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ESCREVER: DEVAGARINHO E SEMPRE?

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*
Faz algum tempo que aos poucos estou reduzindo a produção dos meus escritos. Não se trata de preguiça nem tampouco desinteresse pela nobre arte de escrever. Também não se trata de canseira, nem de o esgotamento dos temas que baseiam construção dos meus arrazoados. Os temas estão aí aos montes. Resta-me escolher qual deles me convém. As razões vão ficar bem clara conforme o que vou expor a seguir.

A vida é assim, quando surge uma nova paixão, com certeza, alguém é passado pra trás. Não pretendo chegar a esse ponto de abandonar meus escritos justo porque estou envolvido n’outras atividades tão apaixonante o quanto a arte de escrever.

Sempre pensei em sair de mansinho sem ninguém perceber. A saudosa amiga Cessa discordava veementemente dessa minha postura. Mas, ao refletir sobre o assunto sinto-me como se estivesse a parafusar alguma coisa numa rosca sem fim. Não sei se definitivamente, um dia afastar-me-ei da minha preciosa máquina, nem tampouco dos meus textos. Lá pra frente falarei sobre essa incomoda questão.

Se esse momento acontecer, com certeza, a minha modesta criatividade, como fazedor de textos, poderá passar por um crucial momento de hibernação. O meu problema é mesmo o fantasma invisível chamado tempo. O meu tempo já não é tão disponível como gostaria que fosse. Repito: estou envolvido n’outras atividades que estão a exigir muito de mim.

Ademais preciso de algum espaço para usufruir de algumas regalias há tempo postergadas, mas, jamais esquecidas. Aposentei-me, mas, continuo prisioneiro dentro da minha própria casa. Preciso respirar outros ares alem das fronteiras do meu Estado ou mesmo do País. Ah, senhor tempo, você sempre foi uma pedra no meu caminho!

Na minha juventude usei, esbanjei, abusei do fator tempo sem me dar por conta de que um dia, cedo ou tarde, essa força invisível, ia-me ser mercadoria escassa. Isso aconteceu quando senti a necessidade de definir os meus projetos de vida na busca de um futuro melhor. O tempo obrigou-me a pensar como gente grande.

Mesmo assim ainda hoje me penitencio por conta do tempo que joguei fora, nos ditos, bons momentos da minha vida. Não estava nem aí, por uma razão muito simples: vivia no mundo de ilusões. O futuro era coisa pra pensar depois, porque, viver intensamente o presente era o que me interessava. Para mim, o tempo resumia-se ao nascer e por do sol com um dia no meio e nada mais.

Esse tempo, que sempre ignorei na minha juventude, com o passar dos anos, obrigou-me a vê-lo, com olhares diferentes, sobretudo preocupantes. Foi um forte sinal de que a sua força transformadora já estava a me atanazar. Paguei um preço alto por ignorar o tempo. Por exemplo, somente aos vinte e sete anos me foi possível concluir o segundo grau. Isso podia ter acontecido bem antes.

Preocupado, senti a necessidade de fazer ajustes na minha caminhada, a fim construir uma base existencial sobre a qual devia apoiar-me, a fim de construir o meu futuro. Foi a partir daí que comecei a entender que a minha relação vida/tempo estava à mercê de duas funções básicas: plantar e colher.

O tempo caminhava rápido. Não havia alternativa, por isso fui à luta e plantei o quanto pude plantar. Plantei a semente do saber na expectativa de colher saberes. Com efeito, a esta altura da minha vida estou a perguntar: como partilhar tanta coisa que colhi?

Entre tantas opções a primeira escolha foi a prestação de serviços gratuito àqueles que mais necessitam. É muito pouco o que estou a fazer, mas não deixa de ser um bom começo. Penso grande, porque os desafios são imensos. Mas, algo me conforta, pois se conseguirmos mudar, pra melhor, algumas dezenas de excluídos, com certeza somos vitoriosos.

Os meus escritos expressam de forma bem clara o que penso sobre a questão do bem servir. Nada de extraordinário. Hoje sou um apontador de caminhos. São caminhos que podem fazer rebrotar as esperanças perdidas, daqueles que não têm vez nem tampouco voz. Isto é, desde que haja um ambiente propicio para que as coisas aconteçam no momento e lugar apropriados.

