LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÃO APAGA - Reminiscências III
Ignácio Tavares |
Ignácio Tavares*
A nossa base para disputa
futebolística era o campinho da Rua de Baixo. Aquele amontoado de casas que
hoje desfiguram a velha Rua, até então, não existia. Era um espaço aberto, onde
o vento circulava em todas as direções, o que tornava a Rua um lugar
confortável, aprazível até mesmo nos períodos mais quentes do ano.
Como falei no texto
anterior, o Grupo Escolar, nos intervalos entre uma aula e outra, era o local
onde a gente se acertava com outros grupos para uma disputa futebolística.
Acertada a contenda, negociávamos aonde seria realizada a primeira partida.
Sempre preferíamos que o primeiro jogo fosse realizado do campinho da estação.
Não era nada confortável tanto quanto o da Rua de Baixo, mas, dava pra correr
bem atrás da bola.
Havia um problema que nos
incomodava. O Agente da Rede Ferroviária sempre mandava espalhar cascalhos, com
o propósito de
nivelar o campinho, que apresentava uma visível inclinação no
sentido norte-sul. A gente que jogava a pés descalços, vez por outra se espetava em pequenos seixos pontiagudos, que
nos incomodavam bastante.
Mas, o que valia mesmo era a
disputa. O grupo dos Pereiros tinha uns caboclos bons de bola. Os irmãos Jobidel
e Peíba, ainda, Cara Velha, Bina, Canico, Nonô, Zezé, Jack, Zé Guedes, Mozart, o
cego Damião, entre outros que não lembro mais. Estes formavam a espinha dorsal
do time dos nossos adversários.
O nosso grupo era formado
por Gilvan de Leó, o saudoso Boy, Eu, Dilau, Nero, Esquerdinha (Damião, filho
de Rosa de Ernesto), Vicente Viana (Buá) Miquila, Benigno de Candido, Pedoca
Junqueira, Dário Gouveia, Sagaz, Zé de
Duca, Trufuca, Barroso, dentre os quais era escolhida a formação do nosso time.
Em dias de jogo os moradores
dos Pereiros desciam pra o campinho da estação pra ver o seu time jogar. O jogo era corrido. No intervalo, a gente
corria muito mais pra chegar até em casa, pra tomar água com um pedaço de
rapadura, voltar em tempo pra recomeçar o jogo. Às vezes apanhava, empatava ou
vencia. Mas, o que valia mesmo era o próximo jogo que era realizado, no domingo
seguinte, no campinho da Rua de Baixo.
Quando jogo era no nosso
campo os torcedores dos Pereiros acompanhavam o time, porem, em pequena
quantidade. No nosso campinho, éramos senhores absolutos. Apanhar em casa era
uma grande desfeita. Isso nunca aconteceu. A nossa torcida era fiel, grande e
barulhenta.
Rosa de Ernesto comandava a
caravana da Rua da Cruz, com a habilidade que lhe era própria. A torcida da Rua do Comércio apresentava-se
de forma massiva. Assim sendo, as duas torcidas juntas, ocupavam as laterais do
campinho sobrando pouco espaço para os torcedores dos Pereiros.
A vitória era certa, pois alem
de contarmos com bons jogadores, bem como o apoio da torcida, conhecíamos todas
as manhas do terreno. Sabíamos quando a bola corria mais, porquanto conhecíamos
muito bem a inclinação do terreno, bem como a direção dos ventos, ao contrário
dos nossos adversários.
Terminada a partida éramos
aclamados verdadeiros heróis. Os adversários mal terminavam a partida já estavam
a fazer novo desafio pra disputar a negra, seja a melhor de três, lá no campinho da estação.
Pedíamos um tempo, para que pudéssemos armar algumas estratégias que nos
permitissem vencê-los lá dentro da própria casa. Na maioria das vezes deu
certo.
O campinho da Rua de Baixo
atraia jovens de todos os recantos da cidade. No domingo era uma festa. Várias
partidas aconteciam no decorrer da tarde para que todos pudessem exibir o seu
futebol. Ninguém ficava sem jogar, por isso o tempo das partidas era curto,
cerca de quarenta minutos, em dois tempos de vinte, para que houvesse espaços
para todos.
Como era bom, pois,
crescemos vivendo em perfeita harmonia com os colegas dos bairros periféricos
da cidade. Essa convivência nos serviu para o exercício do bom relacionamento
com outras pessoas ao longo de nossas vidas.
Conflitos em razão de
diferenças sociais? Ora, ora, nem pensar. Embora os membros dos grupos
pertencessem a estratos sociais diferentes, convivíamos como se não existissem
as injustas, inconcebíveis, barreiras das diferenças sociais.
Em razão disso guardo na
memória, as boas lembranças daquele tempo. Posso dizer que foram os anos
dourados da nossa adolescência. A maldade, o egoísmo, a vaidade, não foi capaz
de infectar nossas mentes e corações. Até hoje, mantenho bom relacionamento com
amigos remanescentes daquela época.
É verdade que hoje somos uma
geração a beira da extinção. Muitos já partiram, mas outros tantos continuam a
resistir à ação perversa do tempo. Continuo
receptivo a esses amigos remanescentes, não obstante a distância que hoje nos
separa: eu cá em João Pessoa vocês aí em Pombal.
I
nsisto em repetir: confesso
de coração aberto que guardo boas lembranças da minha adolescência ao lado dos
amigos que partiram, bem como ao lado dos bravos e renitentes amigos de
infancia que ainda hoje resistem à ação do tempo. Vida longa para todos. Envio-lhes
afetuosos abraços.
João Pessoa, 17 de Outubro de
2012
*Economista
e escritor pombalense.
LEMBRANÇAS QUE O TEMPO NÃO APAGA - Reminiscências III
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/16/2012 10:26:00 PM
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