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A morte de Josué de Castro no exílio

J. Romero Araújo Cardoso

José Romero Araújo Cardoso*

“Não se morre apenas de infarto agudo do miocárdio ou de glomeronefrite crônica, se morre também de saudades” (Josué de Castro)

 Quando o calendário marcar o dia vinte e quatro de setembro de 2013 assinalar-se-á a triste cronologia referente aos quarenta anos de falecimento no exílio na França do médico, geógrafo, sociólogo e cidadão do mundo Dr. Josué Apolônio de Castro.
         
O célebre autor de Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951) integrou a lista dos cassados políticos pela Ditadura Militar quando da publicação do Ato Institucional Número Um (AI-1), o qual, além de Josué de Castro, trazia ainda nomes que também foram banidos do país e
que tiveram grande importância política, social e intelectual no Brasil antes do advento do militarismo, a exemplo de Leonel Brizola, Juscelino Kubtchevsky de Oliveira, Jânio Quadros, João Goulart, Neiva Moreira, Pelópidas Silveira, Miguel Arraes, entre outros.
         
Josué de Castro recebeu convites de diversos países para que cumprisse o exílio de dez anos imposto arbitrariamente pela junta militar que assumiu o poder em primeiro de abril de 1964 em nosso país. Escolheu a França para vivenciar sua desdita, tendo em vista que era muito apegado às raízes, ao solo pátrio, ao nordeste brasileiro e ao Estado de Pernambuco.
         
O grande cientista que presidiu o Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) em duas oportunidades (1952-1954 e 1954-1956), tendo sido laureado com significativas honrarias, como o Prêmio Internacional da Paz e o Prêmio Roosevelt da Academia de Ciências dos Estados Unidos, pela publicação do clássico livro Geografia da Fome, além de indicado duas vezes para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, considerava-se injustiçado pelos militares quando de sua cassação e exílio.
         
Josué de Castro passou a sofrer graves crises depressivas em seu ostracismo em terras estrangeiras, não obstante ter intensificado a luta humanista e voltado a lecionar em renomadas Instituições de Ensino Superior Francesas, como a Sorbonne e Vincennes.
         
No Brasil, suas obras estavam censuradas, seu nome proibido e vítima de espetacular processo de exclusão da memória nacional, a qual ainda, infelizmente, perdura como resquício das imposições ditatoriais dos militares, cuja visão reacionária vislumbrava Josué de Castro como “inimigo da pátria”, um verdadeiro “traidor” dos ideais alicerçados na Ordem e no progresso, tendo em vista a forma incisiva como meteu o dedo na ferida das desigualdades, denunciando a fome como um flagelo fabricado pelos homens contra seus próprios semelhantes e não resultado de “causas naturais” como era pensado pela Ciência distorcida que orientava a construção social em sua época.
        
 Mesmo no exílio, Josué de Castro era monitorado pela Ditadura Militar, a qual o enxergava como “notório comunista”, pois suas idéias, independência e ousadia eram vistas como ameaças ao sistema instituído em abril de 1964, cuja ideologia desenvolvimentista primava pelo privilégio de uma minoria historicamente beneficiada em detrimento das necessidades da imensa maioria deserdada ao longo da evolução Histórica e Social Brasileira.
         
As crises depressivas da maior inteligência brotada em solo brasileiro intensificaram-se em razão das constantes negativas da Embaixada Brasileira em dar visto em seu passaporte, o que garantiria retorno à sua terra natal. O Embaixador Brasileiro na França que se notabilizou pela intransigência de não permitir o retorno de Josué de Castro ao Brasil era o General Aurélio Lyra Tavares.
         
Faltando menos de sete meses para que se cumprisse o tempo de exílio determinado pelo AI-1, no caso dez longos anos, falhava irremediavelmente o coração do velho batalhador pelas justas causas da humanidade.
         
Josué de Castro faleceu em seu apartamento na capital francesa. Mesmo morto, os militares ainda viam em Josué de Castro ameaça à ordem estabelecida, pois houve uma série de exigências, como a proibição de fotografias, para que se efetivasse a permissão dos militares para que seu corpo fosse enterrado no cemitério São João Batista no Rio de Janeiro.
        
 A atualidade do pensamento de Josué de Castro ainda assusta a elite dominante, tendo em vista que ainda permanece desconhecido de grande parte da população brasileira pela qual tanto batalhou e empenhou sua vida a fim de lutar por melhores condições de vida para um povo sofrido que, mais do que nunca, espera por melhores dias que possam permitir usufruto de existência digna dentro dos padrões humanitários que foram intensamente pregados pelo valente pernambucano que nas décadas de cinqüenta e sessenta do século passado tornou-se uma das mais importantes personalidades do planeta graças a defesa célebre da valorização do gênero humano em todas as dimensões.

*José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto do Departamento de Geografia do Campus Central da UERN. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. 
A morte de Josué de Castro no exílio A morte de Josué de Castro no exílio Reviewed by Clemildo Brunet on 1/09/2013 10:38:00 AM Rating: 5

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