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O Aboio do Adeus

Onaldo Queiroga

Onaldo Queiroga*

Luiz Gonzaga foi um dos grandes aboiadores do Nordeste. Basta uma simples incursão na sua obra musical que logo encontraremos diversos aboios. Com sua voz potente retrata fielmente uma feira de gado, como também a chegada do gado ao curral, o barulho do chocalho misturado com o mugido e os aboios dos vaqueiros, sons místicos que ainda hoje ecoam no sertão nordestino.

Do seu aboio vem a descrição dos vaqueiros na pega do boi, correndo em meio às
cinzentas terras sertanejas, vaqueiros que, com sua indumentária, montados em seus cavalos voadores, se desviam da vegetação e buscam segurar no rabo do boi para, levando-o ao chão, dominá-lo e assim conduzi-lo ao curral do patrão.

Quem assistiu à “Missa do Vaqueiro”, em Serrita-PE, com a participação de Gonzaga, certamente viveu momentos ímpares, pois teve a alegria de vê-lo no curso da celebração aboiando para uma imensidão de vaqueiros sob um causticante Sol, mas que carregavam uma fortaleza inquebrantável de fé. Devem esses felizardos guardar até hoje esse canto dolente, que advinha do aboio do cantador maior. Essa emoção não tive oportunidade de presenciar. Espero um dia ir à Missa do Vaqueiro para ouvir esse aboio, sim, no aboio que hoje soa do iluminado João Cláudio Moreno, que com sua voz, Moreno nos faz fechar os olhos e logo imaginarmos que Luiz Gonzaga ali se encontra.

Mas, conversando com Joquinha Gonzaga, sobrinho do Rei, ele um dia me relatou que presenciou o aboio do adeus. Imaginem Gonzaga já muito doente, interno no Hospital Santa Joana, Recife, tomado, na madrugada, pelas dores ósseas que lhe dominavam e lhe maltratavam impiedosamente. Ele não gritava, me falou Joquinha com os olhos marejando. Então, indaguei: "- Ele não gritava, nem chorava?" Joca logo respondeu: - “Não, doutor. Ele olhava para mim e Edeuzuíta Rabelo e aboiava. Aboiava com toda força de sua alma, e de forma dolente, muito dolente, ecoava um aboio tangendo o gado lá no Exu-PE, mas na verdade aboiava como se tangesse as suas dores e sofrimentos. Eram aboios do adeus, algo que nos levava às lágrimas. Era um homem forte demais”.

Luiz Gonzaga
Foram noites e dias de aboios intermináveis, dolentes, repletos de dores, de sofrimentos que o mantiveram vivo até o amanhecer do dia 02 de agosto de 1989. O cantador não morreu, nunca morrerá. Continuará vivo nos aboios que ainda ecoam pelo Nordeste brasileiro, seja denunciando as injustiças perpetradas contra o sertanejo, seja para mostrar a fortaleza e alegria do povo chamado Nordeste.

*Escritor pombalense e Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de João Pessoa – PB.
O Aboio do Adeus O Aboio do Adeus Reviewed by Clemildo Brunet on 11/19/2012 05:42:00 PM Rating: 5

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