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A PALMATÓRIA

Severino Coelho Viana
Por Severino Coelho Viana*

Na nossa modernidade, no âmbito da classe de educadores, a maioria considera a palmatória um instrumento retrógado que maltratava o aluno física e psicologicamente e não era o meio adequado para transmitir e obter um elevado grau de conhecimento. Enquanto que outra parcela de professores, por incrível que nos pareça, apesar de ser minoritária, defende a volta desse antigo instrumento como uma forma de retorno e reconhecimento à autoridade do professor na sociedade.

No Brasil, o uso da palmatória e do castigo físico, seu emprego foi introduzido pelos jesuítas, como forma de disciplinar os indígenas. A prática só começou a ser repensada em 1970, com as campanhas pelo o fim da violência infantil, na década de 1970. Na década de 1980, foi considerado crime.

A palmatória - objeto confeccionado de madeira com uma parte arredondada, usado antigamente nas escolas, pais de família, nas prisões, senzalas, para puni-los ou exigir algo. Tarefa passada para casa, na aula seguinte o professor ou a professora fazia uma roda entre alunos e fazia perguntas como exemplo a Tabuada, os alunos que errassem a punição seria um bolo de palmatória.

Inicialmente, apresentamos três exemplos que ficaram registrados sobre esse instrumento disciplinar:

O grande escritor Machado de Assis - Em Conto de Escola, publicado em 1896, Machado de Assis narra as peripécias de um menino em sua conflitante relação com a escola primária, cuja frequência era constantemente burlada por “gazeteiros” como ele, em favor dos atrativos da infância: brincadeiras de rua e passeios sem rumo pela cidade do Rio de Janeiro. “A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau”, escrevia o escritor. “O ano era de 1840. Naquele dia – uma segunda-feira do mês de maio –, deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar de manhã. Hesitava entre o morro de São Diogo e o Campo de Santana (...). Morro ou campo? Tal era o problema. De repente, disse comigo, melhor era a escola. E guiei para a escola. (...)”. O pequeno personagem subiu “a escada com cautela, para não ser ouvido pelo mestre”, e teve a sorte de chegar minutos antes de o professor entrar na sala de aula, livrando-se assim, com um suspiro de alívio, dos castigos reservados aos infratores.

A narrativa nos remete ao tempo em que as escolas primárias, separadas conforme o sexo dos alunos, funcionavam geralmente no âmbito dos espaços domésticos, nas próprias residências dos mestres. Eram denominadas “casas de escola” e conhecidas pelos nomes dos professores e professoras que as administravam. A memória coletiva nos traz imagens de professores severos e prestigiados, envergando casaca preta, chapéu, bengala, e sempre municiados com a “santa luzia” – ou seja, a palmatória –, instrumento dos mais persuasivos para que seus discípulos aprendessem rápido, “de cor e salteado”, o bê-á-bá e a tabuada.

Na biografia do escritor José Lins do Rego menciona que ele aprendeu as primeiras letras na Escola do Professor Figueiredo que, a princípio lhe ensinava com agrados e depois passou a agredir, dava-lhe até com régua na cabeça de Dedé: “Nunca vi menino mais burro que este!”. Sentenciou o professor Figueiredo.

No livro biográfico da Vida do Cel., Manuel Arruda de Assis informa que: “No ano de 1904, com apenas cinco anos de idade, a família vai residir em Guarabira. Ainda criança inicia os seus estudos, sendo o seu primeiro educador, o professor Enos Barreto. Professor enérgico, todavia, com grande espírito de mestre, de método antigo onde lecionava a base de tabefe, vara e palmatória. Na sala de aula o silêncio era sepulcral, o mínimo de barulho a vara comprida estendia no espinhaço dos alunos, aquilo como fosse uma repreensão educativa”.

Na verdade, no Brasil, não existe mais o uso da palmatória, mas muitos educadores que estão professores ainda usam a palmatória verbal por falta de civilidade e com desrespeito à dignidade da pessoa humana. Certa vez uma aluna denunciou uma professora por que ao chegar à escola a professora a repreendeu da seguinte maneira: - “bicha nojenta isto é jeito de se trajar e vim para a escola!” Um outro professor respondeu a um processo por que disse para o aluno: “seu porra vá pegar a bola ali se não quiser levar um croque”! Esse é o uso de palmatória verbal que às vezes fere mais do que a agressão física.

