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A Seca Nordestina e o Descaso Político

Genival Torres Dantas

Genival Torres Dantas*

A indústria da seca no nordeste brasileiro é um fenômeno secular incrustada na tradição política de um povo que convive, mas, não tolera mais suas conseqüências maléficas a 12 milhões, que vivem às margens do canal da transposição do Rio São Francisco, que sofrem com seu flagelo, efeito pior que o climático, pois, tira dos desvalidos e carentes o que o governo central disponibiliza para fazer frente as suas necessidades mínimas que a situação de penúria lhe impõe no decorrer das estiagens, principalmente no polígono das secas. Região que compreende os Estados do Piauí (PI), Ceará (CE), Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Alagoas (AL), Sergipe (SE), Bahia (BA) e
Minas Gerais (MG) (região setentrional).

A história nos relata que a região citada vem sendo sacrificada desde o nosso descobrimento, registrando a primeira Grande Seca entre 1791/1793, tornando a região de difícil sobrevivência, com mortes de seres humanos, animais, com a falta de recuperação da vegetação.

No período de estiagem de 1877/1880 D. Pedro ll (Império do Brasil 1822/1889, tendo como sistema político a Monarquia Constitucional Parlamentarista), procurou contornar a situação com um política assistencialista para a região, iniciando-se aí uma atenção especial para o fenômeno localizado, e distante do controle do Poder Central.
Foi nessa época que surgiram os retirantes nordestinos, ou cassacos, que fugiam das regiões mais secas e se instalavam nas cidades em busca de sobrevivência, resultando em grandes concentrações humanas, ocasionando epidemias, fome, saques e crimes, verdadeira catástrofe social.

Foi no governo do mineiro Venceslau Brás Pereira Gomes (1914/1918), (República Velha 1889/1930), que a tragédia dos flagelados foi mais contundente com a varíola fazendo centenas de mortos no Campo do Alagadiço, Fortaleza/CE. Na época, precisamente em 1915, foram criados campos de concentrações de retirantes, no entorno das grandes cidades atingidas pelas estiagens, evitando-se invasões nesses Centros. Normalmente não havia condições sanitárias favoráveis nem comida suficiente para todos, para uma distribuição racional.

Passava o tempo, mas a tragédia da seca nordestina persistia, em 1932, e nova calamidade tomava conta do nordeste, somente no Estado do Ceará, concentrava-se mais de 105 mil retirantes em sete campos organizados pelo governo. Foi no inicio da Era Vargas, do presidente Getúlio Dorneles Vargas, (1930/1945), que o governo deixou de patrocinar esse tipo de assistência, com concentração de pessoas fora das cidades, muito embora continuasse contratando a mão de obra do retirante para uso na construção de açudes e outras atividades, mantendo aquela gente ativa, periodicamente, durante as estiagens.

Começava uma nova etapa na vida do nordestino, o governo precisava povoar as terras do Mato Grosso, no Centro-Oeste, e incentivou a migração nordestina para aquele Estado, ficando conhecida como a Marcha para o Oeste. A marcha dos retirantes se estendeu por outras décadas. Já no inicio dos anos 50, século passado, ultrapassava os 2 milhões de nordestinos, o número de  migrantes, para várias regiões, notadamente o Sudeste, ficando o Estado de São Paulo como o grande empregador dessa mão de obra, praticamente sem qualificação técnica, mas de grande importância no desenvolvimento da indústria e construção civil.

Por todo esse período histórico a transposição do Rio São Francisco foi tratada sem uma prioridade pelo governo central, entretanto, e apenas no regime militar (1964/1987), governo do presidente João Batista de Oliveira Figueiredo (1979/1985), depois de uma das mais longas estiagens que tivemos, entre 1979/1983, foi feito o primeiro projeto tratando desse assunto, por intermédio do Ministério do Interior, cujo titular da pasta era o ministro Mário David Andreazza, gaucho de Caxias de Sul, com elaboração do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), já extinto.
Já estávamos na Nova República (1987/atual), ano de 1994, governo do presidente Itamar Augusto Cautiero Franco, soteropolitano, (nascido nas águas baianas num navio de cabotagem), e é esse predestinado que nomeia o potiguar, Aluízio Alves, Ministro da Integração Regional, e encaminha ao Senado Federal, projeto que declara ser de interesse da União estudos sobre o potencial hídrico, bacias dos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, constantes nas regiões Semiáridas desses Estados.

No governo do carioca Fernando Henrique Cardoso (1995/2003), foi assinado o documento “Compromisso pela Vida do São Francisco”, que era uma proposta de revitalização do Rio São Francisco, e construção dos canais de transposição. Entretanto o assunto seguiu via tramite burocrático, sem uma efetiva ação prática em termos de realizações de obras.
No decorrer do mandato do governo Lula (2003/2011), Luiz Inácio Lula da Silva, pernambucano de Caetés, deu andamento aos estudos ambientais para fins de licenciamento do projeto pelo IBAMA, resultando no Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do nordeste Setentrional.

