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POMBAL: ENTARDECER NA RUA DE BAIXO

Jerdivan N. Araújo
*Jerdivan Nóbrega de Araújo

Quando eu era criança gostava de me deitar no chão e observar as estrelas na escuridão do céu de Pombal. A cada estrela cadente eu fazia um pedido que não ia além de ganhar um carrinho de plástico ou daqueles que fazíamos de lata de leite Ninho. Desejava, ás vezes, que meu pai trouxesse, no final da tarde, um Pirulito caseiro, destes que se vendiam de porta em porta; eram trocados por garrafas, meia garrafas e litros e vinham enrolados em papel de embrulho, que não largava do doce, nos obrigando a comer com “papel e tudo”.

Os meus finais de noite, quando criança, sendo eu o menor entre os quatros filhos, e numa época onde não existia a televisão, era apenas de se sentar na calçada de casa e ouvir as conversas dos vizinhos e parentes que, todas as noites chegavam para longas prosas, aproveitando ao máximo o vento frio que soprava até mais tarde.

O primeiro a chegar era “nego” Cândido Benigno que pedia uma cadeira de balanço e ali ficava com seu mascar de fumo até a chegada dos demais: “seu” Genésio, Zé Martins, Mestre Álvaro, irmão de Cândido, Zé da Viúva, Joãozinho de Chica, com sua tosse impertinente, Natercio, Godor, Maurício de Raimunda, Zé de Dorsim, Crocodilo, Seu Zequinha da Maniçoba, Chio de Lourdes, Cizenandro, seu Bôbo e tantos outros.

Meu pai chegava em casa poucos minutos depois do toque da sirene da Brasil Oiticica. Pegava um galão com duas latas de “querosene jacaré” e ia até o rio, a não mais do que um quilômetro de distancia da nossa casa, buscar água. Geralmente dava três viagens, as quais eram todas seguidas por mim.

O corredor do rio começava entre a casa de dona Nóca, tia de João Maria, esta do lado direito. Do lado esquerdo, a casa de Seu Joaquim que tinha uma filha deficiente mental de nome Nedina. O trajeto era feito por um estreito corredor ladeado por cercas de arames farpados, cobertos por plantas do tipo Melão de São Caetano, Cajazeiras, Aveloz e duas Oiticicas, que separavam o capinzal de Delmiro Inácio da “roça” de Mila. Ao final do corredor, já sombreando as águas do rio, um pé de Mariza, ou Umari Bravo, antes deste um grande trapeazeiro. Certo dia indaguei ao meu tio Ignácio se ainda existiam estas plantas naquela região. Ele me informou acreditar que, das duas, infelizmente o trapiazeiro já estar extinta e que, ele até andou prospectando algumas sementes para ver se salvava a espécie, mas, sem sucesso.

O marizeiro dá um fruto de nome popular mariza, que é uma espécie de amêndoa. Na ultima viagem com os galões d´água, meu pai catava algumas marizas para cozinhar, como se faz com o caroço de jaca e, nestas prosas nos inícios de noites eram saboreadas pelos visitantes.

Enquanto os mais velhos conversavam nas calçadas as crianças se divertiam no meio da rua. Os meninos brincavam de “bode guerrou”, “bizurico” e outras nomenclaturas hoje desconhecidas.

Lembro do grito de guerra;

“Bode guerrou

E guerreou
Lá na casa de Godô”

Já as meninas se divertiam com “cantigas de rodas” e “queimado” ou simplesmente se sentavam em separadas para contar histórias só delas.

Na calçada da minha casa as conversas variavam de acordo com os assuntos que rolavam na cidade: política, chuvas, etc... muitas das vezes era o rádio Motorola de mestre Álvaro, sintonizado na “Hora do Brasil” que dava o mote.

“Nego” Cândido era também o último sair. Cético, alardeava que não haveria inverno no ano seguinte; mestre Álvaro descordava e garantia a sua vazante de arroz á sombra das cajazeiras lá na “Outra Banda” e assim a prosa ia até tarde da noite.

Alem do corredor que dava no rio, ali por trás do Grande Hotel, a nossa rua era caminho obrigatório para lavadeiras, agricultores; tropas de jumentos que transportavam água; bêbados desocupados; e, tudo mais que se dirigia ao rio, seja para trabalho seja apenas por lazer.