Todos os anos, os Legislativos dos Estados Unidos debatem se a punição corporal é uma forma arcaica de violência contra a criança ou adolescente, ou um meio eficaz de disciplina. Isto, porque ainda existem 20 (vinte) estados norte-americanos que utilizam a palmatória. (artefato, na maioria das vezes feito de madeira, com uma haste e uma chapa na ponta) para punir estudantes indisciplinados.

A palmatória foi instituída no regime educacional em vários países e o último país a abolir o uso da palmatória foi a Inglaterra só extinguiu do seu sistema educacional no ano de 1989.

Nísia Floresta, pedagoga que viveu na primeira metade do século XIX, era apologista dos modernos métodos pedagógicos, horrorizando-lhe a persistência do uso dos castigos físicos nas escolas do Rio de Janeiro:

As escolas de ensino primário tinham antes o aspecto de casas penitenciárias do que de casas de educação. O método da palmatória e vara era geralmente adotado como melhor incentivo para o desenvolvimento da inteligência. Não era raro ver-se nessas escolas o bárbaro uso de estender o menino que não havia cumprido os seus deveres escolares, em um banco e aplicarem-lhe o vergonhoso castigo do açoite. [...] a palmatória era o castigo menos afrontoso reservado às meninas por serem mulheres, em grande parte, grosseiras, que faziam uso de palavras indecorosas, lançando-as ao rosto das discípulas onde ousavam imprimir alguma vez a mão, sem nenhum respeito para com a decência nem o menos acatamento ao importante magistério que, sem compreender, exerciam (Floresta, 1989, p. 57-58).

Segundo Bretas, era a palmatória um instrumento de punição:

Feita de couro cru, engrossado em uma das extremidades, constituindo esta o cabo onde se pegava; era achatada e arredondada na outra extremidade, com a extensão suficiente para cobrir a palma da mão (era a clássica férula). Depois passou a ser feita de madeira, quase no mesmo formato, tendo na parte redonda, destinada a cobrir a palma da mão, cinco buracos, os quais, sem ultrapassar toda a madeira, serviam de sanguessugas. Seu nome popular era "Santa Luzia” (Bretas, 1991, p. 154).

Os usos da palmatória, da régua ou mesmo da temida cana tornaram-se imunes a diferentes correntes políticas e pedagógicas. Senão vejamos: a palmatória passou incólume pela República, reforçou a importância no Estado Novo e acabou por chegar à década de 80 do século XX personificada num resquício anacrônico da Ditadura Militar, ainda que suscetível de causar calafrios nos alunos e utilizada sem pudor, sempre que necessário, pelos professores.

O nosso posicionamento é radicalmente contra o uso da palmatória (física) e palmatória (verbal). Os dois métodos são uso de violência, e violência não rima com escola.

João Pessoa, 1º de dezembro de 2011.

*Promotor Público e Escritor Pombalense

COMENTÁRIO
Caro Severino.
Coincidência ou não, seu novo artigo A PALMATÓRIA, chegou em boa hora. Diria até, feliz coincidência, já que surgiu às vésperas do Dia do Orientador Educacional (04/12), profissional que certamente reprova essa atitude por não condizer com os princípios pedagógicos.
Eu, na qualidade de educador também repudio veementemente essa prática por considerar ineficiente e danosa. Afinal de contas a violência nunca educou ninguém, embora alguém diga que peia não é santo, mas obra milagres.
O uso desse instrumento exprime um caráter repressor que em nada contribui com o processo educacional e a formação da humanidade. Seus efeitos não são outros, senão, oprimir, maltratar e humilhar.
A propósito, irônico é saber que esse método fora utilizado pelos jesuítas, pessoas que devido sua condição religiosa deviam empregar práticas sensatas e convincentes.
Seu artigo é de suma importância para o campo da educação, tanto que merece ser visto e analisado por muitos educadores, infelizmente ainda adeptos dessa prática retrógada.
Diante da grandeza do tema e a clareza descritiva o artigo é digno de parabéns.
Parabéns com louvor.
Prof. Francisco Vieira.
Pombal, 02 de dezembro de 2011.
A PALMATÓRIA A PALMATÓRIA Reviewed by Clemildo Brunet on 12/01/2011 12:21:00 PM Rating: 5

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