banner

NELSON GONÇALVES: PASSADO E PRESENTE - Parte I

Onélia Queiroga

POR ONÉLIA QUEIROGA*

A vida do homem, os seus feitos, a sua luta para vencer e marcar época entre os contemporâneos, a sua batalha do dia-a-dia que sedimenta, sem ele o sentir, os seus caminhos eternos, é que fornecem e acumulam o material necessário para que se escreva a sua própria história.

A imortalidade, contudo, não pertence a todos os que buscam a fronteira supersônica. Atravessam-na, apenas, os privilegiados. E privilegiado só o é o verdadeiro artista; aquele que assimila e adianta-se ao seu tempo; que sobrevive ao seu e outros tempos; que sobrevive aos tufões do modismo que vai e vem, dos valores que se firmam e dos meteoros que fenecem em pouco tempo; que resiste ao tic-tac do cronômetro por ter o olhar centrado nas demarcações do porvir. Ajustar-se a tantos contrafortes é dádiva, é dom dos gigantes, dos predestinados que deixam a sua marca gravada no reconhecimento dos pósteros da perenidade do seu talento. Essa marca deixou-a Nelson Gonçalves gravada no panteão musical dos heróis nacionais.

Privilegiado foi Nelson Gonçalves. . Nasceu e viveu na fase lírico-romântica do nosso cancioneio popular; foi do período aurífero do rádio; dos grandes compositores de músicas lindas e letras ricas no trato da última Flor do Lácio. Privilegiado o foi por ter sido o intérprete daquilo que o povo gosta de ouvir para sentir e que ele sempre o fez, por ter nascido com aquela voz. “Espécie de Dinossauro”, como costumava a si mesmo atribuir este epíteto, Nelson consagrou-se pela voz e também pelo estilo que impôs ao povo brasileiro de homem forte, machão, mulherengo, boêmio, sonhador, e acima de tudo, um sentimental; por encarnar a “estética fashion, o chique-kitch da boa e velha dor-de-corno tão cara aos brasileiros, da barra-pesada, anéis de brilhante, dos rendez-vous de abat-jours lilás, das gafieiras e boleros de subúrbios”. E ninguém mais adequado do que Nelson para interpretar os versos burilados e imaginários dos grandes compositores e, às vezes, dele mesmo, por serem tão reais, tão identificados aos seus próprios dramas e problemas que chegaram, em determinados períodos de sua vida, a ultrapassar as tramas e dramas do seu repertório.
Artista de experiência rica em fatos de altos e baixos na vida amorosa, familiar, econômica e artística, Nelson Gonçalves foi um lutador, um guerreiro, imbatível até, quando se supunha não haver mais retorno do seu mergulho no caldeirão hipnótico do vício. O cantor venceu as tempestades do destino e ressurgiu de todas as borrascas e maremotos dos oceanos da vida. E venceu, porque sempre ficou ligado ao seu ritmo vital interior, independentemente de padrões impostos ou sucessos fabricados. A partida dos seus contemporâneos: Chico Alves, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, tornou-o o “Último Boêmio” fiel à tradição. Mas, nem por isso, deixou de prestar contas à modernidade; ao contrário, afinou-se com os novos cantores e compositores, gravando os sucessos destes com sua voz inconfundível ou em parceria com todos eles, num dueto fantástico, que nos permite avaliar a voz dos outros e a dele que, quando entra, arrasa, dando às letras a sua conotação pessoal.

O sistema de parceria não foi novo em Nelson. Fê-lo nos tempos de antanho, com Isaura Garcia, recentemente apresentado em Mensagem, da Revivendo, onde, neste CD, reproduzidos são sucessos da dupla como: Teu Retrato e Dona Rosa. Note-se, porém, que os dois, Isaura e Nelson, foram de uma idêntica fase, o mesmo não acontecendo, em regra, com as parcerias mais recentes. O Metralha, contudo, não se entregou, prestou contas à contemporaneidade, sem se mutilar, pois, soube pinçar, no repertório atual e dos atuais, as letras e as músicas que se ajustavam ao seu estilo de boêmio cantor. Tornou-se, assim, presente, sem negar o passado.

*Onélia Setúbal Rocha de Queiroga.
Escritora e Professora de Ciências Jurídicas
da Faculdade de Direito da UFPB.
Colunista do Caderno 2, página Cultura,
do jornal “ Correio da Paraíba”.
NELSON GONÇALVES: PASSADO E PRESENTE - Parte I NELSON GONÇALVES: PASSADO E PRESENTE - Parte I Reviewed by Clemildo Brunet on 1/11/2012 06:05:00 AM Rating: 5

Nenhum comentário

Recent Posts

Fashion