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SATURNINO SANTANA: O MESTRE IRREVERENTE

Ignácio Tavares
Por Ignácio Tavares*

Pombal é berço de muitos filhos ilustres. Filhos que se notabilizaram, pelo saber, pela arte da política, ainda, pelos serviços prestados nas diversas áreas do conhecimento humano. Dentre os ícones ilustres, que a história nos legou, invoco neste texto, a figura do saudoso, inesquecível, Saturnino Santana.

Aqui em Pombal, quem não conheceu o mestre Saturnino Santana? Mecânico, eletricista, músico, entre outras coisas mais. Viveu como um homem simples, sem muitas ambições materiais. O pouco que ganhava, dava para manter a família, com certa tranqüilidade. Detestava bajulações, elogios descabidos, mesmo de pessoas amigas ou estranhas, com o propósito de agradá-lo.

Sempre que ia a Pombal fazer-lhe uma visita era-me uma obrigação. Gostava de ouvir suas conversas, assim como as queixas contra algumas pessoas, para as quais havia trabalhado, mas, esqueceram de pagar. Tinha uma memória de elefante. Vicente Farias contou-me que certa vez um freguês mandou consertar um dínamo, que estava dificultando o funcionamento do alternador do seu carro.

O trabalho foi feito com perfeição. O cidadão, falou que depois pagaria o serviço. Tomou chá de sumiço, seja, evaporou-se. Tudo bem, aconteceu que dez anos depois, o devedor, senhor Aristides, com residência fixa em Patos, deparou-se com o mesmo problema, pois o seu caminhão travou o sistema elétrico da mesma forma do outro que Saturnino consertou.

Recorreu a todas as oficinas da cidade de Patos e nenhum especialista foi capaz de solucionar o problema. Assim sendo, não havia outra solução a não ser viajar até Pombal a fim de procurar Satrunino para resolver o problema do seu carro. Assim o fez.

Veio a Pombal e trouxe o dínamo, na certeza de que tudo seria resolvido a tempo e a hora, o que lhe possibilitaria retornar mais cedo à cidade de Patos. Mas, lembrou-se de que devia uma conta ao mestre, em razão do serviço que foi feito há mais de dez anos.

Então antes de ir a casa de Saturnino procurou Vicente Farias. De cara Vicente falou que não mexia com eletricidade. Neste caso, a pessoa mais indicada para solução do problema, era mesmo Saturnino Santana.

Aristides falou: ora Vicente faz mais de dez anos que devo uma conta a ele, por isso tenho certeza de que não vou ser bem recebido na sua casa. Vicente disse-lhe que não se preocupasse, pois, Saturnino estava a passar por momentos de esquecimentos, sintoma do começo de esclerose. Acrescentou: assim sendo, com certeza não vai lembra-se mais da sua dívida, posto que, foi contraída há mais dez anos.

Aristides mordeu a isca. Animado com informação, falou que no outro dia, logo cedinho, levaria o dínamo pra Saturnino dar uma olhada. Dito e feito. No dia seguinte, por volta das sete horas da manhã, Aristides acostou-se ao muro da casa, bem próximo ao portão de entrada. Dessa forma ficou a esperar que Saturnino acordasse pra lhe atender.

Eis que aparece Saturnino. Aristides, com o propósito de ser agradável, falou: isso é hora para um grande mestre acordar? Saturnino ajeita os óculos, olha, reconhece Aristides e responde: pra atender a um velhaco safado igual a você, acho que acordei cedo de mais. Aristides ficou qual uma estátua viva, que só fazia ouvir, pois não tinha nada a falar.

Desapontado retorna a casa de Vicente Farias e fala: ô Vicente, quem foi que disse a você que Saturnino está esclerosado, esquecido? Ora, por conta daquela dívida, ele botou em mim como a vaca botou em mestre Alfredo: sem dó e piedade. Pra completar nem sequer me mandou entrar na sua casa. Esse era o Satrunino Santana, seja, genial, irreverente, sem papa na língua, principalmente, quando falava a verdade.

Eis outra estória contada por Vicente Farias. Não gostava de emprestar suas ferramentas de trabalho a quem quer que fosse. Certo dia um cigano foi à casa de Vicente Farias a fim de conseguir um lima emprestado pra terminar um serviço na sua tenda. Vicente disse ao ganjão que não tinha lima, mas, o vizinho lá da esquina, com certeza tinha.

Era Saturnino o vizinho o qual se referia Vicente. O cigano perguntou a Vicente: como posso chegar até lá? Acrescentou: ora se esse homem não me conhece, como é que pode emprestar-me uma lima? Vicente então falou: faça-se conhecido dele!

O cigano ardilosamente ficou a imaginar, como era que podia apresentar-se como conhecido da família de Saturnino. Completou: fale alguma coisa sobre a família dele. Vicente falou pra o cigano: ele teve um irmão que foi o melhor violonista de Pombal. O cigano perguntou: como era o nome desse violonista? Custódio Santana, respondeu Vicente. Deixe o resto comigo! Retrucou o cigano.

O cigano partiu em direção a casa de Saturnino. Ao chegar, bateu palmas e logo Saturnino apareceu pra ver quem era. Ao ver aquela figura estranha, perguntou: o que é que deseja moço? É o seguinte seu Saturnino: estou precisando de um lima pra terminar um serviço lá na minha tenda, portanto gostaria de saber se o senhor podia me emprestar. Prosseguiu: garanto ao senhor que hoje mesmo eu trago de volta.