Tento reanimar o homem, principalmente aquele que precisa entender que é possível, através do trabalho produtivo, bem remunerado, libertar-se da pobreza crônica. Essa questão me atormenta desde a minha juventude quando fui tocado ao entender a perversidade do paradoxo da pobreza em meio à abundância, em razão das formas desiguais de distribuição da riqueza, entre as diversas classes sociais.

Quem acompanha os meus textos sabe que o foco das minhas preocupações são os segmentos sociais de baixa renda, a envolver comunidades periféricas, bem como os pequenos e médios produtores rurais. Estes são as vitimas da pobreza, que vivem a mercê das políticas publicas de transferência de renda, entre outros penduricalhos travestidos de assistência sociais, coisas típicas de um ambiente de dominação política, na base do toma lá dá cá.

Pobres filhos de Eva. Se, são pobres no campo, acreditam que podem ser menos pobres na cidade. Nessa expectativa pagam muito caro quando muda de habitat ao sair do campo pra fixar residência na cidade. Esta é a realização do sonho de todos que vivem no campo em condições de vida subumanas.

A partir desse infeliz momento transformam-se em criaturas sem presente, sem futuro, por conseguinte, sem legados para transferir para os filhos, a não ser a pobreza, que tem como conseqüência o desmantelamento da família, a marginalidade dos filhos, a prostituição, entre outros males típicos das sociedades egoístas, sobretudo injustas.

O resultado de tudo isso é decadência moral de boa parte das comunidades periféricas na maioria egressos do campo. Na maioria das vezes, o homem desencantado com a vida que leva na cidade, cai facilmente na malha da desonestidade em prejuízo do o trabalho honesto e produtivo.

O saudoso político e escritor José Américo de Almeida costumava dizer que, quando os homens do poder começam a roubar lá em cima, os pequeninos, cá em baixo seguem o mesmo caminho. Assim sendo o ato de roubar passa ser uma espécie de autodefesa ou coisa corriqueira. Será que estamos a viver este momento? Conheço de perto essa estória. O meu sitio é um laboratório onde já constatei por inúmeras vezes fatos dessa natureza.

Vez por outra me sinto tentado a falar sobre questões dessa natureza. É a maneira mais simples de me libertar das dos demônios da indiferença. Confesso que me desviei um pouco do foco deste texto, por isso peço desculpas. Nas entrelinhas vocês vão entender um pouco mais do que estou a falar. Vamos agora retomar a questão fator tempo, à luz de atos e fatos. Vamos adiante...

O tempo na sua célere marcha impiedosa, nos trás alegria e tristeza. Recentemente, houve um fato triste, que foi a partida, para glória da eternidade, da amiga/irmão Cessa. Deixou-nos um vazio impreenchível. Tenho dito, de forma recorrente, que, sem ela, a vida cultural na cidade não será a mesma. Alguém falou: “ há pessoas que morrem, sequer uma só folha se move. Há outras, que, ao morrer provocam uma verdadeira tempestade” Dispensa-se explicações.

A conseqüência da tempestade de saudades e sentimentos que ora vivemos, em razão da ausência de Cessa, é que o movimento cultural da terrinha quedou, como costumam falar vizinhos de origem hispânica. Não sei dizer por quanto tempo esse quadro durará. Mas, de uma coisa temos certeza: o silencio da sua palavra, dos seus versos, dos seus escritos, do seu ardor pela cultura local, nos incomoda.

Nos nossos encontros ocasionais, conversávamos, de forma descontraída, sobre todas as coisas que nos vinham à cabeça, inclusive essas coisas que falei no intróito do texto. Bibia calmamente nos escutava, como bom ouvinte, porém sem muito participar. Cessa era quem dava o mote em torno do qual girava toda conversa.

Falávamos sobre fatos passados e presentes, sobre propostas de projetos para o futuro, entretanto nunca falamos sobre a possibilidade de encerrarmos nossos encontros pelas razões conhecidas. Pensávamos que a morte era uma possibilidade remota bem distante de nos acontecer, entretanto, infelizmente, nos aconteceu. Morreu Cessa, numa escala diminuta, morremos nós.

