UM CASO DE VINGANÇA EM POMBAL
Ignácio Tavares |
Ignácio
Tavares*
Pombal guarda muitas histórias de
vinganças em nome da honra e da dignidade. Houve o caso de Lindolfinho, filho
querido do todo poderoso Capitão Lindolfo,
assassinado por um jovem bastante conhecido na cidade, depois de ser
agredido a golpes de chibatadas quando
passeava com a namorada na principal praça da cidade. Esse fato aconteceu,
salvo engano na segunda década do século passado.
Outros casos aconteceram, mas não
pretendo fazê-los objeto de citação neste texto. Quero aqui relatar apenas um
caso do gênero que aconteceu na segunda
metade dos anos cinqüenta, quando um jovem da zona rural, mas sempre presente
na cidade, foi barbaramente espancado por seis policiais, sem o direito a
defesa.
A polícia naquela época, como corporação
a serviço da sociedade, era desprovida do mínimo de qualificação profissional.
O policial, na sua maioria, era escolhido por indicação política. Era quase
sempre uma pessoa de baixo nível cultural, pra não dizer analfabeto.
O soldado representava o braço executivo
da lei que naquela época não era bem clara quanto à definição das penalidades
para casos de pequenos delitos. Isso permitia aos delegados aplicar punições
que muitas vezes resultavam em torturas físicas de consequências irreparáveis.
O delegado podia tudo, pois, da mesma forma era indicado pelo poder local a
quem rendia obediência e lealdade.
É importante ressaltar que na
corporação, havia homens de boa índole em todos os níveis, seja do policial ao
coronel. Infelizmente, naquela época, o contingente de policial, cerca de seis,
que mantinha a segurança da cidade de Pombal, não se enquadrava na categoria de
homens de boa índole. Isso foi demonstrado, na ocasião em que prenderam um
jovem trabalhador de boa conduta, por motivos fúteis, lá pras bandas do baixo
meretrício.
Esse jovem era conhecido pelo nome de
Severino Galo. Eu, assim como outros amigos da época, gozava da sua amizade,
pois, nos conhecíamos há bastante tempo. No momento que o jovem recebeu a voz
de prisão, quis se explicar, pois nada de grave havia cometido para ser preso.
Mesmo assim não foi ouvido. Revoltado esboçou uma pequena reação, o que
provocou uma seqüência de espancamento, jamais visto, na crônica policial da
terrinha.
O rapaz foi arrastado pelos cabelos a
socos e pontapés. O espancamento começou no baixo meretrício, atravessou o
centro da cidade até a cadeia pública. O povo se acotovelava para assistir ao
triste espetáculo de tortura à plena luz do dia. A revolta era geral. Ao chegar a cadeia o sofrimento
foi maior, pois, longe dos olhares do povo, a pancadaria foi impiedosa.
Um parente distante do preso, interveio,
conseguiu liberá-lo. Pois precisava fazer alguns curativos de urgência, para
evitar que os órgãos vitais fossem acometidos pela gangrena. Não retornou mais
a prisão. Ao sentir-se melhor refugiou-se no sítio da família. Não vinha a
cidade com medo de ser novamente preso e submetido a mais uma sessão de
tortura.
Foi embora pra São Paulo prometendo que
um dia voltaria. Lá em São Paulo foi trabalhar numa fazenda cuja especialidade
era a apicultura. Aprendeu a arte de lidar com abelhas. Com as economias que
fez entrou no ramo de comercialização do mel de abelha. Foi bem sucedido.
Acumulou uma pequena fortuna suficiente pra lhe proporcionar uma vida saudável.
Nunca esqueceu o que prometeu: “um dia
voltarei”. Várias vezes, sem identificar-se veio visitar seus parentes na
região. Com o passar do tempo, sem nenhuma explicação plausível, dos seis
soldados responsáveis pela sua prisão, cinco já haviam sido assassinados de
forma misteriosa. Muita gente atribuía a ele, mas ninguém tinha provas. O único
vivo era Camilo, proprietário de um cassino em sociedade com o seu primo Chico
Terto.
Camilo levava uma vida descontraída sem
nenhuma preocupação com o triste episódio que resultou na tortura pública de um
jovem de boa família de forma humilhante, em épocas passadas. Os amigos mais
próximos o avisaram de que Severino Galo estava na terra. Cometeu mais um erro,
pois, não deu a menor importância.
Costumeiramente, Camilo ao fechar o
cassino, no sábado à noite, ia com os amigos pra sorveteria tabajara comemorar
os bons resultados do dia. Foi exatamente neste sábado, que Camilo tomou o seu
último copo de cerveja.
Severino ocupou uma mesa, próxima a que
estava Camilo e seus amigos. O que estava pra acontecer era algo teatral
parecido com aquelas conhecidas histórias do velho oeste americano. Vingança à
vista!
Severino chamou o garçom pagou a
cerveja, olhou pra Camilo e falou: lembra-se de mim? “Voltei e aqui estou”.
Camilo tentou esconder-se em baixo da mesa, mas não escapou dos tiros certeiros
de Severino. Ao constatar que Camilo jazia no chão sem vida, calmamente tomou a
direção do beco do grande hotel, desapareceu na escuridão da noite, até hoje.
Nunca fui de fazer apologia ao crime,
até porque não entendo a razão que leva um ser humano tirar a vida de outro. A
vida é uma concessão que Deus nos faz. Assim sendo, é Ele o legítimo
proprietário desse momento existencial que julgamos ser nosso. Ele nos dá, Ele
nos tira.
Quando Severino assassinou Camilo eu,
entre outros amigos, estava bem próximo ao ocorrido. Estava a jogar uma partida
de sinuca quando ocorreu o tiroteio. Era gente a correr pra todos os lados.
Quando cessou tudo fomos verificar o que realmente aconteceu. Ao chegarmos à
sorveteria já havia muita gente ao redor do corpo. Não me senti bem quando vi
um ser humano de repente transformado num corpo, inerte, sem vida.
Muitos que se faziam presentes achavam
que Severino fez o que devia ser feito, pra poder limpar sua honra, sua
dignidade. Sei que Severino estava coberto de razão em razão dos momentos de
humilhações a que foi exposto diante dos olhares curiosos do povo de sua terra.
Tudo bem, mas no meu modo de pensar havia outros caminhos pra se resolver esse
problema, entre os quais, quem sabe, o gesto nobre do perdão.
Perguntei a um dos circunstantes: será
que alguém possa limpar a dignidade derramando o sangue de um ser humano? Houve
uma resposta evasiva fundamentada no sentimento de ódio e vingança. Pra ele,
vingança sim. Pra mim vingança, jamais.
João
Pessoa, 28 de Outubro de 2012
*Economista e
Escritor pombalense
UM CASO DE VINGANÇA EM POMBAL
Reviewed by Clemildo Brunet
on
10/28/2012 06:43:00 AM
Rating:
Nenhum comentário
Postar um comentário