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CINE LUX - O ÚLTIMO EPISÓDIO!

Prof° Francisco Vieira
Por Francisco de Assis Vieira Nunes*

Depois de tantas aventuras, inúmeras comédias e diversos shows, infelizmente, seu último episódio, o que não foi nada agradável.

Ano de 1989. Numa fatídica noite de um dia e mês esquecidos pelo tempo deu-se sua última exibição. Noite sinistra: o Cine Lux apagava as luzes de sua tela panorâmica e fechava suas portas encerrando um período marcante de trinta e cinco anos de intensa atividade. A fita chegava ao fim. Triste fim. Simultaneamente se iniciava um novo capítulo de uma história interminável e que seria doravante exibida na memória dos filhos de Pombal.

Hoje, vinte e dois anos depois, o Cine Lux ainda permanece vivo em nossas lembranças, tal qual uma chama que crepita trazendo doces recordações de um passado que gostamos de reviver. É um misto de ventura e tristeza, emoções, humor e felicidade. Enfim, um conjunto de sentimentos que as palavras não definem. Tudo se resume em saudade, esse sentimento nostálgico decorrente de algo marcante.

O Cine Lux já nasceu com ares de grandeza. Construído por Chiquinho Formiga em 1954, foi inaugurado com um show de Sua Majestade Luis Gonzaga – O Rei do Baião. Em meio a toda essa imponência é curioso saber que não havia ainda assentos tendo as pessoas levado de suas residências sem nenhum constrangimento.

Após dois anos, em 1956, “Seu Chiquinho”, dedicando-se a construção civil decidiu vender aquela casa de espetáculos ao seu cunhado Afonso Coelho Mouta. “Seu Afonso”, homem íntegro e conduta ilibada se caracterizou como um exemplo de dignidade. Faleceu cedo e de forma trágica, contudo, deixou como legado para a família os princípios da honra e da moralidade.

Afonso Mouta mostrou-se um empreendedor nato e detentor de uma visão futurista, graças ao que desenvolveu a arte cinematográfica na cidade. Sob seu comando iniciou com o filme mexicano “A mulher que eu perdi”, inaugurando cerca de 380 luxuosas poltronas da CIMO – conceituada indústria de móveis paranaense. Seu dinamismo deixou marcas inesquecíveis como a exibição do filme em cinemascope, avanço tecnológico em filmagem e projeção que estreou em dezembro de 1958, mediante convites especiais, com a fita “Cavaleiros da Távora Redonda”, protagonizado por Robert Taylor e Ava Gardner.


O Cine Lux foi durante décadas a maior atração noturna da cidade, o lugar que convergia à população todas as noites. Era uma agradável rotina. Os filmes exibidos agradavam a todos: crianças, jovens e adultos. Gregos e troianos se satisfaziam com os variados gêneros que iam desde os épicos como: Rei dos Reis, El Cid, Ben Hur, até os bang-bang e as chanchadas brasileiras, ricas em humor. Eram produções de estilo cômico mescladas com toques de romantismo e participação dos grandes cantores da época, capazes de descontrair os mais sisudos. De fato, era impossível resistir à dupla Ankito e Grande Otelo, Zé Trindade, Oscarito, Mazzaropi. Foi também palco de shows de renomados artistas. Por lá se apresentaram Luis Gonzaga, Marinês, Cel. Ludugero, Bievenido Granda (cubano), José Augusto – O Sergipano - José Ribeiro, Roberto Muller, Os Cantores de Ébano, Miguel Ângelo, Noca do Acordeon e Ronaldo José – ex. aluno do Ginásio Diocesano. E, como se não bastasse, ainda cedeu seu espaço para grandes eventos sociais, entre os quais, a colação de grau da primeira turma concluinte do extinto Ginásio Diocesano de Pombal no ano de 1958, que teve o Deputado Federal Janduy Carneiro como paraninfo. Serviu ainda para realização de Festival de Calouros, Grêmio Literário, teatro, palestras e  as memoráveis convenções municipais de partidos políticos.

O Cine Lux era mais que um passatempo ou diversão, era o principal ponto de encontro entre amigos e namorados. Dele tenho grandes recordações.

Na fertilidade da imaginação me vejo ainda moleque atropelando nas filas das matinês para assistir ao filme, de preferência os de Tarzan, Zorro, Jim das Selvas, faroeste ou chanchada. Melhor ainda se tivesse antes um seriado de Flash Gordon. Valia à pena sofrer com “o perigo da série” e aguardar ansioso até a próxima matinê prá ver o mocinho salvar sua amada. A espera era recompensada com a certeza de um final feliz. E, como eu rezava com fé para a energia voltar. Pedia em silêncio até com promessas que nunca foram cumpridas. Vejo-me também adolescente com uma namorada no “escurinho do cinema”, temendo pela ousadia ser repreendido por Galdino. É que na penumbra tudo é possível. A respeito, disse alguém: “se peito de moça fosse buzina, ninguém assistia o filme de tanto barulho”.

