O LADO POLÍTICO DO MEU AVÔ MATERNO
Ignácio Tavares |
Por
Ignácio Tavares*
Pombal notabiliza-se por ser
uma cidade politicamente agitada. A política partidária foi e ainda é a grande
paixão do nosso povo. Nas duas primeiras décadas do século passado, os grupos
políticos rivais viviam a agitar a cidade, a cata de votos, mesmo em períodos
de calmaria eleitoral. O que é que você acha? Mudou alguma coisa?
Para o eleitor não havia uma
terceira via, pois quem não era Republicano era Liberal. Assim como hoje, a
disputa pela a hegemonia política da terrinha, naquela época, era acirrada, o
que normalmente resultava em disputa ferrenha por mais espaços no mercado
eleitoral.
Ninguém ficava em cima do
muro, pois, todos tinham que revelar suas preferências partidárias. Em caso de
indiferença o eleitor corria o risco de ficar isolado na comunidade. A política
era e
continua ser até hoje, o esporte predileto do nosso povo. Há registros de
embates históricos, entre os quais o de Janduhy Carneiro versus Sá Cavalcante.
Esta disputa acirrada ficou para sempre registrada na memória do povo. É tanto
que, ainda hoje, vez por outra, alguém faz lembrar esse memorável acontecimento
político, mesmo não tendo vivido naquela época.
Minha Mãe falou-me, sobre o
envolvimento na nossa família na política local, nas primeiras décadas do
século passado. O seu pai Filemon Estevão de Sousa foi lançado pré-candidato a
prefeito, com o apoio dos amigos Coronel João Leite, Candú Assis, Joca
Carneiro, Dr. Queiroga, Argemiro Liberato, Josué Bezerra, bem como os Poetas
Silvestre Honório e Cazuza Ferreira, entre outros.
Foi um vexame, visto que, na
nossa família apenas Argemiro Liberato, mesmo contra gosto do seu tio Benigno
Ignácio Cardoso, tinha participação ativa na política local. Algum tempo depois
outros membros da família envolveram-se na política através de partidos
diferentes.
O Filemon reunia excelentes
condições para se tornar prefeito de Pombal. Claro que havia os contrários a
sua candidatura. Logo após a divulgação da sua escolha como pré-candidato, os
pseudos aliados iniciaram uma conspiração para barrar a sua candidatura. Entre
em cena uma onda de boatos a envolver a origem familiar de Filemon a fim de
descredenciá-lo perante a sociedade local.
O padre Valeriano, aliado ao
Capitão Lindolfo, José Avelino, foi um dos que não engoliram a candidatura de
Filemon, pois pensava em lançar o seu irmão Serapião Pereira para disputar o
mesmo cargo. Acontece que o padre não tinha força política capaz de mudar os
rumos da candidatura de Filemon em razão do forte apoio que estava a receber
das mais renomadas lideranças do município, com destaque do Coronel João Leite
de quem foi secretário, quando estava a frente da administração municipal.
Por não contar com o apoio
das principais lideranças do município, o Vigário partiu pra luta em defesa do
seu projeto de eleger o irmão, prefeito de Pombal. O seu objetivo maior era
desestabilizar a candidatura do meu avô. Por ser o meu avô um homem recatado,
de fino trato, hipertenso, auto reprimido, não tinha o hábito de chutar o pau
do barraco, nem tampouco dá murro sobre a mesa ou destratar quem quer que
fosse.
Em meio às futricagens, com
base no disse-me, um amigo de peso resolveu manifestar solidariedade a Filemon.
Refiro-me ao poeta Cazuza Ferreira de Sousa.
Em sendo amigo histórico de Filemon resolveu tomar as dores diante do
que estava acontecendo, de forma subrepticia, contra o amigo.
Para chamar atenção de
Filemon sobre a conspiração que se descortinava contra sua candidatura fez uma
advertência ao seu modo, digo, em
versos. Vejamos a seguir:
CUIDADO SOUSA!
Autor: Cazuza Ferreira – Ano
1915
Fonte: Versos de Cazuza
Ferreira recitados por minha Mãe, em DVD produzido em 1992 – Copiado por José
Romero.
