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LIVRE PARA NADAR NAS ÁGUAS DO PIANCÓ


Ignácio Tavares
Ignácio Tavares*

Faz muito tempo, muito tempo mesmo. A barragem de Mãe D’água ainda não havia sido construída. As cheias do Piancó aconteciam com mais freqüência. Bastava uma chuva grande à montante da bacia do Açude de Coremas, para que o rio transbordasse, invadindo a Rua de Baixo. Eu gostava dessa situação, pois quanto mais cheio estivesse o rio maior era a festa da meninada da Rua do Comércio. Para meninada daquela época a natação nas águas barrentas do Piancó era a melhor diversão. Os lugares mais frequentados para os nossos banhos diários era a pedra da sedan, ainda a pedra redonda e o buraco de Zé Bispo. Mas, o grande desafio era penetrar rio adentro em épocas de cheias.

O primo Dão era o meu companheiro de aventuras no enfrentamento das águas  do Piancó. Devia ter cerca de doze anos e
o primo perto dos vinte. O meu irmão Felix não era muito de enfrentar as correntezas do Piancó, a não ser de canoa. Assim sendo eu e Dão, cada um com um possante cavalete, desafiávamos o rio, principalmente quando as águas estivessem a invadir a Rua de Baixo. Quanto mais cheio estivesse o rio maior era a emoção de descermos rio abaixo escanchado em dois possantes cavaletes pertencentes ao tio mestre Álvaro. Era uma diversão e tanto.

Os riscos não eram poucos, posto que os remansos bravios, corredeiras velozes, ameaçavam os nossos cavaletes. Balseiros que desciam no rio nos preocupavam, pois, quase sempre havia cobras ávidas de um porto seguro para desembarcarem. A gente se virava como podia. Conhecíamos os melhores caminhos através dos quais podíamos chegar  ao sítio da minha avó, entre outros lugares, sem o risco de afogamento ou mesmo de sermos picados por cobras peçonhentas.

Na época das grandes enchentes, nem mesmo o mais habilidoso dos canoeiros aceitava enfrentar a fúria das corredeiras do Piancó. Isso era muito bom pra a gente, porque somente nós dois podíamos chegar ao outro lado rio. Ficávamos por dono de tudo. Passávamos pela roça de Dozinho, fazíamos uma limpeza nas pinhas maduras. Na roça de tio Marcionilo, o que havia de melancia, melão, a gente passava as mãos. 

Quando o rio baixava todo mundo tomava seus lugares. Marcionilo ao chegar à ilha, onde estava situada a sua roça, sentia a falta das melancias e dos melões. Ao se encontrar com a gente indagava: ¨ô dãozinho, passaram na minha roça e comeram as melhores melancias e os melhores melões. Ah, danadinhos”! Continuava: “não sei dizer quem fez aquele estrago, porem uma coisa me chama atenção: foram duas pessoas, um adulto e um menino. Não quero dizer que tenha sido você e Inacinho de Lourdes, que sempre lhe acompanha nas caminhadas pela beira de rio, por ocasião das enchentes. Agora, os rastros dão certinhos com os pés de vocês. Que coincidência, não é dãozinho”?.

Dão dava uma boa gargalhada ante a desconfiança de Marcionilo. Apesar da nossa negação, sabíamos que,  o velho tinha certeza de que fomos nós mesmos os autores do estrago. Na calçada da casa do meu tio Cândido, onde todos se reuniam pra conversar, sobre coisas do dia, dia, Marcionilo queixava-se dos piratas de Dona Ana. Uma referencia a mim e a Dão.

Nossas traquinices não se restringiam tão somente as roças de Dozinho e Marcionilo. Às vezes a gente descia até o poço do redondo e visitávamos a roça de Jorge Bispo, em busca de pinha madura, entre outros vizinhos. Éramos os reis do rio. Quanto mais águas melhor pra a gente. Enfrentávamos remansos perigosos, corredeiras, mas a nossa habilidade na condução dos cavaletes nos deixava muito a vontade para enfrentarmos as situações adversas.

Quando o rio voltava ao leito normal acabava a nossa brincadeira. Ficávamos a aguardar outras oportunidades pra começar tudo de novo. Só havia um lugar que a gente evitava a qualquer custo. Era descer rio abaixo para ver o encontro do Piranhas com o Piancó. Essa junção acontece lá na forquilha de dona Vitalina, matriarca da família Lacerda e Junqueira.

O cavalete, usado para atravessar o rio, no momento de grandes enchentes, era a nossa grande arma. Para quem não sabe, trata-se de uma tora de madeira, estreita, com a extensão de até dois metros, feito da raiz da Timbaúba. Esta árvore é nativa do sertão chega atingir até vinte metros de altura.

Na roça de Jorge Bispo, vizinha ao sítio de Ana, a minha avó, havia uma dessa espécie, que viveu por muito tempo. Mas, de tanto se tirar as raízes pra fazer cavalete, terminou morrendo. Naquele tempo não existia consciência ecológica, a exemplo de hoje. Ah se tivesse, com certeza a nossa Timbaúba estava firme, exuberante, a produzir os cavaletes de tanto necessitam os ribeirinhos.

A raiz da timbaúba tem a mesma composição do material que se usa na fabricação de cortiça, ou melhor, tampa de garrafa. Por ser leve, suportava muito bem o peso de uma pessoa sem submergir as águas do rio. Não sei se ainda existe algum exemplar dessa árvore ao longo da beira do rio. Se a espécie desapareceu, só tenho a lamentar porque a natureza ficou mais pobre, bem como, nós também.  

João Pessoa, 16 de Setembro de 2012

*Economista e escritor pombalense
LIVRE PARA NADAR NAS ÁGUAS DO PIANCÓ LIVRE PARA NADAR NAS ÁGUAS DO PIANCÓ Reviewed by Clemildo Brunet on 9/16/2012 06:23:00 AM Rating: 5

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