Ao início da tarde as casas que ficavam “de costa” para o oeste começavam esconder o sol e sombrear as calçadas, momento em que chegavam as crianças para brincar de “bola de gude”, “derrubar castanha” apostando “dinheiro de nota de cigarro”, como: Candelo, Beto, Zé Willame de Cabina, Espeto, Pacote, João Maria negro Boró, Genario, Edmundo, Geradinho de Expedita e meus irmãos Zé Tavares, João Neto e Jerdi. Também chegavam os adultos com seus tabuleiros de ludos ou baralhos para jogar relancinho e suéca apostando dinheiro de verdade.
Casario da Rua de Baixo
Assim, a tarde da minha infância ia caindo no horizonte perdido da Rua de Baixo a espera que a sirene da Brasil Oiticica tocasse, liberando os retintos operários que iam se lavar nas águas do Rio Piancó.

A sirene da Brasil Oiticica também trazia para casa o meu pai e com ele a noite, para que eu voltasse a me deitar na calçada de casa para observar as estrelas na escuridão do céu de Pombal, até que os proseadores chegassem para contar as lorotas da lida diária e as crianças mais velhas voltassem correr no meio da rua com suas brincadeiras que eu, de tão pequeno que era, apenas observava da porta da minha casa.

Já nos domingos...

Nos domingos a rotina não era tão deferente. Os moradores da Rua de Baixo viviam, em sua maioria de “bico” e, não tendo emprego fixo levavam sua rotina se aproveitando das poucas sombras, face não ser a nossa rua arborizada, para fugir do calor.

Vez por outra a minha mãe organizava, nos finais de tarde dos domingos, rifas de galetos assados. As pessoas se aglomeravam para concorrer a iguaria e, ao receber a prenda se afastavam para degustar na sombra de uma acácia que existia no recuo da nossa rua, residência de uma senhora de nome dona Tereza ou Tetê.

Já os mais jovens jogavam bola no campinho de fronte a casa de dona Maloura e por trás do Posto de Puericultura.

Passava o “gaso” vendedor de balaio de vime, passava o vendedor de carvão, passava o vendedor de água, passava o vendedor de pirulito e quebra queixo... De volta das farras nas ingazeiras do rio passavam os bêbados e vagabundos... Passavam os que vinham da matinê do Cine Lux... Passavam os que iam passear nas praças centrais...

...Éh!!! todos passaram.

*Bacharel em Direito, Escritor e Pesquisador da História de Pombal.
POMBAL: ENTARDECER NA RUA DE BAIXO POMBAL: ENTARDECER NA RUA DE BAIXO Reviewed by Clemildo Brunet on 10/15/2011 05:52:00 AM Rating: 5

Um comentário

JERDIVAN NOBREGA DE ARAUJO disse...

Jerdivan,
Esse tipo de conteúdo também me lembra minha infância que, apesar de ter sido na Capital, morávamos em Tambauzinho, numa área que na época ainda era bem rural, na rua em cima da barreira ali da Beira Rio, a Manoel Cândido Leite, nº 1825, que fica perto da Radier, sabe onde é? Morei ali até meus 8 anos...

Não existia a Avenida Beira Rio e nem o bairro Castelo Branco.
A gente descia o barranco com meu pai e um vizinho - "seu" Severino, que também era cheio de filhos, e tomávamos banho no rio Jaguaribe; depois fazíamos uma verdadeira expedição pela floresta que havia no lugar do bairro Castelo Branco e voltávamos no final do dia todos caregando mochilas de muitas frutas.
Minha mãe fazia um doce delicioso de Araçá...também colhíamos goiaba, caju, manga, oliveira, jabuticaba...
E colhíamos também mutamba e juá pro meu avô João Belísio fazer sabão e shampoo medicinal, que ele patenteou como Bonjuá...mas, tudo se perdeu e foi-se com ele...ninguém da família deu continuidade...

Tá vendo? é nisso que a leitura toca as pessoas e os seus livros fazem sucesso...

Parabéns

Bette Araujo de Albuquerque Santos

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