Saturnino olhou pra o cigano com ar de reprovação, respondeu: não possuo esse tipo de ferramenta meu senhor. A partir desse momento o cigano pôs em prática a sua estratégia, segundo as informações repassadas por Vicente Farias. Entra em ação: o senhor não me é estranho! O que é que o senhor é de Custódio Santana?

Surpreendido com a pergunta do cigano, o mestre respondeu: ah, era meu irmão. Por sinal já morreu há muito tempo. O cigano devolveu: pelo amor de Deus, não me diga que o padrinho Custódio morreu!! Saturnino, mais uma vez ficou surpreso e perguntou: o senhor conheceu mesmo o meu irmão? Respondeu o Cigano: ora, até demais. Toda vez que a comitiva do meu pai passava aqui em Pombal, era uma verdadeira festa. Como então? Perguntou Saturnino, pasmo sem entender nada do que estava ouvindo.

É o seguinte seu Saturnino: o meu pai tocava violão tão bem quanto o meu padrinho. Assim quando os dois se encontravam, emendava os bigodes, não tinha pra ninguém. Os dois violões só faltavam falar. Entusiasmado com a conversa do cigano, Saturnino chama sua esposa Chiquinha e ordena: traga aquela a caixa de lima.

O cigano escolheu a melhor, entre tantas outras que estavam na caixa, agradeceu, despediu-se, nunca mais apareceu. Vicente Farias, sabedor de toda história, vez por outra tocava no assunto, só pra ver Saturnino comentar aquele desagradável acontecimento.

O mestre, dizia acreditar que Vicente foi o mentor daquela encenação enganosa. Digo isso porque tenho absoluta certeza de que houve alguém que orientou aquele cigano para me aplicar o golpe da lima. Esse alguém só pode ter sido você. Vicente divertia-se bastante ao ver Saturnino embaraçado com lances dessa natureza.

Tem mais. O mestre Saturnino, como músico foi insuperável, em todo sertão paraibano, no manuseio de dois instrumentos: o trombone simples ou de vara e bombardino. Certa vez foi participar de uma tocata em Patos, a convite do maestro da banda local.

Topou o convite, pois era uma oportunidade para ganhar algum dinheiro a mais. À noite, enquanto os músicos estavam a ensaiar individualmente, ele estava a pitar o seu cigarro de fumo, com o olhar fixo na partitura. Não falava nada, apenas observava o desempenho dos demais músicos.

Em razão do seu silencio, o maestro falou baixinho pra o seu auxiliar: esse músico de Pombal até agora não disse pra que veio. Só leva o tempo a fumar e olhar pra partitura. Chegou a hora do ensaio geral. Era um dobrado que Saturnino conhecia muito bem. Logo após o ensaio, o maestro dirigiu-se a Saturnino e falou: maestro seu lugar é este onde estou. Este foi o genial Saturnino, que também como bom músico que foi, toda Pombal e municípios da redondeza tiveram a oportunidade de conhecer e aplaudir a sua arte.

Foi um músico completo. Lia e tocava com uma habilidade impressionante. Era abusado no exercício de suas atividades. Certa vez a banda marchava em direção a Igreja Matriz, capitaneada por Frederico Roque e de repente, em plena caminhada, Saturnino agacha-se e apanha alguma coisa que estava no chão. Provocou um descontrole na marcha, mas lá pra frente tudo se normalizou.

Ao chegar ao pátio da Igreja, Frederico dirigiu-se a Satrunino e lhe aplicou uma reprimenda diante dos amigos. Saturnino irritou-se, ameaçou ir embora pra casa. Frederico então, perguntou: finalmente o que foi que você apanhou no chão? Saturnino tira do bolso um parafuso velho, enferrujado e mostra pra Frederico.

Novamente outra repreensão: como é que pode, você quase parou toda banda por conta de um parafuso velho! Saturnino respondeu: tá vendo aqui esse parafuso velho? Acrescentou: vale muito mais do que certos maestros que eu conheço inclusive você! O riso foi geral.
Saturnino e o irmão Zezinho Santana* 
Este foi o Mestre Saturnino, protagonista de muitas estórias, eivadas de lampejos de irreverências, aparentemente maliciosas, porém inteligentes, sem nenhum toque de maldade. Foi mecânico, eletricista e renomado músico de bandas, como poderia ser também de orquestra de câmara, sinfônica, até mesmo conjuntos regionais ao estilo dos anos quarenta.

Foi sem dúvida um grande Mestre perdido nas quebradas do Sertão Paraibano. Diante dos momentos de alegria que nos proporcionou, enquanto vivo, sem dúvida posso afirmar que Pombal está a dever uma justa homenagem ao filho ilustre, o Mestre Saturnino.

Este texto tem o propósito maior reconstituir alguns lances da vida de um ilustre cidadão pombalense, a fim de que o seu nome, a sua memória jamais seja esquecida por aqueles que privaram da sua amizade. Ademais objetiva ainda, informar as gerações do presente que esse homem fantástico viveu no nosso meio por mais de sete dezenas de anos a prestar serviços de alta qualidade, como mecânico, eletricista, músico, entre outras atividades.

A título de curiosidade pergunto: existe nesta cidade a Rua denominada Saturnino Santana? Perguntar não faz mal, não é?

João Pessoa, 01 de Novembro de 2011.
*Foto arquivo: Verneck Abrantes.
*Economista e Escritor pombalense
SATURNINO SANTANA: O MESTRE IRREVERENTE SATURNINO SANTANA: O MESTRE IRREVERENTE Reviewed by Clemildo Brunet on 10/31/2011 11:00:00 PM Rating: 5

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