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LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÂO APAGA

Reminiscências II

Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Em qualquer época sempre houve a formação de grupos de adolescentes românticos, sonhadores, sem pressa para definir seus projetos de vida com vista assegurar um futuro auspicioso. Foi assim no meu tempo. Hoje, as coisas são diferentes, posto que, os meios de comunicações de forma ostensiva ou subliminar é quem forma a cabeça dos desavisados adolescentes da era digital.

Assim como hoje, os adolescentes da minha época socialmente vivam em grupos. O nosso grupo vez por outra se fazia eclético, em termos de núcleo residencial, porque, em determinadas ocasiões éramos formados por jovens moradores da Rua do Comércio e da Rua da Cruz. Decerto o ecletismo no nosso grupo se fazia necessário no momento de organizarmos o nosso time de futebol.

Afora o futebol nos dias de férias escolares, nos finais de semana fazíamos caminhadas pela beira do rio a fim de prospectar pontos ideais para nossas diversões domingueiras. Quase sempre o nosso ponto de parada era o poço da panela. Era um lugar bastante procurado para os nossos banhos matinais.

O banho tornava-se emocionante em função do risco que o lugar nos submetia. Escolhíamos o topo da pedra mais alta para um salto de ponta, onde lá em baixo o espaço reservado para o mergulho era mínimo, em razão da existência de duas pedras posicionadas de forma paralelas, a nos esperar.

Tínhamos que pular com os braços apontados em direção a água para evitar choques com as malditas pedras. Era muita emoção, antes e depois do salto. Tínhamos também consciência do risco a que estávamos submetidos, pois, um passo em falso a desgraça estava feita.

Foram essas pedras que ceifaram a vida de Jair Alcântara. Este jovem, ao saltar, por uma razão qualquer, talvez tenha se desconcentrado, perdeu o equilíbrio, bateu de testa numa das pedras. Foi uma correria e tanto. O sangue veio a superfície anunciando que algo deu errado.

Não deu tempo sequer para que alguém ouvisse o seu último suspiro. Era assim mesmo, um passo em falso seria fatal. Jair deu esse passo, ao saltar para o último mergulho no poço da panela. Daí por diante ninguém mais ousou mergulhar naquele lugar.

O nosso grupo antecedeu ao grupo de Jair. Éramos bons nadadores, sobretudo habilidosos no momento do salto quase suicida. A panela não era o único poço onde nos banhávamos. Às vezes descíamos até os poços do Redondo, da Cambôa na busca de novas aventuras. O poço do Araçá era outra opção. Apenas os iniciantes o procuravam, uma vez que funcionava como uma escolinha preparatória para quem quisesse enfrentar os perigosos desafios do poço da panela.

Quando a gente retornava, dávamos uma passada pela Pedra do Sino a fim de tirar um som o qual se assemelhava ao sino da Igreja Matriz. Não sabíamos a que se devia a sonoridade daquela pedra. Depois, com o passar do tempo, soubemos que a Pedra do Sino era única, pois, não havia outra igual.

A pedra sonora era resultante de uma liga petrificada, composta de materiais ferrosos diversos. Com certeza esse era o mistério da sonoridade que extraiamos quando provocávamos o atrito com outra pedra. Nos domingos era comum encontrarmos alguém a se deliciar com o som extraído da referida pedra.

O fato triste foi o desaparecimento misterioso da Pedra do Sino. Se alguém a roubou, até hoje ninguém sabe, ninguém viu. D’outra forma, se foi transformada em pedras pra calçamento, também, ninguém sabe. Se por razões outras foi levada pra algum lugar distante, com certeza, teve de ser fatiada, pois era um bloco monolítico de enorme proporção. Assim sendo, era impossível ser conduzido através dos meios de transportes ditos convencionais.

Afora as travessuras que fazíamos rio abaixo, sempre em grupo, deslocávamos para outras partes da cidade a fim de desafiar outros jovens adolescentes através de disputadíssimas partidas de futebol. Brigas? Era coisa rara. Vez por outra havia alguns estranhamentos, mas eram resolvidos em tempo hábil para evitar enfrentamentos generalizados entre os grupos.

Quase sempre os acertos para disputas futebolísticas eram feitos no Grupo Escolar João da Mata. Essa unidade de ensino foi o ambiente mais representativo da convivência social pacifica, entre jovens de classes sociais diferentes.

De forma recorrente tenho dito que considero aquela velha unidade de ensino, um exemplo de democracia social, onde se misturavam ricos e pobres, brancos pretos, meninos e meninas. Todos coexistiam pacificamente. Nos intervalos, os amigos da Rua da Cruz engrossavam nossas fileiras, o que nos fazia um grupo forte, por isso respeitado.

Dada essa representatividade do nosso grupo éramos procurados por outros grupos com a finalidade de marcar encontros em ambientes apropriados para o lazer futebolistico, nos finais de semana. No próximo texto falarei sobre esses bons momentos que guardo na memória em cores vivas e irretocáveis. Até breve...

João Pessoa, 22 de Maio de 2012

*Graduado em Economia com especialização em Planejamento e Pesquisa Sócio-Econômica. Professor da disciplina "Micro Economia" do Departamento de Economia da UFPB e Economista aposentado da Secretaria Estadual de Planejamento do Estado da Paraíba.
LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÂO APAGA LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÂO APAGA Reviewed by Clemildo Brunet on 5/22/2012 03:09:00 AM Rating: 5

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