do país, deve-se a integração do mercado produtor com o mercado consumidor. Sem mercado, não há produção. Foi a dinâmica dos mercados interno e externo que impulsionou a economia agrícola naquelas regiões, a ponto de tornar o agronegócio brasileiro o mais competitiva do planeta terra.

Quero dizer que, só haverá agricultura tipicamente familiar, se, além dos incentivos creditícios do governo, houver profundas mudanças no modo de gerenciar os recursos disponíveis no âmbito da propriedade agrícola, concomitante a garantia de mercado que possa proporcionar justos preços, capazes de remunerar os custos de produção do produtor, ainda gerar lucros presumíveis, que é o motivo maior para a permanência do homem no campo. Caso contrário tudo continuará como está.

Qual é o papel do setor público nessa empreitada para tornar viável a agricultura familiar? Em qualquer parte do mundo o Estado exerce um papel fundamental na organização das comunidades envolvidas em atividades de pequena e média produção no âmbito rural.

Assim sendo vale perguntar: o que é que o setor público, a envolver as três esferas, está a fazer para transformar a agricultura familiar numa atividade de resultados? É preciso mudar a situação de pobreza, a desorganização, o abandono, em que vive a agricultura familiar? Aguardem que em breve teremos respostas a essas indagações.

João Pessoa, 03 de Maio de 2011
*Economista e escritor pombalense
AGRICULTURA NO SERTÃO: Mudar é preciso. Versão I AGRICULTURA NO SERTÃO: Mudar é preciso. Versão I Reviewed by Clemildo Brunet on 5/03/2011 05:40:00 AM Rating: 5

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