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AGRICULTURA FAMILIAR: Mudar é mais do que preciso! Versão IV

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Há muito se fala que a produção de alimentos que abastece o mercado nacional provém, em grande parte, das pequenas e médias propriedades agrícolas. Por isso estima-se que esses segmentos produtivos sejam responsáveis por cerca de 80% da produção dos diversos cereais que abastecem a mesa do povo brasileiro.

Este percentual coloca o Brasil entre os raros países do mundo, considerados auto-suficientes na produção de alimentos. Apenas o trigo não é produzido em escala suficiente para atender a demanda interna, por razões diversas. Por exemplo, o clima brasileiro, em particular nos estados do sul, não é favorável ao cultivo do trigo tanto quanto o é nos países posicionados mais adiante do Cone Sul, no caso Argentina e Uruguai.

Ademais, as bruscas variações nos preços do trigo, que costumam acontecer no decorrer do ano, em razão da concorrência Argentina que coloca parte da sua produção de trigo no mercado nacional a preço muito abaixo dos nossos custos de produção. Essa concorrência desleal, predatória, além de provocar prejuízos aos produtores locais, impede também a expansão da área cultivada com a cultura do trigo.

Há quem conteste as estatísticas que dizem respeito a participação das pequenas propriedades na produção de alimentos, posto que, os grandes estabelecimentos agrícolas do centro-sul e centro-oeste, anos após anos estão a ingressar no circuito de produção de alimentos. Decerto, estão a produzir em grande escala, feijão, milho e arroz, mandioca, entre outros produtos de mesa, com os olhares voltados para os mercados internos e externos. Resta conferir.

Agora, no nordeste sim, nesta região a maior parte da produção de alimentos tem origem nas pequenas propriedades. É verdade que hoje não se produz tanto o quanto se produzia há anos atrás. É tanto que, a participação da região na formação do estoque nacional de alimentos não chega a 8%. Tem mais, esse percentual, em grande parte, deve-se ao estado da Bahia que é o maior produtor de gêneros alimentícios da região.

A continuar as políticas vigentes de incentivo a agricultura familiar, sem atingir os objetivos esperados, a participação do Nordeste na formação dos estoques de alimentos, com certeza, tenderá a ser menor à medida que a população rural do semi-árido venha a migrar para as cidades, atraídas pelas generosas políticas de transferência de renda do governo federal, posto que, não há exigências para que o homem permaneça no campo ao receber tal benefício. A escassez de trabalhadores no campo aponta para essa direção.

Assim sendo, a persistir o esvaziamento do campo, com certeza, todo esforço, que se venha a fazer no sentido de aumentar a participação do nordeste na produção de alimento, sem dúvida, terá que passar pelo aumento da produtividade da terra, por conseguinte da mão de obra. Quero dizer que, é preciso reduzir a relação homem/volume produzido, noutras palavras, aumentar a produção de alimentos, a envolver quantidades menores do fator trabalho, associada a espaços menores de área cultivada.

Para atingir o estágio de produtividade máxima da terra e do trabalho, no campo, sem dúvida, faz-se necessário investir pesado em tecnologias apropriadas, assim como, melhoramentos genéticos das sementes, animais, ente outras espécies vivas de importância fundamental para o desenvolvimento da agropecuária.

Para que as coisas aconteçam faz-se necessário a disponibilidade de eficientes serviços de pesquisas e extensão, complementados por programas de treinamento gerencial e qualificação de mão da obra rural, a fim de que se possa introduzir uma visão empreendedora no âmbito da pequena e média produção de mercadorias agrícolas.

A rigor, nada ou pouco tem sido feito, a envolver o quesito transferência de tecnologia, entre outros apoios institucionais considerados básicos, no sentido de transformar a agricultura familiar numa atividade de resultados positivos, em particular nas áreas mais secas do Nordeste, bem como no Estado da Paraíba.

Podem existir alguns casos pontuais em que a agricultura familiar esteja a experimentar relevantes sucessos como fontes geradoras de emprego e renda. São fatos raros, por isso, de pouca visibilidade na região. Isso significa dizer que o efeito multiplicador que as poucas unidades produtivas diferenciadas deviam disseminar no espaço onde estão localizadas, simplesmente não existe. O sucesso da Fazenda Tamanduá não se disseminou na região de Santa Terezinha. Falta tudo a que estou a falar para que as coisas possam acontecer.