Vem
cá ou Sousa, ex-Secretário
Sustenta
a coisa contra o Vigário
És
um Walfredista de grande valor
Olha os Epitacistas
na sacristia
Vem
cá Valério, homem sem gelo
Eu
não te quero neste atropelo
Valério
ainda és tu só
Toma cuidado com mata avó
Vem
cá Pinhão meu partidário
Na
traição és o nosso calvário
Chora
dengoso e finge apoio
Estas ansioso para ser a
coisa
Vem
cá Simplicio, lá da Lagoa
Deitou
feitiço em gente à toa
Em
José Vieira, em José Queiroga
Em Lima Ferreira, homem sem
toga
Vem
cá Mamede do sitio Ferro
Isso
procede por ser emperro
Vem
cá Mamede, passe pra rua
Limpe a parede seu cara de
pua
Em vós espero ser perdoado
E
mesmo eu quero ser confessado
Prefiro
morrer do que viver só
Ou do que viver com o mata
avó
Vem
cá José Antonio Bezerra
Bicho
de fé e respeitado
Josué
amado és tu só
Toma cuidado com mata avó
Nestes versos Cazuza
Ferreira denunciou quem estava a favor ou contra a candidatura de Filemon,
inclusive os traidores. O padre Valeriano era o centro da conspiração, pois,
queria ver o seu irmão Serapião Pereira de Sousa o candidato único a prefeitura
do município. O confessionário era uma espécie de escritório onde se negociava
o apoio a possível candidatura de Pinhão, ou melhor, Serapião.
Josué Bezerra, Candu Assis,
Coronel João Leite, Joca Carneiro, Argemiro Liberato, entre outros,
permaneceram fieis a candidatura de Filemon. O sobrinho de Josué, Francisco
Bezerra, o mata avó revelou-se um traidor de carteirinha. Por isso Cazuza falou
nos seus versos que Josué estava só. As coisas se complicaram quando partiram
para execração pública da origem familiar de Filemon, sob a inspiração do padre
Valeriano.
Filemon era filho de José
Satyro de Sousa, membro da nossa família, descendente de Francisco Ignácio
Cardoso D’Arão. A mãe de Filemon era uma mulata bonita de muita habilidade na
arte da culinária. Teve um caso com José Satyro o que resultou no seu
nascimento.
José Sátyro foi nomeado pra
guarda Nacional auspiciado por Manoel Pedro Cardoso Vieira, seu parente. Em
razão disso, nunca mais retornou a Pombal, a não ser uma única vez para
reconhecer Filemon como seu legitimo filho, para poder casar-se com a minha avó
Ana.
A Mãe de Filemon cozinhava pra família de
Tenente Álvaro, um dos patriarcas da família Queiroga. O tenente afeiçoou-se de
Filemon e resolveu adotá-lo. Tratou-o como se
fosse um filho de sangue. Pôs pra estudar em Cajazeiras no Colégio de
Padre Rolim, onde recebeu uma educação de boa qualidade, sobretudo Cristã, que
muito serviu para formação da sua personalidade.
O fato de ser um homem de
boa formação cultural, quando o Coronel João Leite assumiu a prefeitura de
Pombal, o nomeou Secretário. Dado o seu desempenho no exercício do cargo foi
convidado para ser o candidato a prefeito nas eleições que se avizinhavam.
Contra a sua vontade aceitou a parada. A partir daí a sua vida transformou-se
num verdadeiro calvário, pois a sua candidatura contrariava outros interesses.
Ao ver o seu nome execrado
publicamente, a partir o púlpito da Igreja, não suportou o tranco. Em sendo um
homem educado, de fino trato, incapaz de praticar atos de grosserias com quem
quer que fosse, num momento de alta tensão, foi vitima de um infarto fulminante
e veio a falecer em 1915 deixando a sua esposa Ana Benigno, ainda jovem, aos
trinta e cinco anos, com sete filhos menores pra criar e educar.
O que aconteceu na política de
Pombal em seguida a morte do meu avô Filemon, não sei dizer. A família entrou
em estado de silencio obsequioso com a recomendação de que era proibido falar
sobre esse assunto.
De uma coisa nós sabemos. O
projeto do padre Valeriano de fazer o seu irmão Pinhão, como era conhecido o
senhor Serapião Pereira de Sousa, prefeito de Pombal, morreu com a morte de
Filemon.
Prá nós herdeiros genéticos
de Filemon, grande homem sob todos aspectos, resta-nos apenas uma vaga
lembrança daquele lamentável acontecimento político que aos poucos entra em
estado de esquecimento no âmbito familiar, pois, os descendentes de Filemon já
alcançam o patamar da quarta geração. São poucos os que sabem contar essa
história. Agora sim, acredito que os netos de Sá Ana poderão vangloriar-se do
Avô que teve, a partir de hoje e para sempre.
João Pessoa, 04 de Outubro de
2012
*Economista
e Escritor pombalense.
Obs.
Se minha Mãe fosse viva hoje estaria a completar 111 anos de idade. Parabéns
Mãe onde a senhora estiver. Beijos e abraços do filho que jamais lhe esquecerá.
Ignácio Tavares.
O LADO POLÍTICO DO MEU AVÔ MATERNO
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/04/2012 06:02:00 AM
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