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ROSENO: O CEGO QUE VIA

Prof° F. Vieira
Francisco Vieira*

Todas as manhãs, entre as décadas de 50 e 60, um quadro pitoresco se desenhava nas ruas de Pombal, protagonizado pelo Cego Roseno, figura singular do nosso meio que chamava a atenção de todos. Era no mínimo fascinante.

Como todo deficiente visual caminhava a passos lentos. As pernas com acentuada abertura formavam um ângulo de 45 graus garantindo um pisar firme. Era a sensação de segurança.

Caminhando sem bastão e cantarolando num linguajar todo seu, anunciava a sua chegada oferecendo os produtos que vendia. Dizia: “Atenção. Está chegando o Cego Roseno. Estou entrando na rua” – citava o nome - por incrível que pareça conhecia os locais por onde passava. E, soletrando, acrescentava: “... olhe o bolo de batata, cavalinho de goma, pão- de- ló, de milho, de côco”. No seu modo bem particular vendia saborosos quitutes fabricados por D. Mimosa Cardoso da Rua de Baixo e D. Nanzinha da Rua do Comércio, cuidadosamente produzidos em latas de Sardinha “Coqueiro” e de Manteigas “Turvo” e “Lírio”, que serviam de formas.

O personagem dessa história era membro da Família Fernandes e oriundo do Sítio “Riacho do Pedro”, deste município, onde vivera quando criança ao lado de um irmão também “cego de nascença”.

A deficiência limita a capacidade, mas não inutiliza o ser humano. Portanto, desejoso de trabalhar deslocou-se para a cidade onde contraiu matrimônio com uma jovem de nome Belisa, de cuja união nasceu um filho indo morar na antiga rua da cruz. Fontes confiáveis informam que a cerimônia religiosa se deu na residência de Benigna Damascena ou “Benigna de Creci”.

Pombal, é uma cidade semelhante a outras tantas dos sertões nordestinos, entretanto, tem particularidades que fazem dela um lugar ímpar, ao mesmo tempo igual e diferente. Os fatos, suas histórias e personagens dão a terra um caráter próprio – sui-generis. Aqui, como num passe de mágica, tudo tem um toque a mais, diferente, especial e inexplicável – compreendido apenas pelos seus filhos. Algo que inebria os sentimentos dos moradores, portanto, capazes de transformar o amor telúrico num bem incondicional. Verdadeiro amor filial.

Pombal dos casos inusitados como “Mané Doido”, fazendo peripécias e afirmando “ser preciso ter juízo para ser doido em Pombal”; de João Lindolfo sempre mal humorado com respostas de efeito; da cadeia velha que servia de concentração para Nego Adelson, goleiro do São Cristovão, única maneira de evitar sua embriaguês na hora do jogo; da terra, onde, por ironia ou afronta as Leis Divinas, um eletricista chamado Jesus cortou a energia da igreja. E, como se não bastasse serviu de berço para ROSENO, o cego que enxergava.

Roseno, não era um cego comum, mas um ser especial. Tinha um tino aguçado, o que lhe permitia dispensar o guia e caminhar sozinho, desde a Rua da Cruz até o cento da cidade anunciando o nome das ruas e seus respectivos moradores. Mais incrível e extraordinário era a segurança com que fazia contas e passava trocos. Pelo poder do tato conhecia moedas e até mesmo cédulas. A propósito, se Deus dar o frio conforme o cobertor, certamente o Senhor compensara sua cegueira com outras aptidões.

Ele não era um cego preso na escuridão dos olhos sem luz, mas semelhante à Bartimeu – o cego de Jericó – que venceu pela fé. Com certeza não era o pior dos cegos – o que não quer ver - mas o que tinha sonhos, aspirações, perspectivas e acreditava na superação. Roseno enxergava com os olhos da alma e do amor, que vê tudo a distância; que escutava com o espírito e com o tato de suas mãos tocava a vida, invés de mendigar.

Assim como Andrea Boceli, Luis Braille, Ray Charles e outros que se eternizaram na história, Roseno, não foi menos importante. Afinal, cada um do seu jeito faz sua obra, constrói sua história.

A sua presença nas ruas de Pombal tornou-se rotineira, contudo, sem perder o deslumbramento. Talvez pela condição do vendedor ambulante, pelo sabor excitante dos quitutes ou por ambos os motivos, a atração era irresistível. Havia um toque de magia que as palavras não explicam.

A história de Roseno é exemplo de otimismo e superação. Exalto sua fé e perseverança, pois não se abateu ante sua deficiência, pelo contrário, com determinação encarou o problema, acreditou em si mesmo. Afinal, quem supera obstáculos é um vencedor.

Com o coração, por trás dos seus olhos sem brilho, enxergava um mundo imaginário se protegendo com cuidado redobrado, pois, de esmola grande todo cego desconfia.

Desse modo fica a lição de que devemos aceitar as provações da vida, sem murmúrio, pois é determinação divina. Afinal é nas dificuldades que crescemos espiritualmente.

Partindo do princípio de que o Senhor permite o sofrimento, mas concede a vitória para sua glória não duvido da Sua sentença afirmando que: quando DEUS fecha uma porta, abre uma janela, tal qual fez com ROSENO: O CEGO QUE VIA.

Pombal, 09 de setembro de 2011.

*Professor, ex Diretor da Escola Estadual "João da Mata" e ex secretário de Administração do município de Pombal.
ROSENO: O CEGO QUE VIA ROSENO: O CEGO QUE VIA Reviewed by Clemildo Brunet on 9/10/2011 05:17:00 AM Rating: 5

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