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ESCOLA DE PROFESSOR GUIMARÃES

Paulo Abrantes
Paulo Abrantes de Oliveira*

Na cidade de Pombal – em uma rua que se estendia pela margem direita do rio Piancó, já perto da Igreja Presbiteriana e da notória Estação do Trem – ficava o prédio pertencente à S.A.O.B, presidida pelo meu padrinho José Benigno de Sousa – Lelé, que era mantida ali para prestar serviços assistenciais a seus associados. Lá funcionava a escola primária particular de Professor Guimarães, para alfabetizar humanamente, os filhos de associados, dependentes e outros desprotegidos da sorte.

A velha Sede patrimonial constava de dois casarões, num dos quais – o mais moderno – funcionava a escola do professor Guimarães, que à época, tanto o Estado quanto o Município, não dispunham de lei em favor da alfabetização, ficando este nobilitante porém, pesado encargo, a critério dos proprietários, igrejas e de associações beneficentes de visão civilizada e satisfatórias condições monetárias.

Guimarães, o professor escolhido, vindo recentemente do Estado do Maranhão, era a encarnação do sistema pedagógico primitivo, e como tal, ainda sem a necessária disciplina regulamentar contrária a arcaicas e animalescas interpretações. Vocacionado para o teatro, trouxe o hábito de encenar a peça “Crime e Castigo” baseado na obra de Dostoievski, em datas festivas da escola, que culminava com a coroação da “Rainha” da festa, a formosa senhorita Lenice Bandeira.

Antes de deixarem a escola, os alunos, ao final da tarde, em circulo passavam por uma sabatina, espreitando aterrorizados a palmatória com que o professor insensivelmente, mas com as melhores intenções, castigava os que não respondessem ás perguntas adrede organizadas.

As respostas tinham de ser imediatas e sem titubiações. Do contrário, a palmatória estalava nas mãos daqueles de falha memória.

“A palmatória desperta nos alunos o necessário interesse pelas lições” – dizia o mestre ironicamente, nas sabatinas, ele gostava de pronunciar a palavra “adiante” já empunhando a “vitória” (sinônimo de palmatória) para castigar o aluno carente de quinau. A certos momentos, o professor ordenava que todos os alunos estudassem sem olhar para os lados, concentrados nos estudos e, enquanto isso, ia fazer o seu almoço que enchia a sala da Sede com cheiro de comida aumentando a fome dos alunos. Nunca teve ninguém, lavava sua roupa, varria a sala de aula e sempre fez sua própria comida. O único divertimento, ocasionalmente, era assistir um filme no Cine Lux. Chegou a Pombal depois de ser abandonado pela mulher (fugiu com outro) e nunca mais se casou. Ele era mágico e também escritor, escreveu os livros: - CLÁUDIA A DESGRAÇADA, CALVÁRIO DE MÃE, FRAGMENTOS DA VIDA, LUZES QUE NUNCA SE APAGUEM, SINA MALDITA, e a novela NÃO MATARÁS.

Na escola, integrava a mesma turma de meu irmão Carlito, o nosso primo “Tozinho”, um garoto visivelmente oriundo da zona rural, ativo, mas desconfiado e branquelo. Sua alcunha, creio, decorria da ausência de sangue na face sem brilho e sem chamusco de sol. Por outro lado, ele também se revelava, mentalmente, desequilibrado para os estudos, não assimilando nada do que se lhe ensinava marteladamente. Tanto que o professor somente o liberava no final da tarde, tentando fazê-lo entender os exercícios que seus colegas, ao contrário, cedo dominavam.

De tanto ensinar, em vão, as lições diárias, o exigente mestre lhe disse um dia: “Hoje, se você não decorar a lição, tiro-o da escola e me justifico perante seus pais e seu tio Augusto, responsável por você. Vá, pois, estudar, tentando evitar um triste desfecho.

À tardinha, chamou-o. Ele, apenas, chorava, após abrir o abecedário na mesa do professor.

Com pena do aluno, o mestre falou: “Vou dar-lhe a última chance.

Seu tio chama-se Augusto – está na letra A.

Ele tem uma barbearia – Barbearia – na letra B.

Tem, também um cachorro – Cachorro – letra C.

Portanto:

A – Augusto

B- Barbearia

C – Cachorro.

Vá estudar.

No final da tarde, chamou-o e disse: Vamos à lição.

Apontando para a carta do ABC, ele respondeu; com entusiasmo:

- Tio, Barbearia, Cachorro.

O certo, é que o Professor Guimarães, depois que chegou a Pombal nunca mais saiu, e terminou morrendo solitário e esquecido, no Abrigo dos Pobres.

*Engenheiro Civil e escritor pombalense
ESCOLA DE PROFESSOR GUIMARÃES ESCOLA DE PROFESSOR GUIMARÃES Reviewed by Clemildo Brunet on 5/05/2011 06:08:00 AM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Todos nós, filhos de Pombal da “bela época”, temos uma historia para cotar de pessoas como Professor Guimarães, Dona Marinheira, Neném de Mister e outros educadores. O bom é que conseguimos colocar no papel estas vivencias, para que as novas gerações tomem conhecimento desse nosso povo que educaram gerações.
jerdivan

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