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O MENINO PESCADOR: "O SONHO QUE NÃO SE REALIZOU"

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Há algumas dezenas de anos o Piancó era um Rio limpo de águas cristalinas. Era densamente povoado por diversas espécies de peixes em quantidade generosa capaz de atrair pescadores dos diversos recantos da cidade, até mesmo de municípios vizinhos.

Não fui diferente, pois adorava pescar. Pescar para mim era uma boa terapia para me libertar do tédio do dia a dia das atividades escolares. O meu landuá, bem como as varas de pescas, estava aposto quando havia oportunidade de mais uma aventura como pescador peixes miúdos.

Convém salientar que o tema central desse escrito diz respeito à estória de um menino que alimentava a ilusão de ser um eficiente pescador tarrafeiro. Ou melhor, queria pescar com tarrafa, a exemplo de Nicodemos e Vital, considerados exímios mestres da arte de pescar.

As águas do Piancó ostentavam nas suas profundezas, uma grande diversidade de peixes o que despertava interesse dos habituais pescadores. O ambiente ideal para o inicio de um ciclo de pesca acontecia quando as águas do rio atingiam o nível de baixa vazante. Quanto menos águas, maiores são as possibilidades de sucessos. Assim teorizava o mestre Nicodemos.

Não obstante ser apenas um aprendiz de pescador o meu desejo de pescar aguçava-se cada vez mais, quando via os mestres da arte da pesca encher suas cabaças de peixes, em intervalos de tempo relativamente curtos, em razão da grande quantidade de pescados que povoavam o rio

Nas minhas elucubrações fantasiosas queria ser igual aos dois melhores pescadores do lugar. No meu imaginário este dia haveria de chegar, pois, na minha cabeça não havia espaço para outras coisas a não ser o desejo de ser um exímio pescador.

No meu modo de pensar Vital e Nicodemos pareciam dois mágicos a lançarem suas tarrafas, que mais pareciam dois extensos leques abertos que pousavam repentinamente sobre as cristalinas do Piancó. Nas maiorias das vezes as tarrafas eram arrastadas repletas de curimatãs, piaus, sovelas, entre outros peixes de menor importância.

Nessa época o rio não era perenizado a exemplo de hoje. Quando terminava a estação invernosa, lá pelo fim do mês de junho, as águas começavam a minguar até restar apenas um pequeno filete a recarregar os principais poços situados ao longo do banhado. Reafirmo que: era a partir desse momento que os tarrafeiros, com maior freqüência entravam em ação.

Ao chegar o mês de setembro o rio apartava, razão para formação dos poços do Araçá, Panela, Redondo e Cambôa, todos localizados a uma distância mínima de um a dois quilômetro da cidade, quando muito quatro, como é o caso da Cambôa.

O menino curioso, que tanto desejava ser um eficiente pescador hoje escreve suas reminiscências. Apesar dos meus desejos incontidos, enquanto criança, a arte de pescar não evoluiu dentro de mim. Por isso, por não saber tarrafear a única alternativa que dispunha era usar varas de anzóis e landuá como instrumentos de pesca.

Nas minhas caminhadas rio-abaixo com o primo Benigno de Cândido a cata de peixes aprisionados em poços isolados, jamais nos afastávamos dos domínios da propriedade de Sá Ana, nossa saudosa Avó. Por isso, o nosso ambiente de pesca restringia-se as áreas próximas aos poços da Panela e Araçá, isso porque temíamos a presença do Caboclo D’água que tanto falavam Zé Jó, Vital, bem como outros pescadores que, vez por outra apareciam pra conversar no lajedo em frente à casa de farinha.

Tinha jeito não, na minha cabeça não dava outra coisa, pois, queria ser um habilidoso pescador tal qual Vital e Nicodemos. Para isso tinha que aprender lançar a tarrafa, coisa que nunca consegui. O tempo passa e o menino que tanto desejava ser pescador tarrafeiro chega à idade adulta, infelizmente, sem jamais ter aprendido a arte de lançar tarrafa. O menino criou asas, voou para lugares distantes, mas ainda guarda as lembranças daqueles bons momentos que marcaram a sua vida.

É claro que o tempo deixa marcas. A maior delas é a frustração que carrego, por não ter tido o prazer de comer um pirão a beira do rio feito com peixes pescado por mim claro, depois daquele ritual típico, qual seja, fixar a tarrafa nos dentes, ainda, em cada uma das mãos segurar os extremos e num giro de cento e oitenta graus, por conseguinte disparar um certeiro lance sobre um desprevenido cardume de curimatãs a vagar sob as águas do Piancó. Era assim que Vital e Nicodemos faziam, mas infelizmente nunca consegui fazê-lo.

O tempo continua a passar. Já não se pesca com tarrafas e landuás como antigamente. Os pescadores que usavam os referidos artefatos, não existem mais. Ademais, pra nossa tristeza, o Piancó, piscoso de águas cristalinas apresenta-se hoje, qual um rio doente, quase sem vidas, o pior, sem perspectivas de cura no curto prazo.

Tudo mudou inclusive Eu. Na cabeça do menino que tanto desejava ser pescador, só resta uma pálida lembrança e nada mais.

João Pessoa, 07 de Fevereiro de 2012

*Economista e Escritor pombalense.
O MENINO PESCADOR: "O SONHO QUE NÃO SE REALIZOU" O MENINO PESCADOR: "O SONHO QUE NÃO SE REALIZOU" Reviewed by Clemildo Brunet on 2/06/2012 07:03:00 PM Rating: 5

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