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LIBERDADE E O VIVER

Severino Coelho Viana
Por Severino Coelho Viana*

A liberdade de ir e vir é tão essencial na vida do ser racional que às vezes se confunde com a própria existência humana, cujo espaço terreno é similarmente comparável ao espaço sideral para as aves, que dão expansão as suas asas nos ares estratosféricos. Mas, há quem pense ao contrário, afirmando que o homem só encontra o seu viver pleno quando alcança a sua liberdade financeira.

O homem sem liberdade tem a sua dignidade morta, pois não pode prover escolhas. Não pode errar e nem acertar. Não pode ser dono dos próprios passos, vive numa estrada pré-fabricada e predeterminada, aonde todos marcam o compasso com o barulho do solado dos sapatos.

Os liberais dizem que capitalismo é igual à liberdade, porém isso não nos parece verdade, já que no capitalismo a liberdade verdadeira só existe para quem tem capital (os burgueses); porém quem é miserável e não tem acesso as melhores escolas e opções de vida não tem tal liberdade; logo o correto seria dizer: ter dinheiro é igual a ter liberdade? (e os excluídos do sistema jamais serão verdadeiramente livres).

A título de exemplo, comparemos um lixeiro nos EUA com um lixeiro no Brasil: nos EUA, um país que apesar de muitas mudanças sempre respeitaram as liberdades econômicas muito mais que o Brasil, um lixeiro possui uma vida material bem superior a um lixeiro no Brasil. E tanto pessoas pobres nos EUA quanto no Brasil de hoje têm vidas materiais muito melhores do que os reis e rainhas da Europa há 80 anos. E a vasta maioria dos avanços tecnológicos foram criados e massificados dando oportunidade a todos. E esta liberdade é a plenitude do viver?

É bom que se diga: liberdade de verdade não é liberdade de fazer o que você bem entender (coisa de quem tem mais dinheiro ajuda, mas mesmo assim não tanto quanto um socialista pode pensar). Liberdade é ser livre da coerção física. Essa é a liberdade que os liberais são a favor.

Alguns filósofos externaram seus sentimentos sobre a liberdade de acordo com o estilo de vida. Spencer definiu que “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro” assim conferiu cunho político a liberdade, traçando-lhe como possibilidade de o indivíduo exercer, em sociedade, os chamados direitos individuais clássicos, como o direito de voto, de liberdade de opinião e de culto. Já em sentido ético, se traduz como o direito de escolha pelo indivíduo de seu modo de agir, independentemente de qualquer determinação externa.

São tantos os condicionamentos biológicos, psicológicos, sociais, culturais, históricos e geográficos que limitam e ditam inexoravelmente o homem que a existência da liberdade não passa de uma premissa mais do que uma exata verdade.

Kant considera que a liberdade é a ação em conformidade com a lei e moral que nos outorgamos a nós mesmos. A liberdade implica assim na responsabilidade do indivíduo por seus próprios atos. Sem dúvida há no conceito de liberdade o envolvimento com a consciência, poder, dever e identidade do ser humano.

Benfazeja é a assertiva de Pe. Antônio Vieira que aludia que o todo sem a parte não é o todo, e a parte sem o todo não é parte. Na essência humana, o mundo é moldura assim como este é, o imenso contexto em que nos encaixamos e significamos um pequeno elo de conexão.

Hannah Arendt aduz: “É como se velhas contradições e antinomias estivessem à nossa espreita para forçar o espírito a dilemas de impossibilidade lógica de tal modo que, dependendo da solução escolhida, se torna impossível conceber a liberdade ou o seu oposto quanto entender a noção de um círculo quadrado”.

Todavia o ser humano não faz o que quer, mas, sobretudo, pode efetivar realização de metas e fins estabelecidos, e se caracteriza por ser livre por possuir certo grau e medida de possibilidades objetivas de concretizar as escolhas motivadas.

Ser livre não é um ser sem causa, é decidir e agir como se quer, sem causa exterior ou interior, mesmo admitindo que a força existe. O ato livre pertence a uma esfera em que perfaz a liberdade humana.

Podemos demonstrar a existência da liberdade através de diversas provas. A prova da consciência resulta da análise que fizemos do ato voluntário, no qual a consciência experimental diretamente a liberdade do querer composta de deliberação, decisão e execução.

As sanções da vida social, como recompensa e castigo, não têm sentido senão pela liberdade e, elas supõem que os homens se reconheçam livres e responsáveis por seus atos.

Por isso, não se punem os dementes que delinquem por absoluta falta de discernimento e razão e, portanto, de liberdade, seus atos não lhes são imputáveis.

O uso contínuo dos contratos e mesmo o teórico e hipotético “Contrato Social” de Rousseau através dos quais os homens assumem obrigações recíprocas, igualmente pressupõe a crença no livre arbítrio. É a prova metafísica que explica o livre arbítrio e demonstra que ele é uma consequência necessária ou propriedade da razão.

Sartre por sua perspectiva existencialista, crê que o homem é livre, posto que somos aquilo que fazemos do que fazem de nós.

O homem nunca é um ser acabado predeterminado, sempre há a possibilidade de escolha. E não há diferença entre o ser do homem e seu ser livre.

Voltaire ilustra bem a liberdade de pensamento: “Não estou de acordo com o que você diz, mas lutarei até o fim para que você tenha o direito de dizê-lo”. É o direito de pensar, e de lutar pela liberdade de exprimir seu pensamento. E que se tornou uma das máximas do Liberalismo.

Prestem atenção na fábula chamada “Asno de Buridan” que Jean Buridan (século XIV) onde apresenta o livre-arbítrio:

“Um asno com fome e sede, mantido a igual distância de um balde de água e de um cocho de aveia, morreria sedento e faminto por ser incapaz de fazer qualquer escolha”.

Enquanto os animais são conduzidos por seus apetites, temperamento e até mesmo pelos astros, o homem, ao contrário, tem o poder não só de escolher aquilo que ele pensa ser o melhor, mas também de decidir entre bens de igual valor.

Segundo Buridan, a vontade se pauta por aquilo que a inteligência aponta como bem maior. Porém, quando a inteligência julga dois bens de igual maneira, a vontade não pode decidir-se nem por um e nem por outro; a escolha não acontece. É o caso de nosso pobre asno.

O homem, no entanto, não morreria de fome e de sede, pode com certeza, suspender ou impedir o julgamento da inteligência.

Esta fábula demonstra a contradição entre a necessidade e a liberdade. O que nos remete novamente a uma questão controvertida sobre o determinismo e sobre a liberdade absoluta.

As liberdades formalmente garantidas figuram sempre no âmbito de alguma prática histórica contingente; essa prática é política no sentido de que impõe objetivos que temos realmente liberdade para analisar, contestar e mudar.

Para Nietzsche, o homem livre é um lutador e a liberdade é algo que se conquista. Segundo o determinismo científico, tudo que existe tem uma causa. Tal mundo é explicado pela necessidade e não pela liberdade. Ora, se a ciência não partisse dos pressupostos do determinismo, seria impossível estabelecer qualquer lei.

João Pessoa, 03 de novembro de 2011.

*Promotor de Justiça e Escritor Pombalense
LIBERDADE E O VIVER LIBERDADE E O VIVER Reviewed by Clemildo Brunet on 11/03/2011 08:07:00 PM Rating: 5

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