LIVRE PARA NADAR NAS ÁGUAS DO PIANCÓ
Faz muito tempo, muito tempo
mesmo. A barragem de Mãe D’água ainda não havia sido construída. As cheias do
Piancó aconteciam com mais freqüência. Bastava uma chuva grande à montante da
bacia do Açude de Coremas, para que o rio transbordasse, invadindo a Rua de Baixo. Eu gostava dessa situação,
pois quanto mais cheio estivesse o rio maior era a festa da meninada da Rua do
Comércio. Para meninada daquela época a natação nas águas barrentas do Piancó
era a melhor diversão. Os lugares mais frequentados para os nossos banhos diários
era a pedra da sedan, ainda a pedra redonda e o buraco de Zé Bispo. Mas, o
grande desafio era penetrar rio adentro em épocas de cheias.
O primo Dão era o meu companheiro
de aventuras no enfrentamento das águas do Piancó. Devia ter cerca de doze anos e
o primo perto dos vinte. O meu irmão Felix não era muito de enfrentar as correntezas do Piancó, a não ser de canoa. Assim sendo eu e Dão, cada um com um possante cavalete, desafiávamos o rio, principalmente quando as águas estivessem a invadir a Rua de Baixo. Quanto mais cheio estivesse o rio maior era a emoção de descermos rio abaixo escanchado em dois possantes cavaletes pertencentes ao tio mestre Álvaro. Era uma diversão e tanto.
o primo perto dos vinte. O meu irmão Felix não era muito de enfrentar as correntezas do Piancó, a não ser de canoa. Assim sendo eu e Dão, cada um com um possante cavalete, desafiávamos o rio, principalmente quando as águas estivessem a invadir a Rua de Baixo. Quanto mais cheio estivesse o rio maior era a emoção de descermos rio abaixo escanchado em dois possantes cavaletes pertencentes ao tio mestre Álvaro. Era uma diversão e tanto.
Os riscos não eram poucos,
posto que os remansos bravios, corredeiras velozes, ameaçavam os nossos cavaletes.
Balseiros que desciam no rio nos preocupavam, pois, quase sempre havia cobras
ávidas de um porto seguro para desembarcarem. A gente se virava como
podia. Conhecíamos os melhores caminhos através dos quais podíamos chegar ao sítio da minha avó, entre outros lugares,
sem o risco de afogamento ou mesmo de sermos picados por cobras peçonhentas.
Na época das grandes
enchentes, nem mesmo o mais habilidoso dos canoeiros aceitava enfrentar a fúria
das corredeiras do Piancó. Isso era muito bom pra a gente, porque somente nós
dois podíamos chegar ao outro lado rio. Ficávamos por dono de tudo. Passávamos
pela roça de Dozinho, fazíamos uma limpeza nas pinhas maduras. Na roça de tio
Marcionilo, o que havia de melancia, melão, a gente passava as mãos.
Quando o rio baixava todo
mundo tomava seus lugares. Marcionilo ao chegar à ilha, onde estava situada a
sua roça, sentia a falta das melancias e dos melões. Ao se encontrar com a
gente indagava: ¨ô dãozinho, passaram na minha roça e comeram as melhores
melancias e os melhores melões. Ah, danadinhos”! Continuava: “não sei dizer
quem fez aquele estrago, porem uma coisa me chama atenção: foram duas pessoas, um
adulto e um menino. Não quero dizer que tenha sido você e Inacinho de Lourdes,
que sempre lhe acompanha nas caminhadas pela beira de rio, por ocasião das
enchentes. Agora, os rastros dão certinhos com os pés de vocês. Que
coincidência, não é dãozinho”?.
Dão dava uma boa gargalhada
ante a desconfiança de Marcionilo. Apesar da nossa negação, sabíamos que, o velho tinha certeza de que fomos nós mesmos
os autores do estrago. Na calçada da casa do meu tio Cândido, onde todos se
reuniam pra conversar, sobre coisas do dia, dia, Marcionilo queixava-se dos
piratas de Dona Ana. Uma referencia a mim e a Dão.
Nossas traquinices não se
restringiam tão somente as roças de Dozinho e Marcionilo. Às vezes a gente
descia até o poço do redondo e visitávamos a roça de Jorge Bispo, em busca de
pinha madura, entre outros vizinhos. Éramos os reis do rio. Quanto mais águas
melhor pra a gente. Enfrentávamos remansos perigosos, corredeiras, mas a nossa
habilidade na condução dos cavaletes nos deixava muito a vontade para enfrentarmos
as situações adversas.
Quando o rio voltava ao
leito normal acabava a nossa brincadeira. Ficávamos a aguardar outras
oportunidades pra começar tudo de novo. Só havia um lugar que a gente evitava a
qualquer custo. Era descer rio abaixo para ver o encontro do Piranhas com o
Piancó. Essa junção acontece lá na forquilha de dona Vitalina, matriarca da
família Lacerda e Junqueira.
O cavalete, usado para
atravessar o rio, no momento de grandes enchentes, era a nossa grande arma.
Para quem não sabe, trata-se de uma tora de madeira, estreita, com a extensão
de até dois metros, feito da raiz da Timbaúba. Esta árvore é nativa do sertão chega
atingir até vinte metros de altura.
Na roça de Jorge Bispo, vizinha
ao sítio de Ana, a minha avó, havia uma dessa espécie, que viveu por muito
tempo. Mas, de tanto se tirar as raízes pra fazer cavalete, terminou morrendo.
Naquele tempo não existia consciência ecológica, a exemplo de hoje. Ah se
tivesse, com certeza a nossa Timbaúba estava firme, exuberante, a produzir os
cavaletes de tanto necessitam os ribeirinhos.
A raiz da timbaúba tem a
mesma composição do material que se usa na fabricação de cortiça, ou melhor,
tampa de garrafa. Por ser leve, suportava muito bem o peso de uma pessoa sem
submergir as águas do rio. Não sei se ainda existe algum exemplar dessa árvore
ao longo da beira do rio. Se a espécie desapareceu, só tenho a lamentar porque
a natureza ficou mais pobre, bem como, nós também.
João Pessoa, 16 de Setembro de
2012
*Economista
e escritor pombalense
LIVRE PARA NADAR NAS ÁGUAS DO PIANCÓ
Reviewed by Clemildo Brunet
on
9/16/2012 06:23:00 AM
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