A CALÚNIA DE APELES
Severino Coelho Viana |
Por
Severino Coelho Viana
O início da pintura moderna,
nos anos 1400, na região de Toscana, nas cidades de Florença e Siena, com o
movimento artístico conhecido por Renascença ou Renascimento, que se estendeu a
Roma e Veneza. Em 1500, ao resto da Europa, atingindo os países baixos,
Alemanha, França, Espanha e Inglaterra, assinalando o fim da Idade Média e o
início da Idade Moderna. Com profundas transformações na cultura, sociedade,
economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o
capitalismo.
Dentre os feras, no conjunto
da genialidade, daquele movimento cultural, a tela de Alessandro Di Mariano di
Vanni Filipepi, conhecido por Sandro Botticelli (1445-1510), designada de
“A
Calunia de Apeles”, a sua interpretação demonstra perfeitamente a nossa
vivência na atualidade, nos intrigantes momentos do viver, acrescentando
somente a ridicularidade e o escracho da nossa vida cotidiana. Este julgamento
apesar de antiético é a pura realidade do nosso dia a dia, nas constantes
coversas dos ouvidos grandes, patoqueiros e fofoqueiros no encontro casual de
qualquer esquina.
Pintura 1494-1495
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A pintura relata o
julgamento injusto de Apeles. O rei/juiz está sentado no seu trono na
extrema direita da pintura. Ele está cercado pela Ignorância e
pela Suspeita, suas conselheiras mais íntimas que murmuram aos seus ouvidos palavras venenosas. Por isso, o
rei apresenta orelhas de burro e o olhar fixo no chão, para não se envolver na
cena a sua frente. A Inveja aparece diante do rei, acusadora,
estendendo seu braço para alcançá-lo. Traz a Calúnia pela mão.
Esta segura uma tocha acesa como se viesse mostrar a luz a todos. A Malícia
e a Fraude são suas companheiras e vivem para adornar com
flores da pureza, os cabelos de sua senhora Calúnia, procurando
disfarçá-la perante os olhos da humanidade. Apeles, localizado no meio
da pintura, é representado por um homem inocente, sendo arrastado com um puxão
de cabelos pela Calúnia. Apeles está despido e de mãos
juntas, rogando aos céus por uma justiça Divina. Atrás deles, na parte esquerda
da pintura, está o Remorso, uma velha mulher, que olha
sorrateiramente para a Verdade. Esta aponta para cima, remetendo
à justiça Divina, e aparece nua, como a deusa Vênus, sem nada a esconder, tal
como Apeles. Todos os demais vestem roupas, ocultando assim suas
verdadeiras naturezas.
O tema dessa obra de
Botticelli baseia-se numa famosa pintura do grego Apeles, descrita em fontes
clássicas, e famosas no século XV, quando as descrições de Luciano dos
trabalhos perdidos deste mestre clássico haviam sido amplamente traduzidas.
Apeles teria feito esta pintura ao ser injustamente difamado por um rival,
Antífilos, que o acusou diante do crédulo rei do Egito, Ptolomeu, de ser
cúmplice de uma conspiração. Após Apeles provar sua inocência, vingou-se
pintando o quadro. Em sua obra, Botticelli manteve a estrutura cênica da
composição das figuras de acordo com a descrição de Luciano, e criou um cenário
de arquitetura ricamente decorada para ele. Um homem inocente é arrastado
diante do trono pelas personificações da Calúnia, da Malícia, da Fraude (Dolos)
e da Inveja. Eles são seguidos, de um lado, pelo Remorso, uma velha que se vira
para enfrentar a Verdade nua, que aponta para o céu. A nudez da Verdade a
relaciona ao jovem inocente, cujas mãos postas significam o apelo a um poder
superior.
Pelo o cenário e a maioria
dos membros que compunham este tribunal jamais um inocente escaparia de uma
condenação, que por si só representava um julgamento faccioso. Ora, a
ignorância e a suspeita atuavam como conselheiras do juiz, pode? O juiz, com
suas orelhas de burro. Quem é que se lembra daqueles alunos da escola primária
conhecido no meio por suas teimosias e não estavam nem aí para os estudos, os
conhecidos orelhas de burro. Era prática comum os professores primários
colocarem orelhas de burro nos alunos cábulas e mal comportados, exibindo-os
perante os colegas da forma que a imagem documenta.
Nesse tempo não havia
Internet, os meninos brincavam no recreio e liam histórias infantis como “O
Príncipe com orelhas de burro”. Agora, em plena era tecnológica e com a
proibição de os professores chumbarem os alunos cábulas e mal comportados, ou
lhes aplicarem qualquer castigo, seria impensável ver nas salas de aula um
espetáculo tão deprimente.
Não é brincadeira o inocente
ter como acusador simplesmente a inveja, aguenta coração, é demais para uma
pessoa só. A pureza é chamada de suas águas límpidas para o lamaçal adornado
pela malícia e pela fraude. Coitado! O inocente Apeles
está sendo puxado por trás pelos cabelos. Sim, isto é pura verdade, a calúnia
só age a traição, esta é sempre a forma que pratica o seu ato, não sabe
encarar, frente a frente à situação real, a certeza dos fatos, o seu suporte é
a mentira.
Então, o remorso, uma velha
mulher vestida de preto olha sorrateiramente para verdade. O remorso hoje vive
na parte interior do ser humano, que se mostra uma pessoa altamente depressiva,
até o sorriso é mentiroso, não tem graça é amarelado que segue uma palavra de
frieza. A verdade aponta para cima,
indicando a justiça Divina, figura interessante, sublime e de poderosa
magnificência, o estandarte de libertação que fala por último, destruindo todo
o tribunal forjado pela calúnia.
E existem também as pessoas
que levam adiante a calúnia gerada por outro, ou seja, a divulgação da mentira,
envolvendo o transmissor e o ouvinte. Para esse fenômeno de mau caráter, um
dramaturgo romano, chamado de Plauto, escreveu a sua sentença terminativa em
uma de suas peças: “os que propalam a calúnia e os que a escutam, se
prevalecesse minha opinião, deveriam ser enforcados, os primeiros pela língua e
os outros pela orelha”.
João Pessoa, 22 de agosto de
2012.
SEVERINO
COELHO VIANA
scoelho@globo.com
A CALÚNIA DE APELES
Reviewed by Clemildo Brunet
on
8/24/2012 05:19:00 PM
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