Trata-se de um projeto polêmico, existem afirmações que serão beneficiados 12 milhões de pessoas na região, com captação de 1.4% da vazão de 1.850 m³/s do Rio São Francisco, atingindo 5% do território e apenas 0,3% da população do Semiárido brasileiro, com prejuízo ao ecossistema nas marginais do velho Chico, Rio São Francisco. Com benefícios apenas para grandes latifúndios por onde passa o canal, ficando os pequenos, e os que efetivamente precisam, na mesmice. Se isso realmente ocorre, só vem corroborar a ideia que a seca no Nordeste brasileiro é de cunho sócio-político, com a indústria da seca proporcionando lucros exorbitantes aos grandes latifundiários, com constantes desvios de interesses e de dinheiro, em detrimento dos pequenos que é a população da zona rural, e mesmo urbana, que mais necessita de apoio governamental pelas suas carências mais prementes. Alega-se ainda o custo da obra que é elevado. Claro que os investimentos necessários no inicio do projeto estava estimado em R$4.5 bi, em decorrência da morosidade com o andamento das construções, inclusive com abandono de empreiteiras alegando prejuízos financeiros, o valor estimado hoje para conclusão é de R$8.2 bilhões. Se o projeto realmente não atende os interesses de todos, pelo menos minimiza parte dos problemas centralizados por ande passará os 400 km de canal, com benefícios para 12 milhões de pessoas.

O que lamentamos é que o projeto está sendo executado com claros interesses pessoais, ou de grupos tirando proveitos financeiros. Com máquinas paradas no Ceará, no Rio Grande do Norte a situação ainda é mais grave, quase nada foi feito até agora, apenas projeto e esperança. Em outras regiões muitos serviços executados terão que ser refeitos, pelo absoluto abandono. Existem documentos no Ministério da Integração que mostra uma empresa que cobra R$51,00 p/m², quando o valor real seria pouco mais de R$2,00, pela mesma metragem, só essa situação esdrúxula acarretou um prejuízo de aproximadamente R$12 milhões ao Erário Público. Esse é apenas um exemplo como nada mudou em nosso país, independentemente de sistema político. A previsão do ex-presidente Lula, em 14/12/2010 era que a obra fosse inaugurada em 2012, essa previsão já mudou para 2015, e certamente quando lá chegarmos nova previsão será feita.

O TCU (Tribunal de Contas da União) fez uma auditoria em julho próximo passado cujas conclusões são no mínimo constrangedoras: “Todos os dias é acrescida uma coisa que não esta prevista, todos os dias parece mais um problema”. O Ministério da Integração é responsável por todo esse descalabro, se abstendo de agir no momento oportuno, não permitindo paralisações e abandono de parte do projeto, compactuando, direta ou indiretamente com essa situação calamitosa, só comparada com as consequências catastróficas das estiagens que estamos passando na região em foco. Na outra ponta, o serviço de engenharia do exercito brasileiro já executou 97% da obra em trecho que lhe foi confiado a execução, contra 47% do restante das obras de responsabilidade do setor privado, empreiteiras, consórcios e outros.

Convém lembrar que foi formada uma comissão especial externa, no Senado, para acompanhamento da evolução das obras da transposição do Rio São Francisco. Dia 11/12, próximo, haverá audiência pública para tratar dos motivos pelos quais estão levando ao descompasso as obras, com adiamentos, interrupções e desistências por partes das empresas contratadas para execução do projeto. Querem acelerar o cronograma em andamento, foram convidados alguns ministros, dentre eles o do Planejamento, a paulista, Miriam Aparecida Belchior, a mesma que num momento de infelicidade comentou na imprensa que o atraso nas obras não é problema, pois, o nordestino é um forte, frase do nosso escritor maior, Euclides da Cunha, reproduzida por ela, verdadeiro gesto de deselegância para com os nordestinos que tentam transpor as adversidades que assola não só o polígono das secas nordestinas, mas também parte do Estado do Maranhão. Convidado também foi o pernambucano Fernando Bezerra de Sousa Coelho, da Integração Nacional, e da Defesa, o também paulista, Celso Luiz Nunes Amorim.

Existe uma preocupação enorme no andamento do cronograma da obra por parte dos nordestinos, informa o relator da comissão, outro paulista, senador por Pernambuco, Humberto Sérgio Costa Lima (PT), que luta junto com outros senadores, tais como os senadores paraibanos e pela Paraíba, Vital do Rêgo Filho (PMDB), Cássio Rodrigues da Cunha Lima (PSDB e Cícero Lucena Filho (PSDB).

Outra colocação por parte da situação, o senador Humberto Sérgio Costa Lima (PT), falando a respeito das execuções das obras do São Francisco, tentando atenuar os atrasos ocorridos, afirma que o fato do exercito ter chegado a 97% de conclusão em um trecho sob sua responsabilidade, foi em decorrência do próprio exercito ter começado as obras antes das demais empresas responsáveis por outros trechos, e que outros trabalhos executado pelo exercito não teve o mesmo sucesso. Dessa forma denigre o trabalho de quem tem realmente responsabilidade no que faz, tentando comparar os bons aos maus, tentativa infeliz para quem é senador e já foi Ministro de Estado.

O que efetivamente precisamos é a execução das obras da transposição seja realizada dentro de um prazo mínimo, depois de tantas idas e vidas, que atenda a maioria das pessoas envolvidas por essa tragédia, Seca nordestina, e os novos valores apresentados para conclusão das obras, R$8 bilhões, sejam realmente suficientes para todo projeto e não seja preciso alocação de novos recursos, chega de aportes. Reconhecemos que é um projeto caro, mas de um alcance social muito grande, mesmo assim inferior a muitas ações em nome de contrapartidas de cunho social e política da mesma equivalência. Apenas para termos parâmetros sobre os números envolvidos, em termos de custos, o valor do projeto representa 41% do que o Brasil vai gastar para manter o seu superávit, 2012, (20 bilhões), 21% do bolsa família (40 bilhões), números aproximados.

Genival Torres Dantas
Escritor e Poeta
A Seca Nordestina e o Descaso Político A Seca Nordestina e o Descaso Político Reviewed by Clemildo Brunet on 12/03/2012 08:17:00 AM Rating: 5

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