Com a mesma importância ainda soam nos ouvidos aguçados as músicas inesquecíveis de sua rica discoteca e que hoje recordando me fazem sonhar e até chorar. À noite ao som de Ray Conniff, Poly, Saraiva e outros, enquanto no período diurno se ouvia os sucessos nas vozes de Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Anísio e Orlando Silva, Ângela Maria e tantos mais. Impossível citá-los. A lista era infindável, todos detentores de vozes privilegiadas que tocavam profundamente os corações dos que amam o bom e o belo. Um deleite emocional.

Da mesma forma sinto a presença de Zé Lopes, porteiro cuidadoso que fazia de tudo pra não morrer pisado; Poxota, caprichoso na limpeza e Facundo, responsável pela colocação do cartaz no Mercado Público, ponto mais central da cidade. Seria injusto não lembrar “Pedro Onça”, transportando em seu carro de mão as fitas que chegavam e saiam pelo trem da REFESA. Aí, sem pagar frete, rompendo os limites da velocidade, descíamos a Rua dos Roques ladeira abaixo. Tamanha era a disparada que mal se ouvia “Seu Pedro” gritar: “cuidado com o filme”.

Injustiça capital seria omitir Zé Cleonso e Galdino; o primeiro operador e o segundo polivalente. Fazia de tudo. Além de sócio-proprietário era bilheteiro, porteiro, fiscal e até “lanterninha”. Aos irmãos minha reverência, pois com a morte do pai em 1964, assumiram a tutela da família e – enquanto possível – fizeram o show acontecer.

Mas a vida é um mar de contingências, todas submissas ao progresso como fim. A sua marcha tem dupla ação: se de um lado melhora a qualidade de vida da humanidade, por outro, produz efeitos danosos. A propósito, a sétima arte no Brasil, sofreu graves consequências com o advento da televisão e via de regra em Pombal não foi diferente. O Cine Lux assistiu agonizante os efeitos negativos do progresso cerrando suas portas. A indústria cinematográfica como arte, não foi suficientemente artista para superar a crise e evitar o fechamento de centenas de cinemas. Coisas do “progresso”.

Demolição do Prédio (Cine Lux)
Por circunstâncias alheias a vontade da família o cinema encerrou seu ciclo de atividades. O prédio foi partilhado e transformado em residências. Dele, além da saudade, resta apenas o frontispício, que mesmo com a estrutura modificada permanece ainda de pé – não sei até quando - graças à sensibilidade de alguns. Firme em sua base, orgulhoso do seu passado, assiste o vai e vem dos transeuntes que passam lamentando seu fim melancólico. Com certeza não se incomodariam com o badalar do sino da UCB e suas correntes giratórias, nem o rugir voraz do leão da Metro, antes, refrescariam a mente na luminosa fonte da Atlântida. Talvez o silêncio dominante seja de constrangimento por não pertencer ao patrimônio histórico do município. É lamentável, mas o reconhecimento veio após sua demolição.

A preservação memorial de um povo implica na conservação de sua história, no elo inquebrantável estabelecido entre o homem e o meio. Assim, em que pese essa exclusão, pelo seu passado glorioso e significativo valor, o Cine Lux, será perpetuado na memória da população. É o verdadeiro patrimônio.

Falar do Cine Lux é reverenciar um passado intrinsecamente ligado à vida dos filhos de Pombal. Ouso dizer que é raro – se é que existe - um pombalense sequer, que não tenha vivido algo ligado ao cinema de Pombal. Por isso, somos parte integrante dessa história que deve ser contada pelos antigos para conhecimento dos mais novos.

Em síntese, este é o meu contributo a história do Cinema em Pombal, brilhantemente decantada nas crônicas de Inácio Tavares e Jerdivan Nóbrega. Espero não ofuscar o seu brilho e sim, torná-lo mais reluzente.

Ao Cine Lux a exultação do seu nome e de sua história que será reprisada até o fechamento de suas cortinas douradas com a exibição do ÚLTIMO EPISÓDIO.

Pombal, 07/05/2011
*Professor, Ex-Diretor da Escola Estadual “João da Mata” e Ex-Secretário de Administração do Município de Pombal.
CINE LUX - O ÚLTIMO EPISÓDIO! CINE LUX - O ÚLTIMO EPISÓDIO! Reviewed by Clemildo Brunet on 5/08/2011 07:05:00 PM Rating: 5

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