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O VELHO LINGUARUDO

Severino Coelho Viana
Por Severino Coelho Viana*

A palavra que tentamos buscar uma definição razoável é tão complicada quanto à prática e o efeito do seu ato na vida alheia, ela é vizinha do nosso ouvido que não ouvimos, longe dos nossos olhos que não vemos e mora na boca do nosso malfeitor. Estala como uma pronúncia feia e às vezes aparece como uma sonoridade bonita que reflete o horroroso. Chama-se o linguarudo, o fanfarrão, o pabuloso, o quixotesco, o farofeiro, o maledicente etc.

A palavra é instrumento valioso para o intercâmbio entre as pessoas. Ela, porém, nem sempre tem sido utilizada devidamente. Poucos são os homens que se valem desse precioso recurso para construir esperanças, balsamizar dores e traçar rotas seguras. Fala-se muito por falar, para "matar tempo". A palavra, não poucas vezes, converte-se em estilete da impiedade, em lâmina da maledicência e em bisturi da revolta.

Toda pessoa não suficientemente realizada em si mesma tem a instintiva tendência de falar mal dos outros. Qual a razão última dessa mania de maledicência?

É um complexo de inferioridade unido a um desejo de superioridade. Diminuir o valor dos outros dá a grata ilusão de aumentar o valor próprio. A imensa maioria das pessoas não está em condições de medir o seu valor por si mesmo. Necessita medir o seu próprio valor pela desvalorização dos outros. Essas pessoas julgam que apagar as luzes alheias torna-as de brilha mais intenso do que a sua própria luz. São como vaga-lumes que não podem luzir senão por entre as trevas da noite, porque a luz das suas lanternas fosfóreas é muito fraca. Quem tem bastante luz própria não necessita apagar ou diminuir as luzes dos outros para poder brilhar. Quem tem valor real em si mesmo não necessita medir o seu valor pelo desvalor dos outros.

A maledicência é o ato de falar mal das pessoas. Este ato é mais terrível do que uma agressão física. Muito mais do que o corpo, fere a dignidade humana, conspurca reputações, destrói existências, alastra-se como rastilho de pólvora. Arma perigosa que está ao alcance de qualquer pessoa, em qualquer idade, e é muito fácil usá-la: basta ter um pouco de maldade no coração.

Tribunal corrupto, nele o acusado está, invariavelmente, ausente. É acusado, julgado e condenado, sem direito de defesa, sem contestação, sem misericórdia. Jamais encontramos o autor de um boato maldoso, de uma "fofoca” comprometedora. O chamado de língua solta "vende" o que "comprou", a qualquer preço, no vale, no fiado sem pagar, no cheque sem fundo, no cartão clonado. Ninguém está livre deste fantasma, nem mesmo os que se destacam na vida social pela sua capacidade de realização, no setor de suas atividades ou ramo dos seus negócios honestos. Estes, ao contrário, são os mais visados.

A maledicência tem sua origem, sem dúvida, no atraso moral da criatura humana. Intelectualmente, a humanidade atingiu culminâncias. Chegamos à Lua, desintegramos o átomo, construímos o computador etc. Moralmente, entretanto, somos subdesenvolvidos, quase tão agressivos e inconsequentes como os habitantes das cavernas, e, se o verniz de civilidade nos impede de usar a clava, usamos a língua, atendendo a propósitos de autoafirmação, revide, justificação ou pelo simples prazer de atirar pedras nas vidraças alheias.

Segundo uma velha lenda de origem desconhecida, que é atribuída a Sócrates, Certa feita, um homem esbaforido achegou-se ao grande filósofo e sussurrou-lhe aos ouvidos:

- Escuta, Sócrates... Na condição de teu amigo, tenho alguma coisa de muito grave para dizer-te, em particular...

- Espera!... - ajuntou o sábio, prudente. Já passaste o que me vais dizer pelos três crivos?

- Três crivos? - perguntou o visitante, espantado.

- Sim, meu caro, três crivos. Observemos se a tua confidência passou por eles. O primeiro é o crivo da verdade. Guardas absoluta certeza quanto aquilo que me pretendes comunicar?

- Bem - ponderou o interlocutor -, assegurar, mesmo, não posso... Mas, ouvi dizer e...então...

- Exato. Decerto peneiraste o assunto pelo segundo crivo, o da bondade. Ainda que não seja real o que julgas saber, será pelo menos bom o que me queres contar?

Hesitando, o homem replicou: - Isso não ...

Muito pelo contrário... - Ah! - tornou o sábio - então recorramos ao terceiro crivo, o da utilidade, e notemos o proveito do que tanto te aflige.

- Útil?!... - aduziu o visitante ainda mais agitado. - útil não é... - Bem - rematou o filósofo num sorriso -, se o que me tens a confiar não é verdadeiro, nem bom e nem útil, esqueçamos o problema e não te preocupes com ele, já que de nada valem casos sem qualquer edificação para nós.

Espinho cruel a ferir indistintamente é a palavra de quem acusa, aleatoriamente; cáustico e corrosivo é o verbo na boca de quem relaciona defeitos; veneno perigoso é a expressão condenatória a vibrar nos lábios de quem malsina; lama pútrida, trescalando fétido, é a vibração sonora no aparelho vocal de quem censura; borralho escuro, ocultando a verdade, é a indecência destrutiva.

Quando vier a tentação de acusar e apontar defeitos, lembra-te das próprias necessidades e limitações e, fazendo todo o bem possível ao teu alcance, avança na firme resolução de amar, e despertarás, além das
sombras da carne por onde segues, num roteiro abençoado onde os corações felizes e livres buscam a Vida Verdadeira.

A agressão verbal do linguarudo não fere somente a alma de bondade da pessoa humana, viola frontalmente a lei da natureza.

A natureza dotou o ser humano de dois ouvidos e uma boca para que ouvíssemos mais e falássemos menos.

João Pessoa, 02 de abril de 2012.

*Escritor Pombalense e Promotor de Justiça em João Pessoa - PB.
O VELHO LINGUARUDO O VELHO LINGUARUDO Reviewed by Clemildo Brunet on 4/02/2012 08:55:00 AM Rating: 5

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