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O BAIÃO E O PRECONCEITO (I)

Onaldo Queiroga
ONALDO QUEIROGA*

O sertanejo — homem rústico ou mesmo rude por natureza — é, sem dúvida, o símbolo maior da coragem que se observa numa área chamada Sertão. Caipira que vive da roça, tem ele um jeito de ser único, verdadeiro e sincero. Com seu vestir simples e linguagem própria, é sempre visto com um olhar diferenciado, às vezes pejorativo e, noutras ocasiões, vê-se considerado como ser inferior por alguns desinformados.

Carrega o matuto nordestino o rosto enrugado pelo sol causticante, os pés rachados pela terra quente, a filharada para dar de comer e a fé inquebrantável em Padre Cícero e Frei Damião.

Esse ser humano, apesar de toda sua bondade e pureza, tem quase sempre contra si olhares preconceituosos. Com efeito, ficamos imaginando o quanto não foi duro o preconceito lançado contra os nordestinos que chegavam ao eixo Rio/São Paulo em todo o transcorrer do Século XX, principalmente no início desse fluxo migratório.

Com um matulão às costas, de pau-de-arara, o sertanejo cumpria sua sina de buscar o sonho de um mundo melhor. Enfrentava as dificuldades de um lugar estranho, mas trazia consigo, também, o conceito de Euclides da Cunha, de que o sertanejo é antes de tudo um forte.

Foi em meio a esse cenário que Luiz Gonzaga chegou à capital do então Estado da Guanabara, o Rio de Janeiro, que era também a Capital brasileira. Pediu licença e sentou praça com seu baião. Corriam os primeiros anos da década de 1940, com a Segunda Guerra Mundial e o intenso vaivém dos navios trazendo os gringos que desciam todos em busca da região da Lapa, da zona do baixo meretrício, onde Gonzagão arrastava sua sanfona, no Bar do Espanhol.

Era o tempo em que Luiz tocava tangos, boleros, valsas e chorinhos. Daquela sanfona ainda não se podia ouvir o som originário de seu pé-de-serra. Mas, um dia, incentivado por Armando Falcão, Gonzaga retornou ao programa de calouros do compositor Ary Barroso, na Rádio Nacional, e resolveu, então, tocar algo do seu Sertão – o “Vira e Mexe”. Por incrível que pareça, os ventos viraram e mexeram tanto com a vida daquele matuto que ele terminou sendo contratado pela Rádio Nacional, pela RCA Victor — e, por fim, conquistou o mundo.

De 1941 a 1945, por imposição da RCA Victor, Luiz só gravou como instrumentista: achavam que ele tinha voz ruim. Mas, neste mesmo ano (1945), Gonzaga conseguiu romper o preconceito e terminou por gravar uma primeira canção, usando sua voz, por meio da música “A Dança da Mariquinha”. Em seguida, o “Lua” viu que Pedro Raimundo, cantor e compositor gaúcho, só se apresentava nos programas da Rádio Nacional com roupas típicas do Sul do país. Aquilo lhe chamou a atenção. Teve ele, então, a idéia de produzir uma roupa com características que lembrassem o sertão nordestino.

E um belo dia o Luiz “Lua” Gonzaga chegou à Rádio Nacional com um chapéu de couro na cabeça e vestido de gibão. O traje, misto de roupas de vaqueiro e de cangaceiro, provocou outra feroz reação preconceituosa. Luiz foi impedido de se apresentar vestido com tal roupa. Ele não aceitou a imposição, pois não entendia por que: Pedro Raimundo podia se apresentar com os trajes típicos do Sul — mas ele, Luiz Gonzaga, não podia se exibir com aquele traje que fazia referência ao Nordeste.
Puro preconceito. Então, Luiz resolveu enfrentá-lo. Continuou se apresentando em circos, cinemas e nas praças públicas com aquele traje, até que um dia a Rádio Nacional se deu por vencida e permitiu sua apresentação com a nova indumentária, que o identificaria para sempre como o Rei do Baião, símbolo maior da música verdadeiramente brasileira e como representante-mor de nossa Cultura de raiz.

Viva o Baião!!!

*Pombalense, Juiz da 5° Vara Cível de João Pessoa - PB.
O BAIÃO E O PRECONCEITO (I) O BAIÃO E O PRECONCEITO (I) Reviewed by Clemildo Brunet on 11/01/2011 07:00:00 PM Rating: 5

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