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O CRIME DA RUA DA CRUZ - POMBAL 02 DE JULHO DE 1883

Jerdivan N. Araújo
Jerdivan Nóbrega de Araújo*

Imagine uma cidade pacata, de índole religiosa, com pouco mais de cinco mil habitantes morando em sua zona urbana, ser surpreendida, em um lapso de tempo, entre um caso e outro, de menos de seis anos, por dois crimes de infanticídios: O primeiro caso foi o já conhecido, de Donária dos Anjos, que na seca de 1877, ela então com dezoito anos de idade, para não morrer de fome, matou uma criança, cozinhou e a comeu. Julgada e condenada morreu na cadeia de Pombal. O segundo caso, que só veio à luz no final de 2011, é o de outra jovem pombalense de nome Maria da Conceição então com 26 anos de idade, moradora da Rua da Cruz em Pombal, que no dia dois de julho de 1883, deu a luz e em seguida assassinou a criança.

Se o motivo que levou Donária dos Anjos a cometer infanticídio foi a fome, o de Maria da Conceição foi o de assegurar um suposto casamento. A ré engravidou de um dito Francisco, que certamente a abandonou ao tomar conhecimento da gravidez. Em seguida a ré conheceu um certo Rufino Gouveia, que certamente desconhecia a gravidez, o que ela escondeu até o último minuto daquele fatídico dois de julho de 1883, quando deu a luz assassinou a criança e a enterrou no quintal da casa da avó, sendo o corpo encontrado por cachorros. Acredito que seja este o primeiro texto a falar no assunto, depois de cento e trinta e um anos do fato ocorrido.

O Processo de Maria da Conceição teve inicio no dia três de junho de mil oitocentos e oitenta e três com a queixa e abertura dos procedimentos policiais, até o segundo julgamento pelo Juízo do Conselho de Sentença de Pombal, o que aconteceu no dia seis de junho de mil oitocentos e oitenta e quatro, depois de tramitar em grau de recuso pela Corte Julgadora Superior em Recife.

A acusada foi denunciada, presa, julgada e absolvida por perempção no primeiro julgamento, o Juiz da Comarca Dr. Francisco Leal de Miranda, apresentou Recurso* a instância superior em Recife, conseguindo a anulação do primeiro júri. Submetida a novo Julgamento, Maria da Conceição é condenada, por crime qualificado no "Art. 198. Se a própria mãe matar o filho recem-nascido para occultar a sua deshonra.” “Lei de 16 de dezembro de 1830, (Código Criminal do Império do Brasil).

Foram mais de cento e dezenove pessoas envolvidas no processo, entre Juiz, promotorias, testemunhas, Juízos do Conselho de Sentença, porteiro da Câmara, advogado de defesa, policiais, Inspetor de Quarteirão, delegado, escrivão e Desembargadores, compondo um rito processual, que foi relatado com riquezas de detalhes pelo escrivão da Comarca, o que nos permite através do processo o retorno a cidade de Pombal do final do século dezenove, para seguir seus passos entre a cadeia e a Câmara do Júri da cidade.

De peça jurídica o processo de Maria da Conceição é um documento de relevância histórica, que nos permite analisar a sociedade de Pombal a partir do final do século XIX.

O julgamento de Maria da Conceição foi um evento importante para a sociedade pombalense, envolvendo todos os instrumentos do Estado que estavam à disposição da Comarca de Pombal, que foi o primeiro Julgado que se criou no sertão e data do ano de 1711. Até uma junta pericial para responder os “Quesitos” que viessem a esclarecer o causa mortis e algor mortis, que vem a ser a causa e estimativa do tempo de morte da vitima, foi convocada: eram peritos de profissão, Francisco Adelino Pereira e João Inácio Cardozo D’Aarão.

É fácil imaginar o que esse crime mudou a rotina de Pombal, causando repulsa e indignação ao povo. Diversas testemunhas foram ouvidas e quarenta e oito cidadãos foram convocados, em três momentos, a compor Corpo de Jurados para, através de sorteio, escolher os doze membros que a época eras chamados de Juízes de Sentença. Vejo as pessoas nas ruas acompanhando a ré, ou se aglomerando a porta da Câmara para assistir ao “espetáculo”, torcendo pela condenação da mãe que matou a filha recém nascida Era a pressão da sociedade exigindo das autoridades que fosse feito justiça para que fato igual não voltasse a acontecer.

Isto é Pombal: uma cidade tricentenário, que ainda tem, em seus cartórios, muitas histórias por ser reveladas.

(Nota: *A Lei nº 261, de 3 de Dezembro de 1841 facultava ao Juiz a interposição do recurso. Art. 79. O Juiz do Direito appellará ex-officio:

1º Se entender que o Jury proferio decisão sobre o ponto principal da causa, contraria á evidencia resultante dos debates, depoimentos, e provas perante elle apresentadas; devendo em tal caso escrever no processo os fundamentos da sua convicção contraria, para que a Relação á vista delles decida se a causa deve ou não ser submettida a novo Jury. Nem o réo, nem o accusador ou Promotor terão direito de solicitar este procedimento da parte do Juiz de Direito, o qual não o poderá ter, se, immediatamente que as decisões do Jury forem lidas em publico, elle não declarar que appellará ex-officio; o que será declarado pelo Escrivão do Jury.)

*Escritor e Pesquisador da história de Pombal.
O CRIME DA RUA DA CRUZ - POMBAL 02 DE JULHO DE 1883 O CRIME DA RUA DA CRUZ - POMBAL 02 DE JULHO DE 1883 Reviewed by Clemildo Brunet on 1/30/2012 10:26:00 AM Rating: 5

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