Queria ver-me poeta, mesmo sem a mínima vocação para o exercício da poesia. Às vezes externava-lhe o meu desejo de dar uma paradinha nos meus escritos, em razão d’outros compromissos assumidos. A reação era imediata. Tentava explicar-lhe, porem sem sucesso, mesmo assim continuava com as minhas justificativas.

Ao ouvir com mais paciência os meus argumentos a saudosa amiga de olhos arregalados, de forma enfática repreendia-me: o quê seu Ignácio? Isso jamais! Não se atreva, viu? Você tem muita coisa a escrever sobre os problemas da nossa terra. Depois da reprimenda, mudávamos o assunto e a conversa continuava.

Mesmo assim, não obstante a injeção de animo da amiga, continuo a me perguntar: devo andar um pouco mais devagar ou não? Um lado, diz-me que sim, outro, me diz que não. Com serenidade estou a administrar esse incomodo conflito. Em razão de tudo isso, sou instado a fazer experimentos, no sentido de me testar longe das teclas da minha preciosíssima máquina. Confesso que, pra mim é dificílimo passar pelo menos um dia longe dela.

Parar geral? Isso não porque não consigo me acostumar. Há outra complicação a considerar. Depois de tanto tempo familiarizado com a minha máquina considero-me um dependente químico/eletrônico, sem a menor possibilidade de cura, pelo menos, à médio prazo. Mas, mesmo assim, essa coisa não me impede de continuar a pensar no projeto de caminhar mais a vagar, noutras palavras, quero dizer, reduzir gradativamente a produção de textos.

Tenho no portifólio uma reserva de 50 textos que me permite passar algum tempo de pernas pro ar, dedicando-me um pouco mais a Catequese Catecumenal, ler com mais tranqüilidade os jornais da minha preferência, folhear bons livros, degustar o meu sagrado vinho nos finais de semana, além de desfrutar d’outros prazeres que a vida ainda me permite.

Repito: tenho cinqüenta textos armazenados na minha máquina. Isso significa dizer que por dois anos continuarei a remetê-los, regulamente, para os portais que generosamente, estão a divulgá-los. Com esse material estocado, com certeza posso caminhar um pouco mais a vagar.

Quero aproveitar o meu tempo da melhor forma possível de tal sorte que me sinta ajustado à exata dimensão do espaço que me está disponível. Sempre fui escravo do tempo em razão dos meus trabalhos como professor e economista. Hoje, como privilegiado ocioso, aspiro apenas ser um homem livre, qual um Condor que, em vôo solitário, lá das alturas deslumbra-se ao mirar as encantadoras silhuetas da Cordilheira dos Andes.

Reconheço que não tenho mais asas para ousados vôos. Mas, confesso que ficaria muito feliz se conseguisse, mesmo em baixa altura, realizar um voozinho, desde que me fosse possível mirar, lá do alto, o lugar mais fascinante e belo que Deus pôs na face da terra: a terrinha querida.

Este velho burgo, por razões explicáveis, faz-me um Ser racionalmente telúrico. Guardo-o cuidadosamente no fundo do coração, qual uma relíquia intocável, uma vez que, nem o tempo, nem a distancia foi capaz de apagar da memória o perfil do seu povo, bem como as ruas e vielas por onde transitei nos anos dourados da minha vida.

Ao retomar a questão da paradinha, tenho certeza plena de que não estou só nesta empreitada. O meu Anjo da Guarda Cessa, com certeza estará atenta a acompanhar-me nesta difícil decisão. Tenho certeza de que, vez por outra a amiga sussurrará ao meu ouvido a falar-me: não pare Ignácio! Em vez de parar caminhe mais devagar, ouviu? Mais uma vez, ante a reprimenda da amiga posso até pensar em escrever apenas um texto por mês. Basta-me? Não sei.

Na busca de um alento, a fim de minimizar a minha inquietação revisito obra-prima do pensador político Nelson Werneck Sodré, Oficio do Escritor. Nele revejo antigas e belas lições direcionadas aos que se preocupam com a questão político/social nas matérias que escrevem.

