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PROSPERIDADE VERSUS SECAS

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*
A Seca está presente no semi-árido nordestino há milhares de anos. Trata-se de um acidente climático resultante de um fenômeno provocado por variações das temperaturas ocorridas nas águas do oceano Pacifico, bem como no Atlântico. Há registros históricos, orais, escritos, da ocorrência de secas no nordeste, desde os primórdios da ocupação da região pelos colonizadores portugueses.

O mais grave é que as perturbações climáticas estão se tornando mais freqüentes na região em razão do aquecimento global, em razão da ação predatória do homem na busca de extrair da terra a sua sobrevivência. O sinal amarelo acusa que os finitos recursos naturais do planeta terra já apresentam sinais de esgotamento na medida em que o homem insiste em extraí-los ou usá-los de forma abusiva para fins produtivos, por conseguinte com finalidade estritamente econômica.

Na história das secas no semi-árido nordestino, a fase mais difícil foi na época do Brasil Império. Não havia políticas governamentais específicas com o objetivo de minimizar os efeitos da escassez d’água para o consumo humano e animal. A agricultura, principal fonte geradora de emprego e renda, nesses momentos entrava em colapso. Reza a lenda que certa ocasião o Imperador ao visitar a região jurou que venderia as suas próprias jóias, se necessário fosse, a fim de fazer dinheiro para socorrer as vitimas da Seca.

Com certeza, essa promessa foi feita por ocasião da seca de 1877. O resultado é que nenhuma jóia foi vendida, conforme a promessa do senhor Imperador. Por outro lado, o clamor de milhões famélicos entregues a própria sorte, naquele fatídico ano, foi tão forte que ecoa aos dias de hoje.

A região parecia viver um cenário de guerra. Cadáveres de homens mulheres, crianças e animais infestavam as estradas por onde os raros sobreviventes estavam a passar. Diante de tão grande tragédia, os passantes nada tinham a fazer a não ser enterrar os mortos, fincar-lhes cruzes, em seguida ajoelhar-se e pedir a Deus o amparo daquelas infortunadas criaturas na eternidade, uma vez que na terra foram vitimas da indiferença dos homens.

Ainda bem que o clamor de 1877 mexeu com os sentimentos dos homens de bem. Assim sendo, mais precisamente no primeiro decênio da primeira República foram tomadas as primeiras medidas com vista a minimizar os efeitos dolorosos das as secas que se sucederam a de 77. Desse modo. em 1904 foi criada a “Comissão de Estudos e Obras Contra as Secas”.

Foi o inicio da primeira intervenção governamental na região a fim de minimizar as perdas ocasionadas pelas secas periódicas. Foi o primeiro passo que o governo deu no sentido de combater as secas. Ledo engano posto que combater um fenômeno natural e mesmo que malhar em ferro frio.

O professor Celso Furtada costumava dizer que em vez de buscar meios para combater as secas, o melhor que se pode fazer é criar e desenvolver mecanismos institucionais para que se possa conviver com ela. Veremos lá na frente o que propôs o nosso conterrâneo para integrar a economia do Nordeste ao resto do País.

Pra completar essa comissão não possuía estrutura para a execução de obras hídricas a fim de assegurar a oferta d’água na região. Era apenas um órgão técnico-consultivo encarregado de elaborar propostas de programas estratégicos cuja execução era de competência de diversos órgãos vinculados aos escalões superiores.

Assim sendo, em 1909, em substituição a Comissão de Estudos, foi criada a “Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS). Foi mesmo que trocar seis por meia dúzia. Os problemas continuaram. Novamente em 1919 foi criada a “Inspetoria Federal de Obras Conta as Secas” (IFOCS). Por fim em 1945 foi criado o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que prevalece aos dias de hoje.

O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, a partir da segunda metade dos anos quarenta, iniciou a construção de açudes e a implantação de perímetros irrigados. As obras em questão eram de alcance limitado por isso não foram capazes de minimizar o flagelo das secas.

Em síntese, pode-se dizer que as secas ocorridas nos anos trinta, quarenta, cinqüenta demonstraram que a chamada “Solução Hídrica” de caráter pontual, não funcionou porque não foi capaz de reduzir a uma expressão mínima o flagelo das secas. O problema era bem maior do que estava a imaginar o governo central, bem como seus assessores mais próximos.

Em 1958, ocorreu uma grande seca na região que se transformou em clamor nacional. O então Presidente da Republica JK interveio com a transferência de bilhões de cruzeiros, moeda da época, a fim de socorrer os flagelados. Foi um desastre, pois os recursos tomaram outros caminhos em direção oposta aos objetivos para os quais foram destinados

Estudos realizados logo após a seca em 1959 constatou não havia uma clara intenção por parte dos governos estaduais de incorporar os recursos transferidos a custo zero, ao capital social básico dos seus respectivos estados. O antigo Departamento de Estradas e Rodagens era quem realizava os pagamentos aos “tarefeiros” segundo folhas de pagamentos apresentadas a cada quinzena.

Foi um verdadeiro festival de folhas falsas o que resultou no desvio de grande parte dos recursos transferidos pelo governo federal em caráter emergencial a fim de minorar o sofrimento dos flagelados da seca de 1958. Foi nesta época que se cunhou a expressão “indústrias das secas”.