Quando o olhar volta-se para os municípios, a situação é pior. Nessa instância administrativa, as políticas públicas, se é que realmente existam, nada têm a ver os propósitos de desenvolver a agricultura familiar. São ações esporádicas, pontuais sem rumos definidos.

De certo modo os municípios não estão preparados para por em prática políticas públicas voltadas para o fortalecimento e desenvolvimento da agricultura familiar, conforme os critérios observados neste texto. Deixei bem claro em textos anteriores que as restrições, por parte do setor público, são inúmeras, a começar pela falta de mão de obra qualificada, nos quadros da administração estadual e municipal, para elaborar e conduzir projetos, a fim de mudar e desenvolver a agricultura familiar.

Poucos são os municípios que possuem nos seus quadros agrônomos, veterinários, bem como, técnicos de nível médio. Quase sempre as secretarias de agricultura são administradas por pessoas incapacitadas para o exercício do cargo, por isso, indiferentes as questões agrícolas do município. É neste vazio que reside a incompetência de alguns executivos municipais, quando o assunto é a contribuição para o fortalecimento da economia agrícola, a tomar por base a agricultura familiar.

Às vezes o município até dispõe de logísticas de serviços mecanizados que podem contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar, entretanto não as são sabiamente usadas. É raro o município que não possua um ou dois tratores. Essas máquinas são usadas para cortar algumas dezenas de hectares de terras, sem nenhum propósito de expandir produção agrícola de à luz de uma ação planejada. As cosias acontecem de forma destrambelhada, desorganizada, ou melhor, sem escala de prioridades de conformidade com a finalidade para a qual os serviços estão sendo realizados.

Na maioria das vezes as terras são cortadas apenas para fazer babuja para alimentação animal. Que pena, hein? Ora, ora, o povo não come babuja, não é? Ademais, não há acompanhamento para saber se as terras cortadas foram efetivamente usadas para o plantio de culturas alimentares ou mesmo culturas típicas de mercado, como algodão, entre outras.

Esta é a face real das políticas agrícolas postas em prática em grande parte dos municípios. A conseqüência de tudo isso é a perda de importância do setor primário como fonte geradora de emprego e renda, conforme os números apresentados nos textos anteriores. O resultado já se sabe qual é, seja: a migração massiva de trabalhadores rurais para as cidades, na busca de oportunidades dos empregos que não existem.

Assim sendo, para reverter esse processo, repito, a solução é por em pratica políticas públicas conjuntas, a envolver, governo federal, estados e municípios, direcionadas a revitalização e fortalecimento da pequena e média produção de forma organizada e planejada.

Ações dessa natureza, se bem sucedida, não só preservará o homem no campo, mas, poderão fazer retornar a sua origem os que migraram para as cidades, onde continuam desempregados, vivendo a mercê das cestas básicas piedosamente distribuídas, complementadas pela, não menos generosa, bolsa família.

Por outro lado é importante ressaltar que a viabilidade da pequena e média propriedade, como fonte geradora de emprego e renda, em parte, depende da existência de meios que permitam o exercício de uma agricultura sem intermitência. Para grande maioria das unidades produtivas rurais, a produção continuada, no decorrer do ano, é possível sim, mas, somente se houver disponibilidade d’água que permita a irrigação alguns hectares de terras.

Os poderes públicos precisam tomar consciência dessa realidade. Para cada ponto d’água construído numa pequena e média propriedade, estima-se que sejam criados no mínimo quatro empregos. São dois ou mais hectares irrigados, em regime de rotação de culturas, cuja renda poderá ser capaz de proporcionar um nível de vida confortável. É nessa circunstancia que o crédito, para agricultura, familiar passa ter uma importância decisiva e fundamental.

Em razão disso, mudar é preciso. Ninguém nasce com a estrela da pobreza na testa. A pobreza é um subproduto das contradições da sociedade que nós construímos e assim, ao longo da história a mantemos com todas suas injustiças. São essas injustiças que nos fazem socialmente diferentes uns dos outros. Essa doença tem cura. É bastante que haja vontade política e nada mais.

No caso da pobreza rural, o círculo vicioso da miséria poderá ser interrompido a partir do momento que o homem do campo sentir que vale a pena trabalhar quando os resultados são positivos. Isso acontecerá quando o retorno do seu esforço produtivo atender as suas aspirações em termos de renda e bem-estar familiar. Este é o caminho indicado, justo, sobretudo inteligente, se pretende combater a fome e a miséria no campo.