Quem escreve, por dever de ofício, deve estar comprometido com os interesses maiores da sociedade, em particular quando se trata de temas que dizem respeito aos anseios dos segmentos menos favorecidos. O compromisso de levar a verdade política/social ao conhecimento do povo, pra mim, funciona como se fosse uma prisão a céu aberto que me perturba quando penso que um dia vou parar geral. Esta é a minha grande trava.

As minhas inquietudes remetem-me a lembrança de que o ato de escrever sempre fez parte do meu cotidiano. Como economista, no exercício da atividade, não tinha como deixar de escrever. Escrevi até demais, mas, não falava a linguagem do povo. Falava sim, a linguagem dos economistas a serviço do poder, ilegalmente constituído.

Durante tempo que passei no exercício da atividade, naquela quadra difícil, dei-me por conta de que os economistas, nem sempre estavam a escrever o que realmente pensavam. Em razão disso nossos escritos, pareciam coisas de uma casta pensante, que se fazia visível, naquele momento de obscuridade político/institucional.

Quando comecei a escrever fora desse contexto, confesso que tive algumas dificuldades de adaptação. Com o tempo superei essas barreiras, mas, vez por outra tenho uma recaída. Mesmo assim reconheço que, com o passar do tempo, muita coisa melhorou. Mas, apesar dos pesares, algumas vezes chego a pensar que já cheguei ao meu limite. È este o nó górdio da questão.

Repito, quando revisito as lições do autor do Oficio do Escritor, lembro-me da preocupação de Cessa, entro em estado de catalepsia: sinto-me um morto vivo. Mesmo assim ponho-me a perguntar: ora se o saudoso Barbosa Lima Sobrinho escreveu até aos 103 anos, por que então, na minha pequenez, não posso prosseguir um pouco mais?

Quando o saudoso Mestre Celso Furtado escreveu a Fantasia Desfeita, cheguei a pensar que o Mestre iria parar por aí. Ledo engano. Na seqüência daquela obra publicou outros tantos documentos, com a mesma lucidez dos tempos passados, quando se projetou para o mundo como o mais inteligente e lúcido economista latino americano.

Na verdade, não tenho a dimensão intelectual do meu saudoso Mestre. Assim sendo, nada tenho a escrever para prenunciar uma possível retirada de cena. Somente de uma coisa tenho a falar: continuo na dúvida. Ponha dúvida nisso!!!!.

Apesar dos conflitos que estou a viver, nos momentos mais aflitivos, vez por outra pergunto: Cadê você Cessa? Em resposta, escuto uma voz, qual um eco vindo lá do infinito, a falar-me: isso jamais Ignácio!!! Isso jamais!!! Quando essa reprimenda era-me aplicada, entendia que se tratava de uma ordem e não de um simples pedido.

E agora sem Cessa, nas minhas idas e vindas a Pombal, resta-me lembrar das nossas conversas sobre as coisas ruins e boas que aconteceram e estavam a acontecer na terrinha, ou mesmo a nível estadual, nacional, sob o olhar atento do amigo Bibia.

Nada mais a falar, pois, ao sentir-me qual um adormecido cataléptico, no pequeno espaço de tempo que me resta pra pensar, não consigo libertar-me desta dúvida atroz: qual seja, parar geral ou continuar devagar e sempre? E você o que é que acha?

João Pessoa, 29 de Junho de 2011

*Economista e Escritor pombalense.
ESCREVER: DEVAGARINHO E SEMPRE? ESCREVER: DEVAGARINHO E SEMPRE? Reviewed by Clemildo Brunet on 6/29/2011 11:53:00 AM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Fico feliz em saber que ainda vamos continuar saboreando os textos de Ignácio. A net é o livro mais democrático e, arrisco dizer, barato apesar de ainda não cessível a todos, do mundo. Não fosse a neto os muitos dos escritos de Ignacio ainda estavam, ou hibernando em sua cabeça o em um fundo de gaveta empoeirado uma vez , como ele mesmo me falou, “não tinha planos de publica-los”. Com a net tudo veio a luz e muitos se fezeram luz, principalmente para nós da terrinha, tão carente de memoria.
jerdivan

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