Atento a essa situação o governo federal instituiu um Grupo de Trabalho a fim de fazer o primeiro diagnostico sócio-econômico do Nordeste com o propósito de identificar as prioridades socioeconômicas da região a fim de definir com mais segurança as políticas públicas destinadas à região. Este estudo ficou conhecido pela sigla GTDN ou Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, isto lá pelos idos de 1959.

O estudou revelou que as políticas públicas adotadas pelo governo, com o objetivo de resolver os problemas das secas via “Solução Hídrica”, não eram suficiente para reduzir os efeitos danosos dos acidentes climáticos. O problema da região era mais grave do que se imaginava. O desemprego que representava cerca de 25% da mão de obra economicamente ativa era realmente de caráter estrutural. Quero dizer: era um reflexo do retardamento da estrutura produtiva da região.

Tudo isso acontecia porque a densidade industrial da região estava muito aquém da observada no centro sul do país. Foi a partir dessa informação que JK resolveu criar e instalar Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, (SUDENE) no limiar dos anos sessenta com o objetivo de coordenar, acompanhar e avaliar as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico da região.

Com a criação da SUDENE o governo substituiu as antigas políticas de “Combate as Secas” por um novo paradigma de política, cuja finalidade era criar condições para que o homem pudesse “Conviver com as Secas”. Esta política devia envolver ousadas ações com vistas a incentivar a industrialização, alem de modernizar as relações de produção do setor agropecuário, complementadas com obras de infra-estrutura econômica e social.

Esta missão foi confiada ao ilustre pombalense o professor Celso Furtado, idealizador do GTDN. A economia do Nordeste, há muito não crescia. Com o advento da SUDENE, a partir dos anos sessentas, a região experimentou um ciclo de crescimento, a taxas superiores a média nacional.

Foram instaladas centenas indústrias de diversos gêneros nos grandes centros urbanos da região, projetos agropecuários, afora a construções de estradas, barragens, açudes, saneamento básico, entre outras obras de cunho social. A revolução nordestina estava apenas a começar, mas algo errado estava pra acontecer. Aconteceu...

A SUDENE não cumpriu o seu papel conforme a sua finalidade. O golpe de 1964 interrompeu a sua trajetória com graves prejuízos pra região. Mesmo assim valeu, pois a base econômica do Nordeste de hoje é incomparável a do Nordeste dos anos cinqüenta cuja economia repousava sobre um setor primário exportador, baseado na agroindústria açucareira, na pecuária, no algodão, cacau, entre outras atividades de importância secundária.

È verdade que o nordeste industrializou-se. Da mesma forma é verdade que a grande indústria instalada na região restringiu-se aos grandes centros urbanos, porquanto o semi-árido onde a população é dispersa e rarefeita, em pouco se beneficiou, em termos de industrialização.

É no semi-árido onde os efeitos das secas são mais perversos. Mas, vale a pena salientar que as secas de hoje são menos perversas do que aquelas que acontecia há cinqüenta anos. Há muitas razões que nos permitem explicar porque as secas de hoje, em termos sociais, são menos perversas do que aquelas de antigamente.

A primeira explicação diz respeito a migração massiva da população rural para a zona urbana depois da falência da economia rural fundamentada na cultura do algodão. A segunda está associada, a mais do que justa política de previdência rural, posta em pratica pelo governo federal, que assegurou a aposentadoria de milhares de trabalhadores idosos.

A terceira, diz respeito a política de transferência de renda do governo federal que transformou milhares de trabalhadores em “homens sem braços”. Ninguém trabalha mais, pois a bolsa família entre outros benefícios, complementada por uma ou mais cestas básicas ao mês, assegura uma vida tranqüila longe do esforço físico cansativo que o trabalho impõe.

Isto sim é que é conviver pacificamente com a seca. Se a indústria não chegou ao semi-árido como se esperava que chegasse, pelo menos o incentivo a preguiça chegou sem perspectivas de um dia ir embora. É pena porque centenas de proprietários rurais estão deixando de produzir por absoluta falta de mão de obra. Os salários ofertados são bons, mas mesmo assim ninguém aparece.

Lembro-me das conversas com o saudoso amigo Antonio Calado. Pra vê-lo espantado insinuava que o produto mais vendido no seu armazém era enxada. Ele se levantava e dizia: realmente antigamente eu vendia enxadas pra valer, principalmente na época do inverno. Continuava: hoje, depois que o governo incentivou a vagabundagem, quando muito, vendo dez enxadas por ano. Por isso que este País não vai pra frente, não e?

É isso mesmo, o meu amigo tinha razão, porque não é possível construir uma grande sociedade sem o trabalho. O trabalho ainda é a principal fonte geradora de valor. Assim sendo, sem o fator trabalho não geração de valor, sem este não se constrói a base da riqueza que servirá de legado para as gerações futuras. Assim caminha o sertanejo. Triste caminhada...

João Pessoa, 21 de Abril de 2012

*Economista e escritor pombalense
PROSPERIDADE VERSUS SECAS PROSPERIDADE VERSUS SECAS Reviewed by Clemildo Brunet on 4/20/2012 09:38:00 PM Rating: 5

Um comentário

afajampa disse...

Pois bem primo Inacio com essa estiagem aqui em pombal com certeza vai faltar muitos trabalhos, consequentimente muitas dificuldades para nossos conterrâneos.
Aldinaldo Fernandes de Araújo
Pomabal PB 25/04/2012

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