Promover o homem é mais importante do que assisti-lo com algumas migalhas financeiras distribuídas mensalmente. Políticas dessa natureza fazem o homem preguiçoso, torna-o descrente com o seu futuro, sem falar na possibilidade da perda da unidade familiar.

Em síntese pode-se dizer que o fortalecimento da agricultura familiar é o caminho mais curto para combater a miséria no campo. Poderá ser um importante projeto desde que passe por profundas mudanças no modo de enxergar a questão da pobreza no campo. Pra começar é preciso que o governo redirecione o olhar para os demais segmentos de pequenos e médios produtores, além dos custosos programas de assentamentos.

Os não assentados, representam a maior parte dos pequenos e médios proprietários rurais. Convém repetir que, no caso de mudanças nas políticas públicas, essas classes produtoras precisam receber o mesmo tratamento que recebem os assentados. Caso contrário, o que resta de pequenos e médios produtores no campo continuará a marcha em direção às cidades, a exemplo do que está a acontecer nas últimas décadas.

Com certeza essas pessoas engrossarão as fileiras dos desocupados com terras, porem, sem tetos. O resultado é o aumento dos desempregados a perambular pelas ruas das cidades na busca do que o campo não lhe deu: o direito a viver na dignidade.

Mudar é preciso. Para mudar o modo de produzir segundo as exigências do momento, o trabalhador rural terá que ser reconstruído. Para isso, faz-se necessário por em prática políticas de formação de trabalhadores rurais a partir das crianças e adolescentes matriculados no ensino fundamental nas escolas rurais.

O Estado do Ceará adaptou o ensino básico rural à realidade do campo. Hoje funciona uma escola de formação de trabalhadores com 600 alunos. Aprende-se de tudo, desde o gerenciamento de pequenas e médias unidades produtivas, assim como técnicas de manejos,de preservação ambiental, entre outros conhecimentos para o exercício de uma agricultura de resultados positivos. Nesta escola forma-se o trabalhador do futuro, o trabalhador da era digital.

Aqui no nosso Estado faz-se necessário proceder algumas mudanças no sistema de ensino fundamental, no meio rural. As escolas de ensino básico, quer sejam municipal ou estadual já devia ter inserido na grade da estrutura curricular, matérias como técnicas agrícolas e preservação ambiental. Seria um bom começo, pois a agricultura moderna, da era digital, exige do trabalhador o mínimo de conhecimentos teóricos e práticos sobre as práticas agrícolas ajustadas aos tempos modernos.

Concluo a repetir: para mudar o modo de produzir, gerenciar as pequenas e médias propriedades agrícolas, ditas familiares, primeiro tem que construir, através da educação, o novo homem que irá lidar com a terra. Da mesma forma, a unidade agrícola, pequena, média tem que estar dotada de infra-estrutura mínima, de tal sorte que permita a prática de atividades continuadas no decorrer do ano.

Isso só poderá acontecer se a três instâncias públicas administrativas caminharem juntas na condução dos programas e projetos com vistas a modernizar, fortalecer a agricultura familiar. Caso contrário nada mudará, pois, tudo continuará como dantes. Se quiserem comprovar tudo que estou a falar procurem a conhecer a experiência do SEBRAE, que muito tem a ensinar sobre o quesito, que diz respeito a viabilidade econômica da agricultura familiar.

Para encerrar repito o provérbio não sei de quem, que diz: “ não existem bons caminhos quando não se sabe aonde é que vai.” O bom Planejamento, com certeza é o melhor caminho, porque aponta a direção certa aonde deseja chegar.

Para o bom entendedor, uma só palavra basta. Ademais, quem tiver o mínimo de inteligência que perceba. Quem tiver olhos que veja. Quem não tiver nenhuma coisa nem outra, dane-se. Chega de tanto desperdiçar o dinheiro do povo através de ações cosméticas, inconseqüentes, por isso de resultados duvidosos.

João Pessoa, 10 de Junho de 2011

*Economista e Escritor
AGRICULTURA FAMILIAR: Mudar é mais do que preciso! Versão IV AGRICULTURA FAMILIAR: Mudar é mais do que preciso! Versão IV Reviewed by Clemildo Brunet on 6/09/2011 11:04:00 PM Rating: 5

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